“Agora sabemos o que sentem os passarinhos”, fiquei a olhar para a mensagem que me enviou por telefone. “Se calhar vais achar ridículo este título, mas como estávamos a falar em temas para a Newsletter…”.
Olhei pela janela por um instante. Não há ano que não celebre a chegada das andorinhas. Este ano ainda chovia e fazia frio e eu já as procurava no céu sempre em voos rasantes a passar por nós. “Claro, era isso que a Cristina queria dizer, agora somos nós!”, pensei.
Estamos presos como os passarinhos que guardamos em gaiolas sem querer saber se lhes roubamos o instinto natural da liberdade. E agora somos nós, privados da liberdade que nem sabíamos valorizar por a ter como certa.
Decidimos que em março teríamos de tocar no tema daquele vírus cujas explicações não eram muito claras ainda para nós, já íamos a meio de fevereiro. Em poucos dias aquilo que dissemos todos não ser tema exclusivo que alimentasse uma newsletter, passou só a ser o tema das nossas vidas porque as mudou por completo.
Em poucos dias, mesmo sem sermos obrigados, fomos nós próprios que quisemos ir para casa. Dever cívico muito claro nesta Faculdade que nos ensina a cuidar dos outros…
Sem tempo para despedidas ficámos fechados, sem um último abraço, ou a última visita aos amigos, aos pais, avós… Não houve tempo, nem para sentir que nos estávamos a despedir da rotina que afinal é tão livre. Deixámos de nos tocar, de trocar gestos e materiais, de reunir, de aparecer. A cada minuto confrontados com a morte acelerada na China e depois na Europa, começámos a perceber que os heróis usam mesmo farda, as fardas da saúde, as militares, as da alimentação, ou da higiene.
Na cabeça ressoavam-me frases históricas de Churcill ou Roosevelt, “We are at war gentlemen”, só que a Guerra era diferente, veio sem rosto, ou armamento nuclear, sem nação, ou ideologia. E os grandes homens da História são hoje os grandes responsáveis pelo agravamento da propagação da doença.
Presos na gaiola ouvimos as reflexões dos mais entendidos, reinventámo-nos e criámos soluções sem tempo para dramas, porque os dramas choram-se apenas quando as Guerras acabam, agora não há tempo.
Ficam assim as entrevistas deste mês sem necessidade de apresentações.
As grandes entrevistas ao Presidente das Escolas Médicas Portuguesas e nosso Diretor, Fausto J. Pinto, ao Professor Jubilado e sábio Infecciologista, Francisco Antunes, ou a um dos grandes responsáveis pelo Plano de Contingência do Serviço Nacional de Saúde, o Pneumologista do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHULN) Filipe Froes. Ficam as explicações breves no meio de uma generosidade sem limites do especialista e Diretor em Patologia Clínica CHULN, o Professor Melo Cristino e a reflexão de Pedro Duarte de Almeida, o Professor de Design de Informação de Belas-Artes da Ulisboa.
Fica o levantamento histórico sobre as grandes pandemias do mundo e o relato da última talk, magistralmente conduzida por Emília Valadas, Professora e atual Diretora da Clinica Universitária de Doenças Infecciosas, bem como por Thomas Hanscheid, o Professor da FMUL e Investigador.
Fica a conversa com Sónia Teixeira, elemento da redação da Newsletter e do Gabinete de Inovação e Empreendedorismo e a sua vida quando veste a farda ao serviço da Cruz Vermelha.
E ficam os relatos, na primeira pessoa daqueles que são um dos grupos dos grandes protagonistas de toda esta história, os estudantes. Eles vão falar-nos do célebre processo de implementação de aulas à distância e daquilo que sentiram quando a pandemia covid-19 se instalou nas suas vidas. Vão ainda contar-lhe o que fazem no Departamento de Saúde Pública e Sexual e que estavam na Madeira em implementação de medidas, quando tudo estoirou e a terra tremeu.
Senhoras e senhores, apresentamos o protagonista deste mês, deste ano e do século, o SARS- COV – 2, o vírus que nos fez viver o dia zero das nossas vidas e que nos obrigou a recentrar, a olhar para o outro e a respeitar antes de querermos ser respeitados.
Não sabemos ainda bem quando, mas voltaremos a sair da gaiola e a voar… mas muitos de nós quebrarão antes que ela se abra…
Para os que puderem voltar a voar, que nunca se esqueça a aprendizagem desta Grande Guerra, porque é diante das maiores tormentas que nos tornamos mais humanos, mas para que tal aconteça teremos que aprender a olhar à volta, sem egos.
Está em casa? Mantenha-se para já e leia-nos.
E já sabe… Mantemo-nos juntos.
Como passarinhos na gaiola à espera da liberdade que só se conquista se agora ficarmos presos.
Joana Sousa
Equipa Editorial