Por muito tentador que possa ser olhar para a realidade dos dias de hoje como o fim do Mundo, olhemos antes para o momento atual como uma oportunidade.
Respiremos fundo e olhemos pela janela ou pelo quintal, pelo terraço ou jardim das nossas casas e que o foco esteja na confiança e gratidão por tudo o que temos, sempre na certeza de que chegará o dia em cada um, à sua maneira, retomará a normalidade das suas vidas.
Os profissionais de saúde estão a tratar os doentes de acordo com a gravidade e com a melhor evidência que dispõe no momento. Enfrentam um desafio dantesco, mas ao mesmo tempo infindável para aqueles que lidam de perto com as doenças infecciosas. Como Filipe Froes, Pneumologista e Coordenador da Unidade de Cuidados Intensivos Médico-Cirúrgicos do Hospital Pulido Valente, CHULN (Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte), e também Coordenador da Comissão de Trabalho de Infecciologia Respiratória da SPP (Sociedade Portuguesa de Pneumologia). É um dos médicos que mais tem contribuído para o esclarecimento de questões sobre a pandemia de Covid-19, enquanto Coordenador do gabinete de crise da Ordem dos Médicos e consultor da DGS (Direcção-Geral da Saúde) para os assuntos relacionados com o novo coronavírus. Em tempos de guerra, e com a previsão de “imenso suor, muito sangue e algumas lágrimas”, as palavras de ordem são “conhecimento e coordenação” aliados à “segurança e tranquilidade”. Filipe Froes convida-nos ao apaziguamento interior e à aceitação da incerteza com uma visão pragmática, objetiva e sabedora dos factos.
Defende que devemos abordar o surto de Covid-19, colocando-nos algures num ponto que medeie o alarmismo e a indiferença. Numa fase em que há, ainda, muito para falar e para se saber sobre o novo coronavírus, qual é a melhor mensagem que podemos passar às pessoas?
Filipe Froes: Só há uma mensagem: momentos excepcionais justificam medidas excepcionais e exigem comportamentos excepcionais. Esta é uma altura de mostrarmos a nossa cidadania e responsabilidade.
O que é que já se sabe ao certo sobre esta 7ª estirpe de coronavírus?
Filipe Froes: Estamos a lidar com uma estirpe nova de vírus, o SARS-CoV-2, o que significa que somos todos susceptíveis. Entende-se que na generalidade das situações a transmissão se faça por gotícula com um período de incubação entre os 2 e os 14 dias e um período médio de 4 a 6 dias entre a exposição e o desenvolvimento de sintomas. Não há dados fidedignos sobre o período de maior contágio, mas na quase totalidade das situações corresponde ao período sintomático. Os quadros clínicos variam entre formas ligeiras de queixas respiratórias das vias aéreas superiores até formas mais graves com pneumonia, ARDS, choque séptico e evolução para síndroma de disfunção múltipla de órgãos.
Consegue-se identificar a razão para o ritmo de propagação tão acelerado deste vírus?
Filipe Froes: Os principais factores que justificam o ritmo acelerado de propagação são a susceptibilidade de todos nós associado a formas de doença muito ligeiras, com poucos sintomas e que tendem a passar despercebidas.
Há pessoas que apresentam maior capacidade de contágio?
Filipe Froes: Embora ainda não esteja formalmente confirmado para o SARS-CoV-2, esses "super disseminadores" foram identificados noutros surtos a coronavírus, e é muito provável que também aconteça nesta pandemia.
Sabemos que o novo coronavírus atinge o sistema respiratório. De que forma é que as nossas células são afetadas pelo vírus? É possível que os efeitos nocivos do vírus se alastrem a outros órgãos?
Filipe Froes: O vírus entra nas células através de receptores ACE2 e provoca a morte celular através dos mecanismos de replicação viral que permitem a disseminação viral a outras células, tecidos e órgãos. A replicação viral e destruição celular desencadeiam uma extensa e intensa resposta inflamatória sistémica que, por sua vez, pode agravar a lesão dos órgãos.
Quando lidamos com a imprevisibilidade da evolução do novo coronavírus, que tipo que questões e ideias são mais construtivas e urgentes, e quais as que se revelam destrutivas e menos produtivas?
Filipe Froes: O mais construtivo e urgente, é a melhoria da capacidade diagnóstica e o desenvolvimento de medicamentos específicos para tratamento e quimioprofilaxia e, finalmente, as tão desejadas vacinas. O mais destrutivo é o ruído, a interrupção constante, a incapacidade para lidar com a incerteza e a falta de coordenação.
Qual é o próximo passo na luta contra o Covid-19?Em que ponto de situação se encontra a avaliação de um fármaco e/ou vacina para combater o vírus?
Filipe Froes: Há muitos ensaios em curso para avaliar novos fármacos. Como há tantos ensaios, tem sido difícil recrutar doentes, mas dados preliminares apontam para resultados mais favoráveis associados à utilização de lopinavir/ritonavir, remdesivir e tocilizumab. Em relação ao desenvolvimento de vacinas, as notícias são muito variadas com o anúncio de vacinas para os próximos meses ou mais demoradas e para depois de 12 a 18 meses.
É da opinião de que as autoridades chinesas têm agido com eficácia no controle de transmissão de casos. O que pensa das medidas – quarentenas e outras – implementadas na China e na Europa?
Filipe Froes: Só no rescaldo da pandemia é que poderemos avaliar a actuação de cada um dos países e a eficácia das diferentes medidas tomadas. Este balanço é fundamental para aprendermos e melhorarmos a nossa resposta em futuros eventos.
Enquanto profissional, como é que o Covid-19 tem influenciado o seu trabalho? (O novo coronavírus tem-lhe tirado o sono?) Qual foi a sua primeira preocupação ou pergunta quando teve conhecimento do aparecimento deste novo surto?
Filipe Froes: Actualmente trabalho em exclusivo para este problema à escala global e as 24 horas do dia são muito insuficientes. É o acordar de manhã com centenas de mensagens e e-mails para responder, é o acordar com a sensação de começar com atraso. Fui acompanhando as notícias desde o início do surto e reconheço que, nos primeiros dias, pensei que seria mais um surto localizado que iria ser controlado. Depois com o aumento do número de casos, percebi que todos os dias saíam de Wuhan mais de 3.500 passageiros de voos transcontinentais e a pandemia era uma possibilidade real.
Defendeu, recentemente, que não declarar a pandemia poderia ter mais prejuízos do que a declaração da mesma em termos de saúde individual, saúde pública e do impacto no mundo.Em que sentido?
Filipe Froes: A declaração de pandemia teve duas grandes vantagens: é um sinal fortíssimo de alerta para todos nós no sentido de sermos mais interventivos e de atuarmos de uma forma mais concertada e permite a adoção de medidas de maior contenção à escala global.
Numa entrevista ao jornal Público, de 2011, disse: “Na minha profissão, vejo muitos homens (e mulheres) que choram. Penso frequentemente o mesmo: há muitos outros homens (e mulheres) que não sabem a sorte que têm”. Não sabem a sorte que têm por serem saudáveis?
Filipe Froes: Não sabem a sorte que têm por serem saudáveis e darem por garantida a saúde, a independência e a autonomia nas atividades da vida diária.
Sofia Tavares
Equipa Editorial