Porquê reformar o ensino clínico?
Nova Reforma do Ensino Clínico

 

As razões que despoletaram a necessidade de criar uma reforma do ensino clínico 
 

estetoscópio preto e branco

A prática médica encontra-se em constante atualização e com ela evolui também a educação médica e o ensino prático. A última reforma que incluiu o ensino clínico foi em 2006/2007, com a implementação do processo de Bolonha - deste então, eram destacados como pontos negativos para a estrutura curricular, entre vários outros:

  • A falta de integração de conteúdos
  • A sobreposição ou repetição de temas entre áreas disciplinares
  • A desatualização tecnológica e a falta de conteúdos emergentes
  • A carga excessiva de aulas teóricas e de elementos de avaliação (principalmente exames)

 

Além disto, com o passar dos anos, sentiu-se cada vez mais uma necessidade de corresponder a novas exigências formativas para as atuais gerações de estudantes, associadas a novos desenvolvimentos e orientações em educação médica. Mostrava-se cada vez mais urgente uma melhor aproximação aos objetivos do processo de Bolonha, uma resolução das lacunas curriculares identificadas e uma integração de competências emergentes, nomeadamente as relacionadas com o envelhecimento, obesidade, doenças crónicas, doenças mentais, migração, custos e gestão em saúde, entre outras.

 

Como foi reformado o ensino clínico?

Os fundamentos que orientaram a formulação da reforma e os objetivos do seu desenvolvimento


Para perceber plenamente a reforma e as alterações que serão implementadas, importa perceber os princípios que as guiaram e os objetivos que se espera alcançar com os mesmos. Como tal, destacam-se os seguintes:

médica a apontar para a esquerda com o dedo
  • Outcome-based education (ensino baseado em objetivos)
    • Trata-se do conceito de que o ensino deve ser baseado nas competências e objetivos que o aluno deve saber desempenhar no final do programa curricular, ao invés do processo educativo como fim em si mesmo.
    • Os objetivos curriculares devem estar definidos de forma clara, sem ambiguidade e associados a uma janela temporal de aquisição.
    • Para a reforma, os outcomes foram divididos num núcleo comum e em conteúdos específicos de cada área disciplinar, explicitamente definidos em termos de ano e disciplinas de aquisição. 
    • Foram feitos com base no Netherlands Blueprint e organizados em 3 níveis de complexidade (assumptions, level 1, level 2) e divididos em 6 domínios:
       
      • Medical knowledge
      • Critical thinking and inquiry
      • Patient care and clinical skills
      • Professionalism and physicianship
      • Interprofessionalism and communication skills
      • Organization and social determinants of healthcare
         
  • Mapeamento curricular - levantamento de todos os conteúdos curriculares das várias áreas disciplinares, olhando para todos em conjunto para garantir que nada fica por lecionar e que não existem temas com sobreposição entre disciplinas.
  • Currículo SPICES - uma sigla para a organização curricular que defende que os conteúdos do currículo devem ser maioritariamente:
    • Student-centered - centrado no estudante.
    • Problem-based - baseado em problemas e na sua resolução, ao invés de em informação estanque.
    • Integrated - integrados, evitando a sua fragmentação em disciplinas isoladas.
    • Community-based - baseados em aprendizagem no seio da comunidade e não exclusivamente em meio hospitalar.
    • Elective-based - baseados na autonomia e nos interesses dos estudantes e não apenas em padrões curriculares rígidos.
    • Systematic - procurando abordar a generalidade de conteúdos e não apenas alguns de forma oportunista.
  • Currículo em espiral - os assuntos vão sendo abordados ao longo do curso com uma profundidade crescente ao longo do tempo.
  • Critérios de boas avaliações - validade, consistência, equivalência, viabilidade, efeito educacional, efeito catalítico e aceitabilidade.
  • Integração de conteúdos - fundamental para o currículo, implica que todas as áreas se complementem e que a sua lecionação seja conjunta e não segmentada.

Foram também aplicadas as recomendações de revisores externos e de padrões para boas práticas do BEME (Best Evidence in Medical Education) e da WFME (World Federation for Medical Education) - com base em todos estes princípios, o que se pretende fundamentalmente é um ensino mais prático, mais integrado (tanto em aprendizagem como em avaliação), mais ativo (com mecanismos de feedback e aprendizagem contínua) e mais autónomo, com aumento do número e formação de docentes e um reforço de unidades curriculares com reduzido ou sem contacto prático, como a Medicina Geral e Familiar.

 

O que vai mudar com a reforma?

As principais alterações que irão caracterizar a reforma curricular do ensino clínico

Homem a segurar amostra de sangue com estantes atrás

As principais mudanças que podemos esperar com a reforma curricular, baseadas nos objetivos anteriormente descritos, são as seguintes:

  • Alterações na composição de cada semestre por áreas disciplinares:
    • Integração entre as áreas de medicina e cirurgia - deixarão de existir os vulgos semestres de “medicina” e “cirurgia” e o ensino destas áreas passará a ser integrado, versando blocos temáticos concretos (por exemplo, pulmão, coração e vasos, entre outros) ao longo dos dois anos.
    • Em cada ano, um dos semestres será dedicado à medicina-cirurgia na sua totalidade (semestre B) e o outro semestre será dedicado a uma componente adicional minoritária de medicina-cirurgia, bem como às restantes unidades curriculares (semestre A).
      • Semestre A do 4.º ano - medicina geral e familiar, neurociências e psiquiatria, medicina forense, foundation skills.
      • Semestre A do 5.º ano - pediatria, obstetrícia e ginecologia, foundation skills.
  • Alterações na estrutura e organização do ensino ao longo do semestre:
    • Concentração do ensino teórico nas primeiras 3 semanas do semestre  - após a semana de Unidades Curriculares Optativas.
    • Rotação semestral entre especialidades ao longo de 12 semanas, durante os períodos da manhã - perfazendo um total de 60 aulas práticas de 3 horas cada, das 9h00 às 12h00.
      • As tardes são maioritariamente livres, com eventuais teórico-práticas - para cada semana está reservado um mínimo de 2 tardes livres.
    • As últimas 4 semanas do semestre serão dedicadas à avaliação, sob a forma de dois elementos de avaliação integrados.
    • Adicionalmente, serão promovidas a formação de docentes e novas metodologias de ensino mais eficazes, como o flipped classroom (visualização autónoma de conteúdo teórico, como em aulas gravadas, para posterior discussão de casos em aula prática ou teórico-prática) e o problem-based learning.
  • Alterações na quantidade de processos de avaliação dos alunos:
    • Serão eliminadas as orais como elemento de avaliação, por recomendação do revisor externo, dada a sua falta de estruturação e critérios.
    • O número de elementos de avaliação será reduzido e integrado, sendo que as últimas quatro semanas do semestre serão ocupadas por duas avaliações finais semestrais:
      • OSCE semestral - conterá 10 estações de 6 minutos cada uma, que avaliará competências técnicas (realização de uma parte do exame físico, auscultação, entre outros) e de comunicação (como colheita de história clínica em âmbito de urgência, transmissão de diagnóstico, explicação de riscos e benefícios de uma terapêutica, entre outros) de forma criteriosa, com base nos outcomes (objetivos de aprendizagem) definidos para cada semestre e área disciplinar.
      • Teste de escolha múltipla - integrando os conteúdos das várias áreas disciplinares do semestre, também com base nos outcomes (objetivos de aprendizagem) de cada semestre e área disciplinar.
    • Ao longo do semestre, terão também lugar processos de avaliação formativa (não contando para a nota final) sob a forma de um portfólio individual das aulas práticas para cada aluno e de eventuais testes formativos.
    • Não obstante estes elementos, cada área disciplinar poderá definir, de forma facultativa, as avaliações contínuas sumativas (contando para a nota final) que considere necessárias.
  • Introdução de foundation skills e novas competências médicas emergentes:
    • Foundation skills do 4.º ano
      • Evidence based medicine and health literacy
      • Health systems and costs in medicine
    • Foundation skills do 5.º ano
      • Professionalism and career development
      • Medical ethics
      • Communication with patients and families
      • Quality and safety in health care
  • Redução do rácio tutor:aluno em todas as áreas disciplinares nas aulas práticas para um máximo de 1:4.
  • Tutorialização de cada turma por um docente de medicina interna, responsável ao longo do semestre pelo acompanhamento e esclarecimento próximo da turma.

 

O que nos trouxe à reforma?

 A estrutura cronológica das comissões responsáveis pela formulação da reforma e os documentos que orientaram os seus trabalhos

Conjunto de alunos em bloco operatório

Entre 2013 e 2015 foi levado a cabo um trabalho de análise do ensino clínico por completo pelos estudantes da AEFML, Conselho Pedagógico e Conselho de Escola, no seio do chamado “Grupo de Trabalho para a Reforma dos Anos Clínicos” - o documento escrito por este grupo exortou a FMUL a iniciar um processo formal de avaliação, pelo que em 2015 foi criada a Comissão de Avaliação do Ensino Clínico (CAEC - coordenada pelo Professor José Mendes de Almeida), constituídas por estudantes e por docentes.

 A CAEC apresentou as suas conclusões em 2017 e em 2018 foi criada uma nova comissão, a Comissão de Implementação da Reforma do Ensino Clínico (CIREC - coordenada pelo Professor José Ferro) que incluiu estudantes, docentes e a Área Académica, para levar a cabo a proposta da CAEC e efetivar a reforma do ensino clínico. Esta proposta mereceu revisão externa por parte do Professor Peter McCrorie e com base nas suas recomendações, foi concluída a proposta final da reforma do ensino clínico no final do ano de 2018, tendo recebido desde então atualizações pontuais.

 Desde então, a implementação da reforma estava planeada para o ano letivo de 2020/2021, afetando pela primeira vez o curso 17-23 - como tal, foram levadas a cabo duas apresentações públicas com o intuito de esclarecer os estudantes e receber feedback em janeiro de 2019 e janeiro de 2020. Concomitantemente, foram levadas a cabo todas as tarefas logísticas com seio da CIREC com base em reuniões mensais e grupos de trabalho. Com a entrada em jogo da pandemia COVID-19 em março de 2020, foi tomada a decisão de adiar a implementação da reforma por um ano, para 2021/2022, passando a ser introduzida com o curso 18-24.

 A preparação da reforma foi reiniciada em dezembro de 2020, tendo sido concluídas as preparações finais para a sua introdução e os processos de monitorização e avaliação da implementação da reforma. A CIREC irá encerrar a sua missão no final deste ano letivo, sendo substituída pela Comissão de Acompanhamento da Implementação da Reforma do Ensino Clínico (CAIREC) que terá por função o acompanhamento, monitorização e otimização da implementação da reforma.