João Eurico da Fonseca é neste momento o Professor que acompanha bem de perto o processo de implementação da nova Reforma do Ensino Clínico, dando suporte e seguimento ao Professor José Ferro, o coordenador do projeto, concentrando-se essencialmente na estruturação da nova dupla de áreas Medicina-Cirurgia dos 4º e 5º anos. “Por mais ansioso que eu esteja para que tudo corra bem, tenho que neste momento limitar-me a estar próximo deles para os apoiar”, afirma.
Para o Médico Reumatologista, há várias camadas para se criar um bom médico: “a primeira é o gosto pelo estudo, nenhum aluno vem para Medicina se não gostar de estudar; a segunda diz-nos que um bom médico tem que ter um contacto mínimo com diversas realidades; e, por fim, a terceira camada, e que é aquilo que vai diferenciar a carreira de um médico, diz respeito às suas atitudes”. Segundo o Professor, as atitudes não dizem só respeito ao exercício da Medicina, mas também a todas as áreas profissionais. As pessoas são preparadas com determinados conjuntos de informação e depois são as atitudes que os diferenciam.
Para o Professor esta nova Reforma do Ensino Clínico vem proporcionar aos alunos um maior contacto com os doentes e com os médicos. Porque há uma maior aposta na vertente prática, os alunos terão a oportunidade de contactar com a realidade e assim desenvolver as suas características pessoais.
Qual é a grande importância da reforma do ensino, que acontece a partir do próximo ano letivo?
João Eurico da Fonseca: A grande mudança que se vai operar é na integração de conteúdos. Pela primeira vez, tentaremos colocar os alunos que estão a estudar, por exemplo, cirurgia, ou as várias áreas cirúrgicas e as várias áreas médicas em conjunto, ou seja, se o aluno está a estudar cardiologia, naquele momento irá estar mais dedicado à Cardiologia e, também, mais concentrado na Cirurgia Vascular e Cirurgia Cardiotorácica e assim sucessivamente. Portanto, quando há alguma temática médica que facilmente emparelha com uma temática cirúrgica promove-se esse emparelhamento. Tentar-se-á ao máximo que não haja sobreposição da descrição de sintomas, de sinais, de alterações laboratoriais, aspetos diagnósticos de entidades clínicas que são médicas e cirúrgicas e, por isso, integra-se tudo. Depois, naturalmente, as áreas mais médicas falarão de uma forma mais enfática sobre a terapêutica medicamentosa e as áreas cirúrgicas das abordagens cirúrgicas.
Claro que as áreas cirúrgicas têm depois grandes particularidades do ponto de vista geral e da gestão do doente - do doente pós-operatório, do doente durante a cirurgia, do pré-operatório do doente, as preocupações com as comorbilidades, com as infeções e isso tem que ser especificamente abordado em vários contextos, incluindo o doente traumatológico médico-cirúrgico. Na verdade, o doente que vem de uma situação de acidente de viação, por exemplo, é primordialmente um doente cirúrgico com várias complicações, mas rapidamente tem complicações médicas porque já tinha doenças prévias que se complicam com o traumatismo ou porque o traumatismo dá origem a uma série de instabilidades predominantemente metabólicas e médicas. E, portanto, os doentes necessitam dessa abordagem clínica conjunta, quer cirúrgica, quer médica, e, logo, esse ensino também deve ser feito de forma integrada. Este doente é traumatológico, mas é um doente traumatológico médico-cirúrgico, onde cirurgiões e intensivistas têm de dar input. Esta integração é um aspeto crucial de mudança. E neste processo de integração ocorrerá também uma procura permanente de alinhamento de conteúdos verticais da formação, com conteúdos dos 3 primeiros de ensino a serem integrados, sempre que pertinentes.
Outro aspeto de mudança, que é muito importante, é a conceção de que os alunos para conseguirem ter no quarto e no quinto ano uma boa aproximação à atividade clínica do dia-a-dia precisam de tempo e, portanto, temos que aumentar a percentagem de tempo em que os alunos estão focados nas chamadas aulas práticas e que aqui será feito em várias rotações nas diversas áreas médicas e cirúrgicas que estão envolvidas no ensino. Estas rotações, visam evitar que os alunos, que são de facto numerosos, se acumulem em números elevados no mesmo local com prejuízo para a atividade clínica e prejuízo para o ensino e, por isso, quando pensamos na forma de colocar os alunos nessas manhãs continuamente a ter aulas práticas estamos muito preocupados em dividi-los nos vários momentos em que é possível fazer ensino prático, nomeadamente, no contexto das enfermarias, dos hospitais de dia, das consultas. A dispersão dos alunos por várias áreas ao mesmo tempo é uma estratégia muito importante para permitir ao máximo que os alunos tenham um contacto próximo com clínicos e próximo com doentes. Isto é possível através da interação com os hospitais afiliados à Faculdade de Medicina, neste caso, o principal é o Hospital de Santa Maria, mas há outros hospitais, nomeadamente, Hospital Pulido Valente, Hospital Beatriz Ângelo, Fernando da Fonseca, Garcia da Orta, que vão ser reforçados na sua participação, com mais tempo de exposição a alunos, justamente para oferecer mais contacto clínico aos alunos. E quando fazemos estas rotações fazemo-la com um princípio básico: em cada unidade o número de alunos não pode ultrapassar o limite máximo de quatro, para permitir um maior contacto com o médico e com o doente.
Adicionalmente, e continuando a tentar manter ao máximo o princípio dos grupos de alunos de dimensões pequenas, há um outro nível de organização que é importante, que são as aulas teórico-práticas. As aulas teóricas-práticas são entidades diferentes evidentemente das práticas, mas que ainda permitem um controlo suficiente de cada um dos participantes. Antes de frequentar essas aulas de presença obrigatória, os alunos terão suportes de conhecimento organizados sobre a forma de aulas teóricas previamente filmadas e disponíveis no Moodle. Os alunos terão uma lista, como se fosse um capítulo de um livro, que podem consultar em função do seu plano individual de aulas teórico-práticas e práticas e preparar assim devidamente essas sessões teórico-práticos e a aulas práticas, de forma a que estejam capacitados para interagir com os conceitos que estão por detrás desses momentos letivos de presença obrigatória.
Isto é um conceito um pouco diferente do habitual porque classicamente nós tínhamos aulas teóricas sem presença obrigatória, seminários sem presença obrigatória e aulas práticas. O cenário muda, passando a existir aulas teóricas filmadas, os alunos não têm de vir, mas depois têm de vir com presença obrigatória às teórico-práticas e às práticas, correspondendo ao “tempo de voo” que é necessário os alunos terem de forma a que estejam habilitados ao fim do quinto ano a entrarem num ano mais liberal, o sexto ano, que tem um contacto clínico verdadeiro e não tem qualquer formalismo de aulas.
Podemos dizer que há uma aposta na parte prática?
João Eurico da Fonseca: É uma aposta na parte prática e no contacto próximo com doentes e clínicos. Este é um princípio importante. Os alunos têm os seus momentos de estudo, mas depois quando estão na faculdade e nos hospitais não estarão em contemplação numa aula, mas sim, envolvidos em atividades.
Esta reforma altera também os momentos de avaliação?
João Eurico da Fonseca: Existia um tempo muito longo dedicado às avaliações, porque as áreas disciplinares estavam todas dispersas e, portanto, cada uma delas tinha a sua avaliação separada e perdia-se muito tempo com as avaliações.
Passa a existir um conceito muito diferente também da avaliação, que está centrado num único teste de escolha múltipla que integra todas as áreas de cada módulo. Por exemplo, no módulo de medicina-cirurgia há um só teste de escolha múltipla que integra todas as áreas disciplinares médico-cirúrgicas, no quarto ano, primeiro, e depois no quinto. Depois um só exame prático estruturado através do método OSCE e que vai testar as várias áreas que são lecionadas. Adicionalmente, o aluno vai ser submetido a uma avaliação contínua baseada no cumprimento de uma série de objetivos, num portefólio que terá de preencher e que lhe contribui para a classificação final. Durante o ano, vai haver também alguns momentos de avaliação formativa, que não conta para a classificação, mas que garante que os alunos têm uma noção de como é que os seus conhecimentos estão a evoluir.
Esta nova reforma do ensino será aplicada no 4º e 5º ano?
João Eurico da Fonseca: Sim. O modelo é muito semelhante no quarto e no quinto ano.
Neste caso, a partir de setembro, deste ano, os alunos afetados com a nova reforma do ensino são os quem transitam do terceiro ano para o quarto ano, certo?
João Eurico da Fonseca: Os alunos que no próximo ano letivo (2021/22) entram no quarto ano, em setembro, já ficam envolvidos neste sistema. O quinto ano só começa esta nova metodologia depois, no ano letivo seguinte, em 2022/23.
O que veio impulsionar esta grande mudança?
João Eurico da Fonseca: Eu acho que há vários níveis de razão. O primeiro está relacionado com a própria evolução dos conceitos da medicina, da forma como se pode transmitir melhor o conhecimento. Houve grandes progressos na medicina, mas também houve grandes progressos na tecnologia e na disponibilidade de informação e, portanto, considerou-se que os alunos devem ter mais autonomia, mais tempo para que possam gerir de forma mais independente o seu estudo e daí as aulas teóricas estarem disponíveis e não serem presenciais, para darem mais liberdade ao aluno para mergulhar nelas em momentos adequados. Ao mesmo tempo, têm toda a liberdade de pesquisar várias fontes bibliográficas. Este fator tempo também é outro aspeto importante porque na maior parte das tardes o aluno vai estar livre e vai poder utiliza-las para estudar.
Existe também uma outra circunstância que é particular da nossa escola médica. Ao longo dos anos, tem havido reformas da estruturação do ensino, mas este tem-se mantido essencialmente parecido nas últimas décadas. O número de alunos foi subindo e a sobrecarga sobre as várias estruturas, que podem dar ensino prático, é grande e, por isso, era também necessário alterar a estratégia de ensino para permitir que o número de alunos que temos possa estar a ser submetido a um ensino de qualidade também no momento crítico relacionada com o contacto com os médicos e com os doentes.
Que consequências pode a Reforma do ensino trazer para os alunos?
João Eurico da Fonseca: Claro que alterações tão grandes como esta vão inevitavelmente ter consequências. Ao termos os anos clínicos em reestruturação estamos a empurrar os alunos para um contacto clínico mais intenso, mais autónomo, logo desde o início do quarto ano e é necessário, no mínimo, que o segundo semestre do terceiro ano tenha uma restruturação futura que permita que estes alunos estejam mais preparados para este embate. Isto já está em curso e houve várias alterações no segundo semestre, do terceiro ano, para forçar mais os alunos a estarem mais próximos do quarto ano, mas houve limitações por causa da pandemia e atrapalhou um pouco estas alterações. Mas, com o tempo, o terceiro ano, tem que fazer uma pré-preparação para os alunos entrarem com mais folga de conhecimentos e de sentido clínico no quarto ano.
O que tem de ser reforçado e modernizado no terceiro ano é o plano de aprendizagem da semiologia, dos sintomas e dos sinais que está em curso ao longo do ano todo. Em particular, pelo menos no segundo semestre do terceiro ano é fundamental mais tempo de contacto prático com esse mesmo ensino mas com presença de doentes, ou pelo menos, com aquilo que se chama um “doente estandardizado” (indivíduos treinados, como se fossem atores, a exibir sintomas e simular alguns sinais que depois são avaliados por alunos de uma forma prática).
Este tipo de passo em frente no ensino prático, no terceiro ano, é importante para que os alunos sejam mais capazes de uma interação madura com os médicos e com os doentes.
No fundo, o terceiro ano precisa de sofrer um upgrade de preparação clínica. Atualmente o tempo dedicado à aprendizagem clínica no terceiro ano permite que os alunos conheçam do ponto de vista teórico e do ponto de vista prático os sintomas, os sinais das doenças e as principais síndromes clínicas. No entanto, o contacto com a prática está baseado em modelos e tem que ser reforçado com “doentes estandardizados” e, também, com doentes reais em ambiente de sala de aula, mas incluindo já, de forma controlada, em ambiente de enfermaria e de consulta. Isto vai permitir que os alunos estejam mais à vontade, mais clinicamente aptos quando entram no quarto ano. Depois isto também traz uma consequência no sexto ano, onde se espera que justamente estes alunos estejam mais capazes de uma frequência quase profissionalizante nessa fase.
Qual será o seu papel na implementação da reforma?
João Eurico da Fonseca: Eu tenho estado a acompanhar este processo de implementação da reforma dando suporte ao Professor José Ferro em tudo o que ele precisa e concentrando-me essencialmente na estruturação da medicina-cirurgia do quarto e quinto ano.
Neste momento, a implementação em detalhe do quarto ano já está nas mãos dos coordenadores das várias áreas do quarto ano e, especificamente, a medicina-cirurgia já está nas mãos dos coordenadores, que são o Professor João Lacerda, o Professor Fausto Pinto e o Professor Paulo Costa, e eu neste momento estou a concentrar-me no mesmo, mas referente ao quinto ano, que tem como coordenadores a professora Helena Cortez Pinto, o Professor Paulo Costa e eu.
Estamos muito atentos ao que o quarto ano está a adaptar porque há vários conceitos que foram desenvolvidos no papel e depois quando nos estamos a aproximar do dia da implementação descobrimos vários detalhes que afinal não poderão ser bem assim. E nós estamos atentos à experiência deles e muito curiosos com os primeiros contatos com a realidade do dia a dia porque evidentemente queremos valorizar e aproveitar o que de melhor acontecer e também prevenir erros.
Embora tenhamos neste momento um modelo bem definido para o quinto ano, se verificarmos que o primeiro embate de algumas das novidades, colocadas no quarto ano, não estiver a correr bem, iremos efetuar ajustes ao quinto ano. Por outro lado, inovações de sucesso que o quarto ano venha a desenvolver queremos aproveitar e levá-las para o quinto ano.
É, neste momento, a minha atitude mental para com a reforma. Estou muito atento a acompanhar o quarto ano, mas consciente que neste momento a revisão fina do detalhe tem que ser dos responsáveis do ano e, portanto, por mais ansioso que eu esteja para que tudo corra bem, tenho que neste momento limitar-me a estar próximo deles para os apoiar. Ao mesmo tempo, transladar aquilo que de bom acontece para o quinto ano e tirar aquilo que menos bom vá acontecer e não levar para o quinto ano.
E como é que os professores vão lidar com estas mudanças? Há barreiras?
João Eurico da Fonseca: A maior parte dos professores foi ouvindo ao longo de vários anos as evoluções dos conceitos sobre esta reforma e tiveram oportunidade de discutir em reuniões mais alargadas, ou mais pequenas, o que é que seriam as implicações para a sua área disciplinar. Assim sendo, este longo amadurecimento permitiu que as pessoas se adaptassem gradualmente.
Eu penso que estas enormes alterações feitas assim (estala os dedos) iriam causar enormes resistências. Como foram feitas progressivamente, isto permitiu uma adaptação conceptual e psicológica de todos os participantes. Adicionalmente, por causa deste reforço do ensino presencial e do contacto dos alunos com docentes, houve uma restruturação das equipas de ensino dos anos clínicos. Por exemplo, existiam contratos a 40% e todos estes contratos desapareceram e passaram a contratos de 30% e, esses 10% que foram libertados em múltiplos contratos, permitiu contratar novas pessoas, mais jovens na maior parte dos casos, que se integraram no ensino de novo.
Os professores estão, neste momento, numa fase de grande dedicação aos novos conceitos, muito atentos às alterações que foram feitas, com grande sentido de responsabilidade e de preocupação para que tudo decorra o melhor possível e que nós possamos ter uma reforma que seja de facto uma mais-valia para o ensino.
Tendo o Professor uma grande proximidade com os alunos, como é que eles olham para estas alterações no ensino da medicina?
João Eurico da Fonseca: Os alunos também têm tido muitas ocasiões de participação para esclarecerem as suas dúvidas. De novo, o tempo foi muito positivo. Porquê? Porque foi preparando gerações de alunos para a reforma. Os alunos que estão agora no terceiro ano e vão passar para o quarto ano, são alunos que estão a saber que vão entrar na reforma há muito tempo. Eles no fundo já assimilaram que vão entrar nesta inovação e eu arrisco-me a dizer que olham para isto com esperança, com curiosidade, com motivação para ter um ensino de maior qualidade.
Há, evidentemente, receios. Nós todos temos receio da mudança, é assim o ser humano. Uma coisa é passarmos do terceiro para o quarto ano e saber exatamente como é que tudo vai acontecer, porque os nossos colegas mais velhos contam-nos como foi, outra coisa é, de repente, começar a fazer uma coisa que ninguém fez. E isso gera preocupações sobre novos métodos de avaliação, por exemplo. Mas eu penso que os alunos estão confiantes e estão principalmente desejosos de ter também um ensino mais inovador, mais criativo e a aceitabilidade é muito boa.
Como é que se cria um bom médico?
João Eurico da Fonseca: A minha opinião sobre criar bons médicos inclui várias camadas. Existe uma camada que é aquela que mais facilmente uma faculdade de medicina pode dar porque é no fundo o que internacionalmente é feito. Os alunos que entram na faculdade de medicina, de uma forma geral, estão habituados a estudar porque se não teriam falhado no sistema exigente e competitivo de entrada. São por isso um conjunto de pessoas que estão habituadas a estudar, o que em si já é uma base razoável para formar bons médicos. Ninguém vem para medicina se não gostar de estudar ou pelo menos que não esteja preparado para estudar. Até pode não gostar muito de passar períodos longos de reflexão individual, mas tem que estar preparado para isso. Esta base do estudo permite que os alunos ganhem conhecimentos que poderemos dizer básicos. São conhecimentos que já estão muito estabilizados no conhecimento médico e que apesar dos anos passarem vão manter-se, ou seja, um fémur é sempre um fémur, uma aorta é sempre uma aorta, a circulação cardíaca é sempre a circulação cardíaca. Há uma série de questões que estão estabilizadas há centenas ou pelo menos dezenas de anos. E isso corresponde a uma grande quantidade do conhecido e que tem que estar interiorizado dentro dos alunos com um nível mínimo de capacidade de memória ativa.
Depois há uma outra camada que tem a ver com o contacto com o doente e o contacto com clínicos. É difícil que um bom médico seja só um enorme estudioso, um bom médico tem que ter um contacto mínimo com realidades e, embora durante toda a vida do médico essas realidades vão reforçando o seu conhecimento, não podemos atirar para a vida clínica médicos que não tenham tido contacto com outros médicos mais velhos, professores, com experiência clínica, e com doentes, e isso tem de ser oferecido.
Mas estas duas camadas correspondem ao pacote que já conhecemos. O que é que vai diferenciar a carreira dos médicos? São as atitudes. E aqui não tem só a ver com o exercício da medicina, tem a ver com todas as áreas profissionais. As pessoas são preparadas com determinados conjuntos de informação e depois são as atitudes que os diferenciam. E este aspeto está por um lado inerente a cada um de nós e isso e é difícil de mudar. Isto vem desde aspetos genéticos até aspetos comportamentais do desenvolvimento psicomotor das crianças, do desenvolvimento da família, do desenvolvimento na escola. Estamos dependentes do nosso próprio passado. Mas durante os anos que os alunos estão na nossa faculdade, nós podemos melhorar essas características e principalmente fazê-las mais conscientes. Cada um de nós não está frequente consciente de como de facto é e precisamos de tornar os alunos conscientes sobre como são, como devem ser, e como é esperado que atuem.
E como é esperado que o médico atue? É fundamental que o médico seja empático. Não interessa a especialidade, o médico tem que ter capacidade de estar ao pé de alguém e conseguir comunicar com essa pessoa. Tem de ter a capacidade de ouvir de forma ativa. Se o médico ficar só a ouvir (faz uma pausa e cruza os braços), isto também não serve. Apesar da preocupação de não interromper demasiado o doente, este não ficará nunca satisfeito se tiver um médico assim a olhar para ele (faz mais uma pausa longa e fica com uma expressão fechada). A atitude de escuta empática, inclui não interromper de uma forma desadequada a outra pessoa, mas também dar qualquer sinal, como fez o Leonel no momento da minha pausa, que abanou com a cabeça para criar uma interação. Ou seja, o médico tem de saber dialogar com as outras pessoas e isso é fundamental para fazer a história clínica, para perceber o que o doente sente e para permitir a educação do doente. Nenhum médico consegue uma consulta eficaz se não transmitir de forma educacional o que quer dizer. Se a comunicação do médico não for eficaz e se este hesitar, aquilo que o doente vai fazer é procurar uma segunda opinião e isso não é benéfico para este na maioria das vezes.

Depois, com muito importância é a orientação da terapêutica, quer ela seja médica ou cirúrgica. Se a empatia não permitir a tradução de uma informação que seja percetível por parte do doente este não vai cumprir a terapêutica, ou não vai querer ser operado. Um bom exemplo disso é a situação atual da vacinação anti SARS-COV-2. Quando o doente expressa hesitação em relação à vacinação o médico vai ter que saber perante esse doente posicionar-se em relação à questão da vacinação, desconstruir os mitos, ser empático e, em alguns casos, ser dramático. E isso tem de ser transmitido aos alunos. Os alunos têm que saber medicina e também comunicar e serem empáticos.
Isto é uma atitude, mas é também uma técnica, que se inclui nas chamadas soft skills. É normal que o médico jovem, com 23 e 24 anos, recém-licenciado, não tenho a confiança que é suposto ter para lidar com certas situações, como um indivíduo mais velho no auge da sua atividade profissional. Mas parte dessa confiança pode ser treinada e isso também será incluído nesta reforma.
Neste momento, quais as áreas que estão sob a sua coordenação?
João Eurico da Fonseca: Sou diretor da Clínica Universitária de Reumatologia e do Instituto de Semiótica Clínica, duas unidades estruturais.
Neste momento, tenho como responsabilidades, no terceiro ano, a área disciplinar de introdução à clínica e o estágio clínico. Estas funções, do terceiro ano, são transversais e são de facto impactantes sobre os alunos e, também, impactantes sobre o meu dia-a-dia porque é uma atividade continua que nunca pára. No terceiro ano, eu também sou responsável pela área disciplinar de doenças do aparelho locomotor, que é uma atividade semestral com componente muito mais lúdico e mais leve para os alunos.
No quinto ano, estou muito envolvido módulo de Medicina II, onde sou coordenador juntamente com a Professora Helena Cortez Pinto e, também, da minha área disciplinar que é a Reumatologia.
Esta sobreposição do terceiro com o quinto ano, levanta algumas vezes alguma sobrecarga, mas vendo isto pelo lado positivo, ajuda-me a ter uma visão mais holística desta preparação clínica dos alunos porque contacto-os no início do terceiro ano, ainda sem qualquer contacto clínico, e volto a estar com eles depois no final do quinto ano, onde é suposto eles terem o pico da sua preparação clínica. Isto ajuda-me a compreender melhor como é que o ensino clínico progride e tenho tido uma noção mais clara de quais são as insuficiências dos alunos, as suas dificuldades, as necessidades de exigência que nós temos de colocar e, também, talvez tenha ganho maior consciência sobre qual é o nível mínimo que nós temos que exigir. Os futuros médicos vão ter uma atividade com muita autonomia e com muita responsabilidade sobre vidas humanas. O conceito de uma classificação mínima (10 em 20) no ensino médico é complexo de definir e deve ser um exercício consciencioso contínuo dos docentes.
Depois colaboro para outras áreas médicas, incluindo o mestrado integrado de engenharia biomédica, de forma mais superficial, dando algumas aulas teóricas. É normal e saudável dentro da faculdade existir esta partilha de conhecimento técnico nas diversas áreas.
Leonel Gomes
Equipa Editorial
