Como os tempos atuais o exigem, foi por email, e depois de 14 horas ininterruptas de combate contra o vírus SARS-Cov-2, que o Professor Melo Cristino generosamente respondeu a algumas perguntas acerca da infeção COVID-19. O Professor José Melo Cristino, entre muitas outras funções e cargos, é Professor Catedrático de Microbiologia da FMUL e Diretor do Serviço de Patologia Clínica do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte. Aproveitamos o momento, para deixar aqui o nosso agradecimento, não só pelo tempo dedicado a responder a esta curta entrevista, mas também pela sua performance em combate contra a COVID-19. Salientamos ainda que estas respostas foram dadas no dia 19 de Março de 2020, e, por isso, cingem-se aos dados e informações disponíveis até essa data.
Tendo em conta todo o seu conhecimento, gostaríamos de ter a sua opinião sobre o estado atual da propagação deste vírus, o COVID-19, em Portugal.
J. Melo Cristino: O vírus chama-se SARS-CoV-2. COVID-19 é o nome da infeção causada pelo vírus. Estamos no início da fase de crescimento exponencial dos casos de infeção. Se tivermos um padrão evolutivo idêntico a vários outros Países europeus, vai haver um agravamento da situação nas próximas semanas a meses.
A seu ver quais serão as medidas que podem, e devem ser tomadas em Portugal tendo em conta a progressão natural em termos epidemiológicos da doença e o que poderemos fazer para a retardar ou mesmo inverter?
J. Melo Cristino: Numa democracia ocidental como é a nossa, considero que as medidas principais são as medidas de proteção individual e de isolamento social, dado que não temos disponíveis outras, como a vacinação ou a quimioprofilaxia (administração de um fármaco para impedir a aquisição da infeção). A população está suscetível e vai haver uma disseminação do vírus.
Há vários estudos que mostram que, se não se tomarem medidas de proteção e se deixar a infeção ter o seu curso normal, a duração do período mais crítico será mais curta, mas haverá um número muito elevado de pessoas infetadas num período de tempo menor, o que trará grandes dificuldades aos serviços de Saúde, com possível esgotamento de recursos e incapacidade de resposta eficaz.
Com a implementação de medidas eficazes de isolamento, se elas forem cumpridas por todos, procura-se prolongar o período de transmissão do vírus de modo a que o número de pessoas que adoece seja mais distribuído ao longo do tempo. Penso que este é o melhor cenário para o nosso País, tendo em conta a oferta de serviços de saúde em Portugal, nomeadamente o Serviço Nacional de Saúde, que vai ser confrontado com a esmagadora maioria dos casos.
E em termos internacionais, vemos vários países a usarem estratégias distintas, e muitas vezes, aparentemente contraditórias em relação à sua abordagem ao COVID-19. Veja-se os exemplos de Macau ou do Reino Unido. Quais as que acha mais acertadas e mais adequadas e que poderão ser implementadas em Portugal?
J. Melo Cristino: Ao que julgo saber, a estratégia inicialmente seguida pelo Reino Unido tinha a vantagem de tratar os doentes infetados maioritariamente em casa, deslocando-se lá os profissionais de saúde. Nisto excelente. Contudo, as recomendações de isolamento eram escassas e feitas a nível quase individual, admitindo-se que a população se iria infetando e, assim, criando imunidade. O Reino Unido mudou radicalmente de estratégia há poucos dias porque as projeções da evolução da infeção mostravam um aumento explosivo da transmissão e a probabilidade de existirem rapidamente muitos milhares de casos de infeção, impossíveis de serem eficazmente abordados pelos serviços de saúde. Esta previsão levou a uma mudança de abordagem, aproximando-se da seguida por outros Países ocidentais.
Em Macau foram impostas medidas de isolamento muito rigorosas logo quando surgiram os primeiros casos e o território manteve-se com uma dezena de doentes diagnosticados durante várias semanas, tendo todos sido considerados curados. Foi um caso exemplar de sucesso, mas este está agora ameaçado porque nos últimos dias surgiram sete novos casos. Será interessante acompanhar a evolução em Macau.
Como perito e profissional com grande experiência nestas áreas, gostaríamos de saber se tem sido abordado pelas entidades competentes, e que papel poderá ter neste momento, para se criarem estratégias a curto e médio prazo para limitar as consequências e impactos ao nível de saúde e social desta pandemia.
J. Melo Cristino: Integro alguns grupos de trabalho dedicados à abordagem da infeção COVID-19 em Portugal. Desde há uma semana, ocupo a maioria do meu tempo no diagnóstico laboratorial da infeção porque a solicitação feita ao Laboratório de Microbiologia do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte tem sido muito grande. Coordeno um grupo de profissionais absolutamente excecionais que tem trabalhado 24/24 horas para permitir uma capacidade de resposta eficaz na qualidade e no tempo. Creio que somos o laboratório hospitalar nacional com maior solicitação e que mais testes tem feito diariamente (cerca de 200), seguindo uma metodologia relativamente morosa e ainda não automatizada (RT-PCR) que requer treino, muita concentração e resiliência. A realização do diagnóstico (tão rápido quanto possível) às pessoas suspeitas da infeção é essencial nesta fase para se poderem implementar estratégias eficazes de isolamento, diminuindo a possibilidade de serem veículo de transmissão aos outros.
Sónia Teixeira
Equipa Editorial