Tudo começou no final de sexta-feira, dia 6 de março. Na reunião do Centro Académico Universitário de Lisboa (CAML) desse dia, ficou decidido suspender todas as atividades que envolvessem a interação com doentes, incluindo aulas, avaliações práticas, e estágios. As aulas fora deste contexto iriam manter-se, até instruções em contrário.
No dia seguinte de manhã, é convocada uma reunião extraordinária do Conselho Pedagógico (CP). No dia 8 de março, o CP deu oficialmente os primeiros passos: foram aprovadas as recomendações pedagógicas perante dois cenários: ensino presencial, sem aulas com contacto com doentes, e um segundo cenário, na inexistência de qualquer aula presencial.
O primeiro cenário iniciou-se e terminou no dia seguinte, segunda feira, dia 9 de março. Nas aulas e nos corredores, era audível o burburinho sobre a COVID-19, e as questões eram múltiplas, desde o que ia acontecer, como iam ser as aulas práticas substituídas, o que estava planeado, se e quando a faculdade iria fechar ou não, …
Preparando a possível progressão para o segundo cenário, criámos durante essa manhã, com a ajuda dos nossos colegas da AEFML, o portfólio que hoje os alunos utilizam diariamente para registar as suas aulas.
Durante esse mesmo dia, pelas 17h, e de acordo com as recomendações aprovadas pelo Conselho de Escolas Médicas Portuguesas (CEMP), todos os estudantes da FMUL receberam um comunicado da parte do Gabinete do Diretor, Prof. Doutor Fausto Pinto, anunciando a suspensão das atividades letivas presenciais na FMUL. Era algo que já se antecipava, estando a FMUL sediada num Hospital Universitário, o Hospital de Santa Maria, muito suscetível à rápida disseminação do vírus caso não fossem tomadas as devidas precauções.
Embora a surpresa não marcasse a suspensão anunciada, a incerteza de como seriam os dias vindouros era muita. Continuaríamos a ter aulas? Como seria assegurado o contacto com a prática clínica? E os estágios profissionalizantes do 6º ano? Todas estas questões começaram, aqui, a assombrar a cabeça dos estudantes, alimentando uma incerteza crescente.
Para os alunos do Conselho de Representantes, que inclui um representante por cada órgão-eleito pelos alunos (AEFML, Conselho Pedagógico, Conselho de Escola e Comissões de Curso do MIM e LCN), esse dia ainda não tinha acabado. Elaborámos em conjunto um comunicado que foi enviado aos alunos, sistematizando toda a informação necessária.
Para além disso, era urgente desenhar de raiz a nova estrutura de comunicação e trabalho desse dia e dos que viriam, a máquina que, atrás dos pano, auxiliasse os docentes na elaboração deste novo desafio. Nesse sentido, recebemos na sala de reuniões da AEFML o Prof. Doutor Joaquim Ferreira, que se voluntariou para nos ajudar, orientando-nos sobre quais deveriam ser os próximos passos. Ainda nesse dia, visitámos os colegas dos Audiovisuais, ficando delineados os pormenores para que, daí a dois dias, as videoconferências se iniciassem.
Dizem que em tempo de adversidades, o mais importante é estarmos unidos. A verdade é que vimos uma Faculdade a unir-se com um objetivo comum: assegurar que os estudantes e, acima de tudo, a formação destes não era prejudicada. Direção, Conselho Pedagógico, Coordenadores de Ano, Regentes e Docentes de todas as Áreas Disciplinares, Comissões de Curso, Conselho de Representantes da AEFML, e claro, Equipa de Audiovisuais e restante pessoal não-docente da FMUL. Todos, sem exceção. E, em apenas 24h, tínhamos uma rede de comunicação estabelecida. Nascia assim um novo paradigma de Ensino na FMUL. Um ensino baseado em videoconferências.
Foram horas atribuladas, isso é certo. Nessa semana, os emails recebidos foram na casa das centenas. As notificações de mensagens na dos milhares. Mas foi possível, porque foi um trabalho em equipa, uma equipa na qual tivemos o prazer de participar ativamente, articulando e interligando desde o início, todos os pontos que iam sendo, cuidadosa e esperançosamente, desenhados e construídos. Sendo alunos, e estando também a usufruir deste novo modelo de aulas, não nos poderíamos sentir mais realizados. É com enorme orgulho que percebemos que a sua implementação foi um sucesso, e que o feedback que os nossos colegas nos fazem chegar todos os dias é extremamente positivo.
Num sentimento transversal a todos os alunos da comunidade FMUL, vimos e reconhecemos nos docentes o investir do seu tempo em nome dos estudantes. Uma palavra especial aos que também são clínicos e conciliam, no seu escasso tempo livre, a sua vertente pedagógica, quando as exigências profissionais são, a cada dia que passa, cada vez maiores. Vimos e vemos não-Docentes a despender dos seus recursos pessoais para garantir que todas as ocorrências técnicas são corrigidas, assegurando o melhor ensino possível. Vimos e vemos alunos que participam ativamente ao longo de cada videoconferência e, no final, agradecem a disponibilidade do orador, conscientes do quão privilegiados são. Os excelentes resultados que estamos a observar face a este novo método não existiriam sem a colaboração de todos.
Ainda que motivada pela força das circunstâncias, esta nova experiência pedagógica não será esquecida, e poderá ser o ponto de partida para uma discussão futura, ao abrir um novo paradigma na Educação Médica da FMUL. Num artigo recente no JAMA, The Inevitable Reimagining of Medical Education, é inevitável até que o ensino online, especialmente nos anos pré-clínicos, se torne fundamental, e esta pode estar a ser a nossa fase experimental na FMUL.
Dizem que em tempo de adversidades, a verdadeira natureza da Humanidade mostra-se ao mundo. Em tempo de adversidades, vimos uma Faculdade, que, quando posta à prova, se ergueu pelos Estudantes. O futuro é incerto, e o máximo que podemos desejar é que a tempestade passe, e que todos permaneçam saudáveis. Esperamos que a Faculdade a que regressaremos seja uma Faculdade mais unida e orgulhosa pelos desafios que superou.
Os 12 Discentes do Conselho Pedagógico
