Coronavírus.
COVID-19.
Isolamento.
Quarentena.
Lavar as mãos.
Hoje em dia, são estas as expressões que mais espaço ocupam nas nossas vidas.
Na televisão, na internet, nas redes sociais, nos jornais ou na rádio, a cobertura mediática deste acontecimento tem sido amplamente alargada e discutida. No entanto, muitas vezes, esta amplitude de notícias pode conduzir à desinformação e infelizmente à especulação.
De forma a combater esta desinformação, muitas instituições e órgãos de governo apoiam-se em imagens - diagramas e gráficos - que traduzam visualmente os dados abstratos de que tanto se fala em ocasiões como esta. Estas representações gráficas permitem criar conexões entre dados, facilitando a sua compreensão.
Uma das áreas do conhecimento que desenvolve este tipo de sistemas é o Design de Informação. Design enquanto disciplina que assenta na cultura do projeto e Informação enquanto essência da comunicação, sendo que comunicar é troca e partilha de informação entre interlocutores.
A Informação está na base do Conhecimento, sendo que esta é gerada a partir da atribuição de significado a dados que, por si só, não contribuem para uma informação clara e objetiva. O Design entra aqui, como interface, para esta tradução de dados abstratos em sistemas visuais, que se transformam em Informação e, posteriormente, geram Conhecimento. O Design surge como agente que codifica e estrutura grandes quantidades de dados antes desorganizados, em informação estruturada passível de ser interpretada por uma audiência social e culturalmente vinculada.
No passado dia 4 de março, a Organização Mundial de Saúde declarou o surto de COVID-19 como “pandemia”. Este surto que teve início na província de Wuhan na China, espalhou-se praticamente a todo o mundo, e o foco encontra-se atualmente na Europa.
Muitas pandemias já assolaram a humanidade ao longo da história (como se pode observar pelo gráfico do lado esquerdo), no entanto, nunca a sociedade contemporânea se tinha confrontado com um inimigo invisível.
Coronavirus COVID-19 Global Cases, Center for Systems Science and Engineering (CSSE) at the Johns Hopkins Coronavirus Resource Center, 2020
Hoje em dia, existe algo que transforma a perceção desta pandemia pela sociedade: os media tradicionais, a Internet e as redes sociais. Existe um acesso mais facilitado a dados desestruturados ou a informação falsa. No entanto, existe também inúmeros projetos que utilizam o meio digital como forma de difusão de informação fidedigna e precisa. Como o exemplo infra, que tem sido uma das principais fontes para acompanhar a evolução desta pandemia.
Pedro Duarte de Almeida é professor de Design de Informação na Faculdade de Belas-Artes na Universidade de Lisboa e pertence ao corpo docente da Pós-Graduação em Visualização de Informação, uma parceria entre a Faculdade de Belas-Artes da Universidade de Lisboa, a Escola de Sociologia e Políticas Públicas e a Escola de Tecnologias e Arquitetura, do ISCTE.
Procuramos com esta entrevista, recolher conhecimento de uma área que grande parte das vezes passa despercebida ao olhar mais distraído. Queremos entender como se comunica algo tão dramático como aquilo que estamos a viver, mas ainda assim de forma apelativa e fidedigna, sabendo que o objetivo deverá ser sempre informar, tentando fazê-lo com impacto positivo na vida das pessoas.
Nunca antes existiram tantos recursos digitais que mostrassem, em tempo real, dados sobre uma epidemia que assola o mundo. Hoje em dia, já não contactamos apenas com as pessoas mais próximas, mas podemos acompanhar a evolução do contágio a uma escala global. Como é que esta quantidade de recursos pode vir a alterar a perceção que se tem de uma pandemia? Mais informação equivale a mais conhecimento?
Pedro de Almeida: A facilidade de acesso e o volume de informação a que hoje acedemos tem inevitavelmente influência sobre o modo como observamos e compreendemos este ou qualquer outro fenómeno. A perceção e o entendimento que fazemos da realidade são formados a partir da informação a que acedemos. Todavia, importa compreender que a informação é, digamos, a ‘matéria-prima’ do conhecimento. Ou seja, aquilo que consideramos conhecer é o resultado do processamento percetivo e do labor cognitivo que constantemente fazemos a partir da informação que vamos obtendo sob diversas formas e em diferentes meios – imagens, texto, som, etc. Como tal, mais informação potencia mais conhecimento. Mas também pode ter um efeito perverso. O excesso de informação pode conduzir-nos ao que Richard Saul Wurman, um dos pioneiros do design de informação, definiu como ansiedade informativa. Wurman definiu esta ‘patologia’ no final da década de 1980 reconhecendo o impacto que a produção exponencial de dados decorrentes da revolução digital iria ter na formação do conhecimento no futuro. Hoje, esta ansiedade manifesta-se quando as nossas expectativas de conhecimento esbarram na incapacidade de lidar com a quantidade ‘esmagadora’ de informação que temos disponível sobre qualquer tema.
Neste sentido, ter acesso a esta vastidão de informação sobre a pandemia do Covid-19 contribui para que, em princípio, possamos ter um maior e melhor conhecimento deste fenómeno. Mas isso implica que, por um lado, a informação que usamos seja rigorosa e fidedigna e, por outro, que tenhamos os meios e o tempo necessários para a digerir e dela extrair o melhor conhecimento.
Muitas vezes, a informação que se pretende transmitir é trágica ou catastrófica. Como é que se pode comunicar informação mais dramática, quando muitos ainda associam design a imagens apelativas/positivas? A abstração dos dados a nível visual, pode retirar a carga emocional do que se está a transmitir?
Pedro de Almeida: Começo por desconstruir uma certa ideia de ‘design’ decorrente da questão colocada. Durante muito tempo, o designer foi entendido como um profissional, mais ou menos excêntrico, cuja missão essencial era gerar apelo estético sobre os objetos que desenhava, fossem estes um candeeiro ou um cartaz. Quero acreditar que essa ideia está hoje ultrapassada e que uma grande parte do público compreende o papel essencial que os designers têm no desenho das coisas e da relação que estabelecemos com elas – para tal, basta olhar à nossa volta e constatar que vivemos rodeados de objetos artificiais que tiveram necessariamente de ser concebidos, desenhados e produzidos por alguém. Gui Bonsiepe, designer alemão que tem uma ampla obra teórica publicada, propõe uma definição de design muito simples, mas simultaneamente bastante abrangente, que partilho sempre com os meus alunos: o design como interface entre utilizador, instrumento e uso adequado. Este triângulo situa o design no domínio de uma ‘performance funcional’, que integra necessariamente uma dimensão estética, mas que enquadra quer o desenho do candeeiro, quer o desenho do cartaz que referia. Ou seja, também pode ser aplicado ao desenho da informação. E aqui chego ao cerne da questão. Sim, a abstração dos dados pode gerar um efeito de ‘desumanização’ do desenho da informação. Neste contexto específico, em que a informação tem de fluir em grande velocidade e quantidade, penso que isso é uma inevitabilidade. Isto é, quando olhamos para os múltiplos mapas e gráficos que nos apresentam valores de vítimas desta pandemia podemos momentaneamente desconsiderar que cada número que ali está corresponde a alguém que está infetado ou perdeu a vida. Mas, no imediato, isso é o preço a pagar para termos ao nosso dispor instrumentos de análise e comunicação visual que revelam a realidade mais ampla dos números e permitem aos profissionais tomar decisões informadas com a rapidez necessária. Todavia, julgo que dentro de algum tempo começarão a surgir trabalhos de visualização de dados sobre este tema que irão explorar a trágica dimensão humana deste fenómeno.
Todos os dias, a Direção-Geral de Saúde lança um Boletim Epidemiológico que resume a evolução do número de contágios em Portugal, nas últimas 24 horas. Em conjunto com o Ministério da Saúde, implementaram uma estratégia de comunicação na qual estes dados são transmitidos apenas uma vez por dia, durante o período da manhã. Este Boletim tem uma imagem marcante e já facilmente reconhecida por todos. Enquanto profissional desta área, qual a sua opinião sobre a estratégia e meios adotados?
Pedro de Almeida: Num contexto de crise global como este, julgo que a comunicação das autoridades públicas tem de ser transparente, regular e frequente e a informação deve ser muito clara, concisa e rigorosa. Isto torna-se especialmente importante num cenário em que as redes sociais se tornaram um território ideal para a desinformação… De um modo geral, a estratégia adotada de comunicar diariamente com o público através de boletins informativos sintéticos parece ser ajustada e os meios de comunicação usados também revelam um certo cuidado com a clareza visual e inclusão informativa que julgo ser assinalável. A simplicidade gráfica e a presença constante de um tradutor de língua gestual nas conferências de imprensa são exemplos significativos desta abordagem. Todavia há um aspeto que penso que deveria ser reconsiderado e que se relaciona com a disponibilização pública dos dados científicos. Sendo salvaguardada a privacidade, penso que a liberalização destes dados poderia suscitar projetos exploratórios que poderiam dar um contributo positivo. Refiro-me concretamente à possibilidade de lançar questões sobre os dados através de métodos de visualização que possibilitem descobrir padrões e tendências, identificar relações, etc. Por exemplo, neste momento pergunta-se porque é que a taxa de letalidade é tão baixa na Alemanha face aos restantes países. Uma exploração aprofundada dos dados poderá dar resposta a estas perguntas e dar pistas para que outros países possam adequar as suas estratégias. Quero acreditar que a nível ‘central’ esse trabalho está a ser feito, mas seria benéfico promover contributos mais alargados neste domínio.
Desde cedo na formação de um designer que se aprende a importância da escolha dos elementos visuais mais simbólicos, mas ao mesmo tempo representativos, do que se pretende transmitir. A uma escala global, o desafio é diferente. A informação que se transmite atinge todo o globo e, ao mesmo tempo, diversas sociedades e culturas com perceções diferentes da cor e da forma. Qual é a importância da escolha destes elementos visuais na comunicação da evolução de uma pandemia?
Pedro de Almeida: Num cenário em que a informação tem de fluir a uma escala global é essencial procurar elementos simbólicos que sejam amplamente reconhecíveis. Contudo, é necessário ter em conta as conotações específicas que estes ganham em contextos culturais específicos e que podem ser problemáticos. Julgo que o recurso à pictografia é muito aconselhável neste cenário porque estes elementos possibilitam, dentro de certos limites, superar barreiras linguísticas e culturais e comunicar mensagens básicas de modo muito eficaz mesmo a públicos com níveis de literacia mais baixos. Otto Neurath, que idealizou e implementou o sistema de pictogramas Isotype na década de 1930, antecipava esta mesma potencialidade quando sugeria que “as palavras dividem, as figuras unem”! Um outro recurso fundamental a explorar neste contexto é a comunicação audiovisual e a animação.
Muitas organizações e instituições apoiam-se em ilustrações e gráficos para transmitir de forma inequívoca novos dados, acerca do surto de COVID-19. A Organização Mundial de Saúde incentiva à lavagem das mãos, o Serviço Nacional de Saúde investe ativamente nas redes sociais e o mesmo acontece na Direção-Geral de Saúde. Em todos estes casos, pode-se observar imagens visualmente apelativas, cuja produção e edição saiu das mãos de um designer. Isto pode vir abalar de alguma forma o paradigma da disciplina do design, como intermediário para a transmissão de informação? Como podem os designers auxiliar os profissionais e as autoridades de saúde a comunicar informação muitas vezes complexa?
Pedro de Almeida: Esta pandemia vem revelar, de forma inequívoca, a necessidade de uma maior e melhor colaboração entre os designers, as autoridades e os profissionais de saúde pública. Um surto como este, mas também temas como a prevenção ou o rastreio de certas doenças ou a promoção de hábitos de vida mais saudáveis constituem terreno fértil para que esta articulação se possa estabelecer e aprofundar. Enquadrados em equipas multidisciplinares, os designers de informação podem dar um contributo muito importante, num plano mais geral (diria mesmo, político!), quanto à orientação estratégica da comunicação e, num plano mais específico, na organização estrutural da informação e na escolha dos métodos de representação mais ajustados para comunicar as mensagens que são necessárias. Isto é especialmente relevante no âmbito da saúde, em que a eficiência e eficácia da comunicação pode ser uma questão de vida ou morte, como se está a verificar neste momento.
Tudo aquilo que temos vivido, com comunicações atrás de comunicações, gráficos, slogans e marketing adaptado às novas estratégias para chegar ao outro, mudou a sua própria perspetiva de ensino?
Pedro de Almeida: Os professores, pela especificidade da sua tarefa (e, de modo geral, todos nós) temos de estar conscientes que operamos numa economia da atenção. Ou seja, o nosso discurso, a informação que procuramos partilhar com os estudantes com a finalidade essencial de incrementar os seus níveis de conhecimento e as suas competências críticas, está em competição com uma multiplicidade de outros estímulos e solicitações informativas a que todos estamos constantemente sujeitos. Para quem ensina, isso implica um grande esforço de adequação dos conteúdos, por exemplo aproximando-os de contextos temáticos que sejam facilmente reconhecíveis (por exemplo, nas últimas semanas todas as aulas de Visualização de Informação envolvem a análise de um ou vários casos ligados à pandemia). Obriga igualmente a uma exploração de estratégias e táticas pedagógicas que mobilizem os alunos para um processo de aprendizagem que seja envolvente e participado, no qual eles não são meros recetores de informação mas sim agentes participativos num processo de comunicação. Obviamente é um desafio complexo mas também muito compensador quando, passado algum tempo, se observa o crescimento intelectual e o percurso profissional de alguns dos nossos alunos.
N.B: Esta entrevista foi realizada por email.
Catarina Monteiro
Equipa Editorial