O primeiro embate real dentro da Faculdade de Medicina que me iria mostrar que começávamos a entrar em arena perigosa foi o cancelamento do 11th AIMS Meeting Students. Tínhamos sido chamados de urgência e falava-se numa eventual hipótese de teletrabalho, pelo menos em casos concretos. Dos concretos passaram a casos maioritários. Da leveza com que andámos a colar cartazes de higienização das mãos, Hospital fora, tendo apenas as mãos protegidas, rapidamente passámos a ter medo de entrar numa casa que assumimos como a nossa primeira, muitas vezes. Seguiram-se notícias de mais cancelamentos importantes das atividades dos estudantes e algumas reivindicações iniciais que nos chegaram através das redes sociais. Nova reunião de emergência agora já com responsáveis de todos os anos mostravam-me que se calhar havia algo mais sério… A aparente calma do Diretor que sensibilizava ao corte de quase tudo e a explicação do Presidente do Concelho Pedagógico que acabara de implementar, com toda a sua equipa, aulas à distância, mostravam ainda mais alguma evidência que ainda assim se quer negar, como fazemos quando vamos perder alguém. Insistia-se então mais um pouco para ver qual o limite de podermos manter-nos na Faculdade. “Pelo menos só até amanhã para acabarmos uns pagamentos?”, perguntava-se. “Não. Nós estamos diante de uma pandemia gravíssima que mata!”. Diante daquele aviso claro e sem meias palavras percebi que íamos todos para casa. Mas percebi também que as consequências desse gesto coletivo traria efeitos que, muitos deles, ainda nem começámos a sentir.
E os estudantes? Perguntava eu em silêncio enquanto pensava em pessoas em particular. E os que estão lá fora será que têm de regressar? E aqueles que deveriam ir para Erasmus, já não vão? E os que contactaram com uma ala hospitalar onde se encontrava um doente infetado, como estarão eles? E quem não tem família cá, o que será deles sozinhos? E todas estas equipas que tinham tudo organizado para eventos, viagens, projetos de um ano? O que vai acontecer aos estudantes do 6º ano que deveriam estar a terminar os estágios hospitalares e a ter paz para a Prova Nacional de Seriação?
Com eles todos eu quis falar, não sendo possível, alguns deles ajudaram-me a entender e a sentir pelo que têm passado e que dúvidas e emoções os assolam.
Pequena amostra de um todo, certo, mas amostra generosa que se expôs prontamente, sem entraves, barreiras ou pudores.
Rapazes, raparigas, de vários anos, com diferentes responsabilidades, uns vivem longe, outros de quarentena obrigatória, uns com avós frágeis, outros com percursos interrompidos. Todos com uma perspetiva aguerrida que este é o caminho e que sairão mais sábios, especialmente no que lhes toca ao lado humano.
O que sentem os nossos estudantes diante desta pandemia? Foi o que lhes pedi para me dizerem. Nas suas próprias palavras.
A todos, o meu muito obrigada.
Estamos todos juntos!
Guilherme Vilhais - 5º ano MIM– Coordenador Geral 11th AIMS Meeting
“Às vezes, a viagem importa mesmo quase tanto como o destino”
O semestre tinha acabado de começar e havia muito a discutir. Pontos de situação a fazer, detalhes a ultimar e uma série de últimas grandes decisões a tomar. Tínhamos voltado a focar a 100% depois dos Exames e das Optativas. Marcámos uma Reunião Geral, com toda a Comissão Organizadora, simbolicamente no dia em que faltava precisamente um mês para o 11th AIMS Meeting. Discutimos o que tínhamos a discutir, decidimos o que tínhamos a decidir e, no fim da reunião, decidi partilhar uma preocupação que me tinha surgido nos últimos dias: “Acham que esta situação do Coronavírus nos pode afetar de alguma forma?” – perguntei com a ingenuidade de quem não fazia a mínima ideia do que estava para vir.
Passaram-se dias. Estávamos em contagem decrescente. Mas a situação ia escalando. O vírus tinha-se instalado na Europa e as preocupações começaram, pouco a pouco, a fazer parte do nosso dia a dia. Mas o plano era continuar. Antever cenários e tentar arranjar soluções. Teríamos que nos adaptar, se assim nos fosse exigido. Começámos, preventivamente, a procurar aconselhamento, a informar-nos.
E depois chegou o dia em que tudo mudou efetivamente. O vírus tinha chegado a Portugal, sem nos esclarecer quanto às eventuais consequências da sua chegada. Acho que a partir desse momento foi tudo muito rápido. Enquanto alguns continuavam a preparar tudo como se nada fosse, desdobrámo-nos em pedidos de aconselhamento. Começavam também a chegar os primeiros emails e chamadas. Participantes, parceiros, oradores e patrocinadores questionavam se, à luz dos novos desenvolvimentos, tudo se manteria como previsto e a nós restava-nos responder que estávamos a acompanhar a situação. Seguiram-se as primeiras recomendações institucionais e as mesmas eram claras: deveria ser evitada a realização de reuniões científicas ou outras que, pelo envolvimento de intervenientes internacionais ou pela elevada acumulação de participantes pudessem constituir risco de focos de transmissão. A situação parecia ser mais séria do que tínhamos antevisto inicialmente. Esta não era apenas mais uma gripe e as horas que se seguiram foram de inquietação, mas sobretudo de incerteza. Lutámos, como sempre fizemos, pelo Projeto que construímos durante meses das nossas vidas, mas da maneira mais consciente que podíamos ter feito: aconselhando-nos junto a quem de direito. E chegou, por fim, o momento em que a decisão mais difícil que alguma vez tivemos que tomar se tornava incontornável: o 11th AIMS Meeting seria cancelado.
Escrevendo hoje, à luz do que vivemos nos últimos dias no nosso país, torna-se impossível não colocar toda esta situação em perspetiva. Claro que mexeu diretamente com as nossas expetativas pessoais e enquanto equipa, mas não podia ter sido de outra forma. Seguiu-se um período difícil de desconstrução de algo que custou, efetivamente, muito a construir, deixando a sensação de que todo o potencial gerado ficou por concretizar. Mas no meio da mágoa e da desilusão, sobressai a satisfação de termos ficado do lado certo da batalha, de termos sido aliados no combate a este vírus que nos está a fazer a todos viver situações inéditas. Às vezes, a viagem importa mesmo quase tanto como o destino e, apesar de muitos momentos que imaginámos ficarem adiados para um amanhã que não saberemos quando chegará, ficam as memórias, as aprendizagens e as amizades. É também nos momentos mais difíceis que recebemos as mais reconfortantes e inesquecíveis manifestações de apoio, pelo que não posso deixar de agradecer a todos os que, além de nos terem ajudado a construir esta edição, nos fizeram chegar as palavras que, não acabando com a tristeza, nos relembraram porque é que cada hora investida valeu a pena. Aos participantes, deixo a garantia de que o AIMS voltará, certamente, para se concretizar em todo o seu potencial e com a irreverência, profissionalismo e relevância a que nos habituou.
Por fim, não posso deixar de expressar o maior dos meus agradecimentos às 23 pessoas incríveis com quem tive a oportunidade de partilhar esta viagem em que tanto me ensinaram e fizeram crescer e ao Departamento de Gestão e Tesouraria da AEFML por termos estado sempre do mesmo lado, como membros de uma mesma equipa. E que equipa.
Rafael Terceiro – 3º ano MIM e cadete da Escola Naval
“A Marinha ensina-nos que, no mar, independentemente de sermos marinheiros, sargentos ou oficiais, estamos todos no mesmo barco”
Esta pandemia mudou por completo a minha vida enquanto estudante de Medicina e cadete da Escola Naval. Como estudante de Medicina estou habituado ao contacto com os professores, colegas e funcionários, algo que considero como uma mais valia, porque aprendemos todos os dias com as experiências dos outros e contactamos com pessoas que nos ajudam a ultrapassar as adversidades do dia-dia. Uma grande fonte de aprendizagem que temos são as aulas práticas em que estamos em contacto com um professor que, além de nos ensinar a parte teórica, também partilha experiências da profissão, algo que com apenas as aulas teóricas a que agora temos acesso não acontece.
Como cadete da Escola Naval faz parte do nosso dia a dia o contacto com os nossos camaradas, visto que dormimos em camaratas, realizamos as nossas refeições em conjunto na messe e apanhamos o mesmo transporte, todos os dias da semana.
Esta ausência adiciona-se à ausência do contacto com as pessoas que nos cozinham o prato do jantar, que nos transportam diariamente para a universidade e que fazem um enorme esforço para que tenhamos um “sabor a casa”. Estes contactos diários são algo que nenhuma plataforma online consegue substituir e que representam um grande pedaço da nossa vida.
Acho que esta crise tem impacto na vida das pessoas em mais aspetos do que imaginávamos. Espero que com esta situação, todos possamos realçar e valorizar as coisas que tomamos por garantidas. São poucas as coisas que podemos considerar garantidas na vida e esta crise veio salientar que em poucos dias tudo pode mudar. Estamos perante uma guerra, porém, esta não se luta com armas de fogo, mas sim com cidadãos competentes, com profissionais de saúde, que trabalham incansavelmente, e com toda a gente que se esforça para que, no final do dia, possamos estar com a nossa família a jantar. Queria ainda realçar o papel das Forças Armadas nesta luta demonstrando, através do apoio às Autoridades Civis e ao SNS, que, além do papel crucial na defesa do território português, também está presente nas situações de emergência, designadamente na área da saúde. Sobre este apoio gostaria de citar as ideias-chave da mensagem que o Almirante Chefe de Estado-Maior da Armada e Autoridade Marítima Nacional endereçou a todos os militares relativamente a esta missão: “Devemos estar coesos, calmos, prontos e solidários” e “A Marinha e a AMN continuam a apoiar na máxima extensão possível das suas capacidades e competências o esforço nacional de combate à crise pandémica”.
Um dos maiores impedimentos, como já referi, é a ausência do contacto com as pessoas e isso leva-nos a dar mais valor à sua presença. Todos nos ajudam a evoluir como pessoas e estudantes porque existe uma partilha de conhecimentos que só é possível através da convivência presencial. O “bom dia” que dizemos ao condutor, às funcionárias da cantina, aos funcionários da biblioteca, à família, amigos e camaradas faz parte de uma rotina que criamos e que se torna essencial para nos motivar durante o dia. Esta ausência de rituais muda por completo a motivação, rigor e organização a que nos habituamos durante o semestre. É, por isso, essencial manter horários de sono regulares e hábitos criados durante o semestre para que nos mantenhamos focados nos nossos objetivos.
Acho que um dos sentimentos mais presente no pensamento dos portugueses é o medo. Medo do desconhecido. Medo de não terem controlo da situação. Medo de estarem dependentes de outras pessoas. Na nossa vida militar este sentimento não é algo que não esteja presente, mas sim algo com que aprendemos a lidar. Aprendemos a lidar, porque sabemos que temos sempre alguém para nos dar a mão quando precisarmos. Este sentimento de entreajuda, presente em qualquer militar, é algo que deve estar presente em todo o povo português porque permite-nos controlar o medo e sentir uma segurança que nos ajuda a ultrapassar os desafios desta crise.
Nos primeiros dias de entrada na Escola Naval ensinam-nos algo que nunca nos esquecemos ao longo do nosso curso: ninguém “faz” a Escola Naval sozinho. O povo português (todos nós) está neste momento a aprender esta máxima: ninguém ultrapassa esta pandemia sozinho. É nestas alturas que precisamos de nos apoiar e ajudar mutuamente, de modo a que todos possamos estar a afirmar daqui a uns tempos que fizemos tudo ao nosso alcance neste tempo de incerteza. Infelizmente, esta máxima não está sempre presente. O mundo instiga-nos a sobreviver através do egoísmo e do individualismo (a nossa pessoa é que importa) e é nestas alturas que percebemos que este instinto tem de ser ultrapassado e substituído pela ideia de que estamos nisto todos juntos e dependemos de todos. A Marinha ensina-nos que, no mar, independentemente de sermos marinheiros, sargentos ou oficiais, estamos todos no mesmo barco e fazemos parte de uma guarnição que só unida tem o poder de, enfrentando as tempestades, o levar a porto seguro.
Joana Correia – 4º ano MIM, estava em Itália em Erasmus
“Não controlamos o que nos acontece, mas controlamos a forma como reagimos”
Dia 18 de fevereiro parti com uma amiga, a Carlota, rumo a Roma, para fazer Erasmus, e por lá deveria ter ficado até meados de julho. Entretanto a Europa conheceu o Covid-19 e hoje sou mais uma aluna que assiste às aulas online da FMUL.
As aulas ainda não tinham começado e andávamos por Nápoles a passear, quando recebemos um email do gabinete de Erasmus da FMUL onde se aconselhava os alunos que estavam nas regiões do Norte de Itália a regressar a Portugal. Na altura, ficámos com a sensação de que aquela recomendação era um exagero. Em Roma, via-se muito pouca gente com máscaras, tudo parecia normal: museus e praças cheias de turistas. Íamos acompanhando as notícias pelo telemóvel e percebemos que em Portugal se pintava um cenário mais grave daquele que podíamos ver e viver. Dia 5 de março são encerradas todas as faculdades de Itália por um período de 10 dias. Estava combinado, entre a Carlota e eu, que no dia em que fossemos aconselhadas pela FMUL a regressar, regressaríamos sem hesitar. E esse dia chegou.
Na altura, não era o perigo do contágio do Covi-19 que nos assustava. O que nos preocupava verdadeiramente era a possibilidade de ficarmos com o semestre por fazer. Isto porque ainda não tínhamos consciência (ninguém tinha na altura) do que estava para vir, da gravidade deste vírus.
Não havia ainda a consciência de que era nosso dever ficar em casa para conter a propagação. Começámos a visitar tudo o que ainda não tínhamos visto: igrejas, museus, parques, etc. Sentíamo-nos bem. Privilegiadas por poder passear naquela cidade. Contudo, o cenário foi-se alterando com o avançar dos dias. As ruas começaram a ficar vazias.
Tomada a decisão do regresso a Portugal, comprámos bilhetes de avião para o dia 11 de março. Dia 9, segunda-feira, fomos completamente surpreendidas pelo anúncio da quarentena geral em Itália. Com medo de ficarmos retidas adiantamos o voo para o dia seguinte.
No aeroporto tive medo que nos medissem a temperatura e, de repente, ficássemos presas em Itália por ter febre, que cancelassem os voos, que não desse para regressar. Tudo estava a mudar muito rápido! Tudo era possível! Só queria chegar a casa o mais rapidamente possível.
Tivemos a sorte de voltar mesmo no limite. Um dia depois e já não teríamos voo direto para Portugal.
O cancelamento do Erasmus trouxe-nos muitas perguntas. Teremos direito a ficar com bolsa? A verdade é que tivemos gastos superiores ao seu valor e não voltámos por vontade própria, mas por motivos de força maior. Será que a senhoria irá devolver o depósito? Investi 1 ano em cursos de italiano para nada? Será que vai ser possível fazer Erasmus no próximo ano?
A rapidez dos acontecimentos levou a que, evidentemente, ninguém nos soubesse responder em condições a todas estas questões. À medida que o tempo vai passando, temos obtido mais algumas informações. A verdade é que senti bastante apoio por parte da faculdade para tentar minimizar as inevitáveis consequências. Garantiram sempre que nos integrariam numa turma se decidíssemos voltar, e que fariam tudo para que não perdêssemos o semestre.
O instinto é sentirmo-nos tristes, revoltados, injustiçados. Mas basta olhar à volta e ver situações realmente complicadas para pôr tudo em perspetiva. É ligar a televisão e ver as notícias. É saber o que se passa em Itália, por exemplo. É ver pessoas a morrer, famílias sem se poderem despedir em condições. Eu não tive a experiência que podia ter tido e que com certeza tanto me iria enriquecer, mas, feitas as contas, que sorte tenho eu! Perdi tão pouco…!
O que se sente nestas situações depende muito da personalidade de cada um. Quanto a mim, apesar do impacto negativo do Covid-19 na minha vida (não vou viver 5 meses em Roma como tanto queria; não vou viajar por Itália inteira; gastei bastante dinheiro que não vai ser possível reaver), tentei ser sempre positiva. Agora, mais do que pensar no que perdi, quero fazer a minha parte para a resolução desta pandemia que tantas vidas está (verdadeiramente!) a afetar.
Um dia disseram-me uma frase que se aplica muito bem a esta situação: “Não controlamos o que nos acontece, mas controlamos a forma como reagimos”.
José Pedro Charréu - 4º ano MIM – Atleta de Alta Competição de Esgrima e possível Erasmus em Paris
“Entrei em quarentena no dia 10 de Março por risco de ter contactado com um doente infetado”.
Neste princípio de ano, o mundo despertou para uma ameaça ímpar de saúde pública. Uma ameaça que, durante as últimas semanas, parou sociedades e colocou a
humanidade em introspeção. Apesar das estimativas e previsões, a verdade é que somos incapazes de antever o impacto que esta pandemia terá no nosso futuro e essa incerteza é, sem dúvida, desconcertante.
Tal como o Francisco Alexandrino, entrei em quarentena no dia 10 de Março por risco de ter contactado com um doente infetado no serviço de Medicina IB.
Imediatamente, tive de cancelar a minha inscrição numa competição em Espanha e suspendi os meus treinos de esgrima no clube. De resto, este tem sido um período particularmente difícil para todos os desportistas. Por um lado, há o risco de se comprometer o trabalho desenvolvido desde o início da época e, por outro, surgem dúvidas quanto ao futuro calendário desportivo, estagnado entretanto em virtude das circunstâncias.
Confinado ao meu lar e habituado a uma agenda preenchida, fui impelido pela quarentena a redesenhar o meu dia-a-dia. Num canto do quarto, improviso uma rotina
desportiva para manter alguma atividade física, recupero leituras que há muito me propunha fazer, invisto no Francês não obstante a consciência de que o Erasmus no próximo ano se encontra ameaçado e o resto do tempo divido-o entre as aulas da faculdade no Zoom e o tempo passado com a família. Dir-se-á que em períodos de calamidade se exigem grandes sacrifícios à população. Ora, não sendo eu adepto da inatividade, encaro esta permanência em casa como um sofrimento insignificante, amplamente justificado pela sua importância coletiva. “Como serão feitos os exames?”, “poderei fazer Erasmus no próximo ano?”, “Quando serão as próximas competições?”. São tudo questões pertinentes e inevitáveis, todavia, secundárias, por isso, decido adiá-las enquanto aguardo impacientemente a resolução da situação.
Como estudantes de medicina, pensamos frequentemente em alcançar um objetivo
e raramente no que significa atingi-lo. Nestes tempos, em que acompanhamos o trabalho da comunidade médica diariamente, devemos refletir sobre o seu papel e importância na sociedade, aproveitando essa reflexão para retemperar o nosso gosto pela medicina e, sobretudo, para avaliar o que ela nos perspetiva para o futuro.
Mariana Quilhó Pereira – 4º ano MIM, possível Erasmus em Munique
“A FMUL conseguiu com sucesso contornar a problemática das aulas, com videoconferências, para mim um motivo de orgulho por fazer parte desta instituição”
Enfrentamos atualmente um período inigualável a outro já presenciado por mim, até à data. A Humanidade já ultrapassou outras ameaças à saúde, mas nenhuma obrigou às medidas agora estipuladas.
O dia-a-dia da maioria dos portugueses sofreu uma reviravolta súbita. Eu, enquanto estudante de medicina, habituada a uma rotina de azáfama constante, desde a faculdade até outras atividades extracurriculares como a orquestra, o curso de alemão, o ginásio, fui obrigada a cair num abismo. Esta nova ameaça obrigou a uma mudança drástica no decorrer natural das nossas vidas, à qual tivemos de nos adaptar, pelo bem de todos.
Devo referir que a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa conseguiu com sucesso contornar esta problemática e manter o decorrer natural das aulas, na forma de videoconferências. Demonstrou uma organização excecional e rápida adaptação face à pandemia atual. Sem dúvida um sinal de excelência, e para mim um motivo de orgulho por fazer parte desta instituição.
Um período instável como este faz-nos pensar que somos todos iguais e que todos estamos suscetíveis e vulneráveis à doença. Coloca-nos numa posição insegura, de incerteza constante pelo nosso futuro próximo. Obriga-nos a distanciar de quem nos é mais querido. Torna-se uma assombração à Humanidade. No entanto, nem tudo o que enfrentamos tem desvantagens. As nossas rotinas são normalmente vividas de forma tão intensa, preenchida, e repleta de afazeres que por vezes nos impedem de parar para interpretar o que está à nossa volta. É principalmente nestes momentos que temos a humildade de poder parar por um momento e pensar no que realmente nos faz feliz, na nossa sorte em podermos ter um leque vasto de oportunidades que nos permitem evoluir a cada dia que passa. Numa altura em que a nossa melhor contribuição é ficar em casa, valorizamos o papel notório dos profissionais de saúde, o que me faz refletir acerca do meu futuro. Espero um dia, como médica, poder dizer que contribuí de forma positiva para melhorar o estado de saúde de uma população em risco, e que pude fazer algo para ajudar.
Em breve, tudo vai passar.
Isabel Ponte – 5º ano do MIM, Elemento do Sarau Cultural
“Na luta entre o racional e o emocional, este último ganha por muito e fez-me voltar para o meu cantinho açoriano”
Estamos a viver tempos atípicos. Tempos em que desejamos voltar à rotina de que tanto nos queixávamos, na ignorância de que a mesma iria fazer falta. Tempos em que nos refugiamos nos dispositivos eletrónicos não por gosto, mas por obrigação. Tempos em que tememos o mundo à nossa volta, pela incerteza da realidade que vivemos e das proporções que esta pandemia pode tomar.
Para muitos de nós são tempos tristes. Vários estudantes veem o seu futuro comprometido, ainda que a Faculdade mova todos os esforços para que tenhamos uma luz ao fundo do túnel. Vários regressaram a casa na dúvida de quando iria ser possível voltar a ver a sua família e ter o conforto do seu lar. No meu caso, na luta entre o racional e o emocional, este último ganha por muito e fez-me voltar para o meu cantinho açoriano (com os devidos cuidados, claro), embora esteja confinada às paredes do meu quarto e o contacto com a minha família seja o mínimo e indispensável, na tentativa de não os colocar em risco.
Vários estudantes viram também os seus projetos suspensos ou cancelados. Projetos aos quais se dedicaram de corpo e alma durante todo o ano, que exigiram sacrifícios e cujo resultado final poderá não ser aquele que davam por certo. O Sarau Cultural foi um dos projetos em que me envolvi e que, lamentavelmente, também se encontra “indefinidamente adiado”. Somos assombrados por uma sensação de impotência, mas são decisões que nos ultrapassam completamente.
Contudo, se por um lado são tempos de incerteza, por outro são tempos que me fizeram perceber que temos tempo. Contrastando com o nosso dia-a-dia tão apressado, onde tudo seria “para ontem”, agora temos tempo. Tempo para desfrutar em família, mesmo que seja a 1 metro de distância, para arrumar o quarto (sem desculpas), para ler, para descobrir mil e uma coisas que há para fazer em casa e, ainda, tirar proveito disso. Mesmo não sendo da forma que estávamos habituados, temos tempo para falar com os nossos amigos e com família que está longe, que muitas vezes caem no esquecimento da loucura que era a nossa rotina... Nunca a nossa união foi tão grande. Nem tudo podia ser mau.
Francisco Alexandrino – 4º do MIM, elemento da coordenação científica do 11th AIMS Meeting
“É pelos meus avós e por todas as pessoas mais frágeis que fico em casa, todos o deviam fazer para proteger os seus”
Quando o governo chinês colocou a cidade de Wuhan em quarentena, a 23 de janeiro, nunca pensei que passados dois meses seria eu a estar fechado em casa a escrever este relato. Penso que nem eu, nem muito provavelmente mais ninguém.
Em mim predomina um grande sentimento de impotência, também provavelmente porque já estou em quarentena há mais tempo do que a maioria das pessoas. O primeiro caso de COVID-19 no Hospital Santa Maria foi o de um doente internado no serviço de Medicina onde tinha aulas com o meu amigo José Pedro, assim, no dia 10 de março, fiquei em casa e nunca mais saí.
AIMS cancelado, aulas da faculdade canceladas, treinos da equipa de futsal também cancelados, eventos desportivos e culturais foram na mesma direção. Para além da impotência face a este problema de saúde pública, dei por mim como um “reformado”. Voltei a ler livros e artigos, a ver filmes clássicos e a jogar computador, ou seja, passei a dedicar-me a coisas que sempre gostei de fazer, mas que, por vezes, tiveram de ser deixadas para segundo plano, em virtude dos compromissos que fiz ao longo da minha vida académica. Nesta perspetiva, nem tudo foi mau.
À distância vou falando com os meus avós. Já com mais idade, mas muito ativos e teimosos. O meu avô insistia em continuar a dar consultas e a minha avó continuava a sair com frequência. Após grande insistência minha, dos meus pais e tio, eles lá aceitaram moderar a sua vida social que, diga-se de passagem, foi bem mais ativa do que a minha nas últimas duas semanas. É pelos meus avós e por todas as pessoas mais frágeis que fico em casa, todos o deviam fazer para proteger os seus. Nunca salvar vidas foi tão fácil, basta ficar em casa, algo que, independentemente da sua formação, todos podem fazer.
Um aparente pequeno surto, com origem na China, passou por dezenas de países até chegar ao estado de pandemia e se encontrar no nosso país, Portugal. Este pequeno vírus fez a direção oposta àquela que Jorge Álvares fez em 1513 até à China, tornando-se no primeiro europeu a chegar às terras do Império do Meio. Apesar do novo coronavírus ter demorado apenas 65 dias a chegar a Portugal, bem menos do que os vários anos que o nosso outrora “Herói do Mar” demorou a fazer o percurso inverso, não nos podemos deixar ceder ao medo, pois uma “nação valente” como a nossa combate-o com ciência, factos e esperança.
Ricardo Boavida – 1ª ano do MIM, representante da Comissão de Curso do 1º ano
“Foi necessário aparecer um inimigo poderoso e invisível, para que voltássemos a parar para pensar acerca da fragilidade da condição humana”
Desde sempre, na corrida infernal que comanda as nossas vidas, agimos como que robotizados, sem olhar verdadeiramente para os outros, levados pelos inúmeros afazeres diários, e, sem pensar duas vezes, tomamos tudo por garantido. Seguimos a rotina criteriosamente, regemos a nossa vida com base em ideais e prioridades pré-estabelecidas, e parece que tudo funciona perfeitamente. Até que, no início deste ano, silencioso e alimentado por sensacionalismo jornalístico, surge um inimigo que aos poucos vai danificando a harmonia da vida que levamos e que põe em causa tudo o que vivemos até agora. Pensando bem, foi necessário aparecer um inimigo poderoso e invisível, para que voltássemos a parar para pensar acerca da fragilidade da condição humana e para que os instintos mais primitivos do Homem se revelassem. Medo. Irresponsabilidade. Desespero. Todos estes motivam, por exemplo, o açambarcamento de supermercados e farmácias, como temos visto. Com esta pandemia, tivemos que alterar as nossas prioridades, e passar a questionar tudo aquilo que sempre se havia revelado certo.
Na realidade, é inegável a influência de tudo isto para um recém-chegado ao mundo académico, que todos os dias tencionava escrever histórias para relembrar para toda a vida junto dos colegas, dos amigos, dos professores e da família. Ficar em casa todo o dia, assistir a aulas pelo computador, e não poder estar com muitos daqueles que mais gostamos, é complicado, é aborrecido, mas é necessário.
Fazemos isto para que, no futuro, quem sabe, possamos contar todas essas histórias que vamos escrevendo aos nossos filhos ou até mesmo aos nossos netos. Tudo isto parece ainda muito irreal, muito assustadoramente ameaçador. Sem qualquer dúvida, a COVID-19 irá marcar, para sempre, a forma como pensamos e agimos, fazendo-nos pensar, acima de tudo, acerca da incrível efemeridade da vida. Mas não duvido, no entanto, que tal como todas as difíceis guerras que travamos e vencemos, esta será mais uma que, daqui a uns meses, poderemos dar por terminada e vencida.
Catarina Domingues – 2º ano LCN
“Tenta simular-se a proximidade que antes se sentia verdadeiramente pelo toque, abraço e gargalhadas, mas é apenas uma tentativa”.
Estamos perante um cenário de Guerra. As ruas estão vazias, paira solidão e angústia, e ao invés de se ouvirem disparos, ouvem-se a cada minuto as notícias de última hora, os relatos nas redes sociais e as homenagens feitas à janela, na esperança que dias melhores cheguem. Os combatentes, lutam dia e noite, com suor e lágrimas em busca da vida e da saúde e com todas as armas que têm ao seu alcance, mesmo que haja falta delas.
Para muitos, tal como eu, é como se o mundo tivesse parado e, agora, confinados à sua casa, o sentimento é de medo do que ainda está por vir, desânimo porque a liberdade é escassa, tédio pelo tempo que custa a passar e, principalmente saudades da rotina, dos dias cheios, da faculdade, dos amigos e da vida.
Este isolamento social fez-me valorizar aquilo que eu própria critiquei várias vezes. O acordar cedo e, fazer aquela corrida matinal para não perder o autocarro; chegar e suspirar de alegria por ver o imponente Hospital de Santa Maria por vezes ainda iluminado; Almoçar em convívio; Aprender coisas novas; Trabalhar em equipa e já quase de noite regressar novamente a casa; cumprimentar a família que por mim espera para jantar e dormir, sabendo que no dia seguinte tudo se repetirá. Mas agora tudo é diferente. Cada dia parece igual, todos os contactos são à distância, aulas, reuniões e conversas. Tenta simular-se a proximidade que antes se sentia verdadeiramente pelo toque, abraço e gargalhadas, mas é apenas uma tentativa.
Daqui para a frente, a humanidade, o nosso país e o mundo, leva 2 grandes lições, a valorização pelo que temos e a gratidão e reconhecimento que a saúde e todos os que para ela contribuem merecem, médicos, enfermeiros, farmacêuticos, cientistas e muitos outros que dedicam o seu tempo e vida a salvar e curar outras vidas.
João Torres – 6º ano MIM, ano de estágio hospitalar
“Se antes já víamos de perto médicos especialistas e internos desdobrarem-se para acorrer a todas as situações, então agora nem imagino os desafios que enfrentam. É lá que somos úteis, não em casa. E é difícil conter este ímpeto.”
Até aqui, os meus dias passavam-se entre idas ao Hospital Garcia de Orta, onde estou a estagiar, estudo para a PNA, Trabalho Final de Mestrado e, sempre que podia, pequenos momentos de lazer.
Neste momento, encontro-me em casa com os meus pais e a minha irmã. E cá tenho estado. A minha namorada também, com a sua família. E os meus amigos a mesma coisa. Com eles, só falo por chamada. Da Faculdade, vou sabendo por e-mail. Do Hospital, vou recebendo pequenas notícias da minha equipa por whatsapp.
Apesar de sabermos que a nossa presença em casa é a medida mais acertada, a sensação que temos é de que é na enfermaria que somos necessários. Agora mais que tudo. Se antes já víamos de perto médicos especialistas e internos desdobrarem-se para acorrer a todas as situações, então agora nem imagino os desafios que enfrentam. É lá que somos úteis, não em casa. E é difícil conter este ímpeto.
No início do surto, sentia um certo dever moral em me ir atualizando, para informar da melhor forma aqueles que me rodeiam e evitar a difusão de pressupostos errados e perigosos. Com o crescimento da epidemia, sobretudo no caso italiano, comecei a aperceber-me das consequências que esta poderia ter. Profissionais a trabalhar para lá do limite das suas capacidades, a decidir entre a vida e a morte, sem armas que lhes permitam fazer mais do que isso.
Imaginar isso a acontecer à nossa frente é arrepiante e faz-nos duvidar daquilo que considerávamos como certo. Assim, esta preocupação pela epidemia que antes era uma obrigação moral torna-se cada vez mais um fardo gerador de ansiedade. Uma ansiedade difícil de gerir. Não podemos sair de casa. Não podemos ir ajudar. Em todos os canais, sites e redes sociais só se fala da Covid-19 e, sempre que mergulharmos demais no assunto, voltamos ainda mais preocupados.
É neste limbo que passamos os nossos dias - entre cuidar dos nossos, mantendo-nos em casa, vigilantes, e esperar que sejamos chamados para ajudar, como aconteceu noutros países. Pelo meio, vamos ocupando o tempo a assistir a aulas por videoconferência, a estudar e a trabalhar na tese. À espera que o tempo passe, à espera que nos chamem.
Eddy Martins – 2º ano MIM, Enfermeiro em Cuidados de Saúde Primários e Meios Complementares de Diagnóstico | Telemedicina
“O CoVid-19 e o CoVid-dizer”
Temos vivido tempos alucinantes marcados pelo medo, pela angústia e pela incerteza. Estes sentimentos trouxeram-nos a essência de valorizar quem amamos e a ponderação profunda daquilo que fomos, somos e seremos.
Nunca na história do mundo contemporâneo nos fora pedido tamanha sorte: sermos soldados de uma guerra sem precedentes que a todos diz respeito. E somos todos chamados: não há tempo nem espaço para raça ou cor da pele, nem para idealismos ou qualquer tipo de desculpa para a intolerância. Sermos Homens de guerra tem sido, entre a espada e a parede, um desafio: um apelo à união sem estarmos juntos, um apelo à irmandade sem darmos as mãos e um apelo à solidariedade longe de palcos que aquecem egos em vez da verdade.
Caiu por terra o capítulo do supérfluo e virámos a página para pensar nas coisas que verdadeiramente importam. Travámos a fundo e a pressa desapareceu. Esta é uma excelente oportunidade para SER, não para TER, longe dos olhares de reprovação, da boca que julga e dos ouvidos que deturpam.
Ser estudante de medicina ganhou um significado mais profundo: a pele suada e as mãos marcadas pelo trabalho; a vontade que tantos temos de saltar da cadeira e ir para a frente de batalha. Ganha sentido o estar aqui.
É com enorme apreço que faço parte de um ano cujo acolhimento a licenciados ganhou a dimensão merecida: cruzamento de experiências e oportunidade de aprendizagem. Ter espaço, numa faculdade em que todos sonham, é ser grato por cada oportunidade.
Todos nós, brigada do reumático como carinhosamente somos conhecidos, nos temos colocado ao serviço. Farmacêuticos, biólogos, enfermeiros e tantos outros: uns a fazer exames laboratoriais que comprovam o crescimento da pandemia; outros em laboratórios a buscar respostas para o combate a esta batalha; outros em hospitais a ver as marcas de um inimigo invisível; e outros ainda a disponibilizar os bens essenciais para a sobrevivência.
Dói, e não pouco, sair de casa sem saber a que horas se regressa ou sequer se se regressa. Dói ainda mais termos de que nos recriar, termos de improvisar, quando o material necessário não existe. Recriamo-nos no meio da exaustão e choramos porque sentimos, porque somos humanos quando trabalhamos em condições desumanas. Trata-se de um cenário de guerra onde o inimigo não é apenas o famoso e destrutivo vírus, mas também a desinformação que conduz ao pânico. E o pânico traduz impotência.
O tempo escasseia e a empatia fica, infelizmente, para segundo plano. Não temos tempo, e às vezes paciência, para bombardeamento de perguntas infundadas que nos entopem os serviços virtuais ou presenciais: “O meu marido chegou do trabalho e deu-me um beijo: estarei infetada?”; “Sinto-me quente, acho que é febre, mas não tenho termómetro!”. O medo conduz ao egoísmo: os mesmos que esvaziam stocks de medicamentos ou material essencial para profissionais de saúde.
Mas em cada amanhecer fica a esperança de um novo dia, de um dia melhor… do dia em que nos voltaremos a ver face a face, olho no olho.
Ganhou sendo dúvida a humanidade por tão grande provação que agora nos distancia para que o abraço ganhe um novo e verdadeiro significado.
Obrigado FMUL por esta oportunidade.
Oureana Ferreira - 1º ano LCN
"Com os meus pais e irmão a morar no estrangeiro (Genebra), comecei a sentir-me perdida. O pedido do governo e da faculdade foi explícito: “ Fiquem em Casa! “
No decorrer do dia 09/03 recebi uma mensagem de uma amiga a perguntar se iria ter aulas, após ver nas notícias que as faculdades de medicina do país iriam fechar.
Estando em aula pensei : “ as notícias estão sempre a exagerar”. Porém, após ler um mail a pedir que todos os alunos da FMUL ficassem em casa até dia 27/03, fiquei estupefacta. Não estava à espera de uma medida tão “drástica”, mas necessária.
Com tanta informação mediática e novidades da faculdade não tive muito tempo para processar e ordenar as ideias.
Ao acumular trabalhos de grupo (via videochamada) , aulas (videochamada) , andar muito menos (pois ficava em casa como pedido) … comecei a sentir-me “sufocada”. Apesar de falar ao telefone com os meus familiares e de ter a companhia do meu namorado às refeições, comecei a sentir-me “só”. De facto, com os meus pais e irmão a morar no estrangeiro (Genebra), comecei a sentir-me perdida. O pedido do governo e da faculdade foi explícito: “ Fiquem em Casa! “
Mas onde é a minha casa? Será que deveria ficar em Lisboa? Será que a minha casa é numa casa sozinha? Ou será que me sinto em casa, em casa alheia?
Foi inicialmente muito difícil para mim adaptar-me à situação de “quarentena” por não saber para onde ir, e, principalmente, não saber por quanto tempo eu iria estar nessa situação de isolamento.
Os meus pais só me diziam que eu haveria logo de apanhar um avião e de ir ter com eles. Após muita hesitação decidi não ir. Eles iriam regressar a Portugal para passarmos a Páscoa juntos, e eu iria aguentar até lá para os ver. Além disso, não ficaria tranquila com a possibilidade de infetar alguém ou de ser infetada.
Porém, essa ideia não me saía da cabeça : “será que fiz bem em não ir? ».
O momento em que mais fiquei desorientada foi após uma professora dizer que haveria a possibilidade de esta situação de isolamento se prolongar muito além da Páscoa. Mais ou menos no mesmo dia, o anúncio do fecho das fronteiras terrestre entre Espanha e Portugal foi decretado, assim como a limitação de voos para dentro e fora da UE. Na minha cabeça só pensava : “Vou ou não ter com a minha família?”, “E se ficar contaminada?” ,“ Sinto-me sozinha” , “ será que devo ser racional ou emocional?” .
Decidi pôr de parte o dilema e apanhar um voo para CASA.
Desde que cheguei, sinto-me melhor. Parece que grande parte da pressão que eu sentia desapareceu. Sinto-me reconfortada por estar em casa, com os meus pais e irmão.
Para não enlouquecer tento, dentro dos possíveis, fazer atividades além das aulas e do estudo. Realizo finalmente algumas receitas que já tenho guardadas há meses, vou caminhar e correr com o meu irmão aqui na aldeia, janto com os meus pais, treino em casa, faço voluntariado…
Por um lado, penso que é uma situação difícil por nos sentirmos rapidamente sós, não poder sociabilizar e sentir que não temos a nossa liberdade habitual. Por outro, vejo estes dias/semanas como uma oportunidade das famílias se aproximarem (mesmo com as tensões normais existentes numa casa), é também uma oportunidade para descansar um bocado mais, ler um livro, pensar na vida…
Penso que nestas situações aprendemos a dar ainda mais valor a coisas que considerávamos “mínimas“ : por exemplo, ser bom acordar de manhã para ir para a faculdade, nem que seja só para nos cruzarmos com pessoas e vermos os nossos amigos. Damos, por exemplo, valor ao facto de ter uma família, de poder escolher no nosso dia a dia de ir passear, jantar fora, ir ao ginásio, ou de ficar em casa a ver séries.
Apesar das circunstâncias atuais que todos vivemos, espero que os alunos arranjem atividades, coisas para fazer para descontrair e desfrutar do tempo em casa, já que, no meio disto tudo, só nos resta ver o pequeno lado positivo, e lavar as mãos.
