Em Abril mantivemo-nos focados na melhor informação. Estivemos atentos à mudança e inovação que surgiram a cada dia. Mesmo à distância, abrimos as portas da nossa Faculdade através de esclarecedoras FMUL Talks, onde compreendemos, ao pormenor, vários aspetos da pandemia de Covid-19. Espreitamos, também, os bastidores do Hospital de campanha da Universidade de Lisboa e demos espaço às reflexões e opiniões de insignes personalidades da nossa Faculdade, que mostraram diferentes e, por vezes, desconcertantes perspectivas. Falámos de máscaras e unimos esforços na luta pela sua implementação obrigatória para reforço das medidas de contenção da pandemia. Insistimos e persistimos na evidência científica sobre uma barreira protetora usada por todos, de forma a travar a disseminação do vírus.
O Professor Francisco Antunes partilhou a sua visão e conhecimento sobre a Covid-19 e o Professor Joaquim Ferreira analisou os efeitos neurológicos causados pelo novo coronavírus. Por seu turno, o Professor Rui Tato Marinho aludiu às repercussões da pandemia no cancro do cólon e à relação da doença com o aparelho digestivo, enquanto a Professora Cristina Bárbara Caetano conduziu-nos à realidade dos doentes respiratórios em Portugal.
Neste mês debruçamo-nos, ainda, sobre a curva da pandemia e o “pico” da infeção em “Tempo de rigor científico”, numa responsável chamada de atenção para o possível descuido na prevenção aquando das primeiras notícias com dados animadores.
Atentamos no novo coronavírus e acompanhamos os resultados dos mais recentes estudos e ensaios clínicos em curso; acompanhamos o trabalho de investigação para os testes serológicos já iniciados no Hospital de Santa Maria e vimos, ainda, surgir o Biobanco: um banco biológico de amostras de doentes infetados com covid-19.
Partilhamos um manual de instruções sobre máscaras caseiras e aligeiramos os dias dos nossos estudantes com desafios que estreitam laços.
E se há laços que se estreitam, há outros que são quebrados por força de circunstâncias que não controlamos. Em Abril vimos partir uma figura notável da Ciência e da nossa Faculdade. Maria de Sousa perdeu a batalha contra a covid-19. Cientista ilustre e prodigiosa aluna da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, Professora e autora de diversas publicações, Maria de Sousa formou-se em 1963 e tornou-se uma referência mundial na área da Imunologia.
A pandemia despojou o génio da Professora que ensinou os melhores cientistas portugueses, para sempre recordada pelo brilhantismo e humanidade incomparáveis por todos aqueles que com ela se cruzaram. Assim foi Maria de Sousa, uma das primeiras mulheres portuguesas reconhecidas internacionalmente pelas suas descobertas científicas, tendo-se destacado na área da imunologia, em particular no estudo do funcionamento dos linfócitos.
Mas a Ciência não era paixão única na vida de Maria de Sousa. A escrita ocupou sempre um lugar especial na sua vida e foi através da escrita, mais propriamente em verso, que deixou uma última mensagem. Escreveu o último poema em inglês, como era usual quando empenhava a caneta, no dia 3 de abril. Nas suas palavras, vemos a evidência do estado de saúde débil. O desfalecimento. E com a energia e vigor de outros tempos a escapar-lhe por entre os dedos, Maria de Sousa traduziu a fragilidade do momento na soberba Carta de amor numa pandemia vírica.
"Carta de amor numa pandemia vírica
Gaitas-de-fole tocadas na Escócia
Tenores cantam das varandas em Itália
Os mortos não os ouvirão
E os vivos querem chorar os seus mortos em silêncio
Quem pretendem animar?
As crianças?
Mas as crianças também estão a morrer
Na minha circunstância
Posso morrer
Perguntando-me se vos irei ver de novo
Mas antes de morrer
Quero que saibam
O quanto gosto de vós
O quanto me preocupo convosco
O quanto recordo os momentos partilhados e
queridos
Momentos então
Eternidades agora
Poesia
Riso
O sol-pôr
no mar
A pena que a gaivota levou à nossa mesa
Pequeno-almoço
Botões de punho de oiro
A magnólia
O hospital
Meias pijamas e outras coisas acauteladas
Tudo momentos então
Eternidades agora
Porque posso morrer e vós tereis de viver
Na vossa vida a esperança da minha duração"
Maria de Sousa
3 de abril de 2020
O poema foi divulgado numa tradução do médico e poeta João Luís Barreto Guimarães pela editora Quetzal.
Maria de Sousa desapareceu, mas o seu legado e essência far-se-ão história na eternidade.
Sofia Tavares
Equipa Editorial
