Num artigo exclusivo escrito para a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, este é a mais recente sequência de reflexões do Professor Francisco Antunes.
COVID-19 teve início, no mercado Huanan Seafood Wholesale Market, em Wuhan, há cerca de 4 meses, quando em 12 de Dezembro de 2019, as autoridades de saúde iniciaram a investigação de uma série de casos de pneumonia vírica em doentes que tinham estado neste mercado, onde são vendidos animais selvagens, mantidos em cativeiro.
Em 31 de Dezembro, as autoridades chinesas deram conhecimento à OMS de uma doença prevenível e controlável e no dia seguinte encerravam o mercado. Em 7 de Janeiro, anunciavam a identificação de um novo coronavírus, mais tarde designado de SARS-CoV-2, cuja sequência genética permitiu a produção de um teste específico de diagnóstico, o teste de PCR. A partir de 13 de Janeiro, a infecção por SARS-CoV-2 começou a propagar-se para fora da China, em particular para outros países asiáticos, onde, nos aeroportos, foi introduzido o rastreio obrigatório, para os passageiros oriundos daquele País. Quando em 30 de Janeiro, a OMS declarou o coronavírus uma emergência global, já se havia espalhado por toda a China e para outras regiões da Ásia, Austrália, Europa e Estados Unidos da América. No entretanto, na China, onde, no final de Janeiro, se tinha imposto a quarentena obrigatória, na cidade de Wuhan, para 10 milhões de pessoas e, logo a seguir, a restrição de circulação em mais cidades da província de Hubei, para cerca de 60 milhões de pessoas, a partir de 2 de Fevereiro, o número de casos começou a descer de uma forma sustentada. Este foi o sinal, de que a quarentena agressiva era a única forma de travar a epidemia, o que não foi compreendido pelos países europeus, que perderam um tempo precioso antes de seguirem o exemplo chinês.
À data de 6 de Abril de 2020, a pandemia tinha-se expandido por todos os continentes, excepto a Antártica, com um total de 1.210.956 casos e 67.594 mortes.
Sendo uma doença nova, não existe vacina, nem terapêutica específica, pelo que o tratamento dos doentes com COVID-19 se resume à medicação sintomática e, para as situações mais graves, de pneumonia hipoxemiante, a ventilação pulmonar mecânica.
A resposta à COVID-19 assenta em quatro pilares principais: a) Identificação dos contactos com os casos da COVID-19; b) proibição de viajar e de deslocações desnecessárias; c) distanciamento social; d) testes de diagnóstico.
AS MÁSCARAS
No que se refere à protecção individual, para a população em geral, duas medidas são incontroversas, a lavagem das mãos e o distanciamento social que são, com facilidade, entendidas e aplicáveis, no dia-a-dia, dado que SARS-CoV-2 se transmite por contacto directo, pelas gotículas de saliva contaminadas (emitidas, principalmente, pela tosse e pelo espirro) que, pelas suas dimensões não vão além da distância de 1 metro, depositando-se, pela gravidade, em superfícies e objectos, onde pode sobreviver durante dias e que, através das mãos contaminadas, podem ser levadas, posteriormente, aos olhos, nariz e boca. As máscaras cirúrgicas têm por finalidade proteger quem as usa e proteger os outros, em contacto de proximidade, devendo ser utilizadas por todos os profissionais da saúde, em ambiente de prestação de cuidados sanitários (hospitais, centros de saúde e de prestação de cuidados continuados e, ainda, em lares de idosos) e de transporte de doente. Para além destes devem ser utilizadas por aqueles que tenham doenças crónicas de risco para evolução grave da COVID-19, por aqueles infectados por SARS-CoV-2 ou suspeitos, independentemente, do seu estado clínico, isto é assintomáticos ou sintomáticos e pelos seus cuidadores. Estas são as condições em que a utilização de máscaras é mandatória, estando, no entanto, também recomendadas, para a população em geral, em caso de aglomerações, em que o contacto próximo pode ser inevitável, em ambientes fechados, como é o exemplo dos supermercados. Como as máscaras não são um objecto decorativo, devem ser usadas, obedecendo a regras que devem ser cumpridas com rigor: a) Colocar, cuidadosamente, cobrindo o nariz e a boca; b) ajustar ao dorso do nariz, à face e por baixo do queixo; c) evitar tocar com as mãos na máscara; d) ao retirar a máscara deve ter as mãos lavadas; e) substituir quando estiver húmida. Antes de utilizar a máscara, para aprendizagem de como colocar e retirar faça uma prova ao espelho.
Se tocar na máscara, lave, de imediato, as mãos, dado que a superfície exterior pode ter sido contaminada. A utilização generalizada de máscara sem cumprimento destas regras é inútil e pode ser, mesmo, prejudicial. O uso de máscaras é insuficiente para o
adequado nível de protecção, devendo ser respeitado o distanciamento físico e a lavagem frequente das mãos.
OS TESTES
A identificação rápida dos infectados e o seu isolamento são essenciais para cortar o elo da cadeia da transmissão de SARS-CoV-2. Os sintomas e os achados radiológicos de COVID-19 não são específicos, dado que podem simular outras infecções respiratórias, como a gripe, e o achado radiológico de “pneumonia atípica” não é da exclusiva responsabilidade deste coronavírus. O diagnóstico deverá ser confirmado por um teste molecular, como é a PCR. Em ambulatório, a colheita de material da árvore respiratória superior, é processada por zaragatoa da nasofaringe e/ou da orofaringe. Em doentes internados, inclui material colhido da expectoração e/ou de aspirado endotraqueal ou do lavado broncoalveolar para os casos de doença respiratória mais grave (com o risco da formação de aerossóis, devendo ser, por isso, garantidos os procedimentos de prevenção e controlo). Quer aqueles com infecções assintomáticas, quer os sintomáticos, são transmissores do vírus e a PCR é, em regra, positiva. São várias as razões para que os resultados dos testes possam ser negativos, tais como erros laboratoriais, na colheita ou no transporte ou, ainda mais importante, a quantidade insuficiente do material vírico. Nos casos negativos, mas com características radiológicas de COVID-19, a repetição dos testes acaba por confirmar o diagnóstico, dado que a carga vírica na nasofaringe e/ou orofaringe vai aumentando, à medida que o tempo passa. A carga vírica nos assintomáticos e nos sintomáticos é, na prática, idêntica, pelo que a capacidade de transmissão é, também, igual. De relevante é afirmar que as cargas víricas nas amostras da expectoração atingem o máximo 5-6 dias, após o início dos sintomas, ou, ainda, no começo dos sintomas, o que se pode relacionar com a propagação rápida desta epidemia.
Os infectados produzem, em geral, anticorpos específicos, de importância para avaliar a seroprevalência, a exposição prévia e para a identificação de dadores para a preparação de soros de convalescentes com potencial valor terapêutico e, ainda, para rastrear trabalhadores da saúde, por forma a identificar aqueles, verdadeiramente, imunes. A cinética dos anticorpos para SARS-CoV-2 parece ser similar à da SARS-CoV (o agente da SARS em 2002-2003), não sendo detectados nos primeiros 7 dias da doença, mas com aumento substancial das IgG a partir do 15º dia, atingindo o pico aos 60 dias, passando a declinar, gradualmente, a partir dos 6 meses até aos 2 anos. A IgM anti-SARS-CoV é detectada a partir do 5º dia e atinge, rapidamente, o pico e é indetectável a partir dos 6 meses.
Para além dos estudos de seroprevalência, a resposta humoral a SARS-CoV-2 pode ser, também, útil no diagnóstico de casos subclínicos. Num estudo de anticorpos IgA, IgM e IgG anti-SARS-CoV, utilizando um método ELISA, a IgA e a IgM começou a detectar-se a partir do 5º dia e a IgG a partir do 14º dia, após o início dos sintomas, com taxas de positividade de 85,4%, 92,7% e 77,9%, respectivamente. A eficiência de detecção por IgM ELISA foi maior do que para a PCR, após 5,5 dias do início dos sintomas.
Não se dispõe, de momento, de nenhum teste serológico validado, sendo os testes ELISA aqueles que podem garantir melhor eficiência, em comparação com os testes rápidos (point of care) já comercializados, por serem menos sensíveis e específicos e serem, apenas, qualitativos.
ANTIVÍRICOS
Não há evidência científica para a recomendação de qualquer terapêutica específica para a COVID-19, devendo estes doentes serem incluídos em estudos clínicos randomizados e controlados. Não há nenhum fármaco que tenha aprovação específica para COVID-19.
Não se dispõe de dados com validade clínica para qualquer dos grupos com algum potencial terapêutico: a) Inibidores da síntese de ARN (por exemplo, remdesivir, lopinavir ou favipiravir; b) inibidores da entrada (por exemplo, hidroxicloroquina e cloroquina ou unifenovir-arbidol); c) imunomodeladores, como por exemplo, corticóides, anticorpos monoclonais ou imunização passiva (com plasma de convalescentes com título elevado de anticorpos).
Estes fármacos têm sido experimentados para oferecer o melhor tratamento numa determinada altura, particularmente naqueles 5-10% com doença grave, potencialmente fatal. Alguns destes medicamentos já haviam sido testados em outras infeções víricas, em particular na SARS e na MERS, outros revelaram-se promissores no modelo animal ou em estudos in vitro, alguns deles com benefícios clínicos e outros cujos resultados são muito especulativos.
Para se conhecer o verdadeiro benefício estão a decorrer, a nível mundial, cerca de 500 ensaios clínicos, a maioria, ainda, em fase de recrutamento.
Dado que a pandemia não permite o desenvolvimento de novos antivíricos específicos, dado que o tempo urge, o recurso tem sido testar, como prioridade, aqueles que demonstraram alguns benefícios para outras indicações.
Na Europa, incluindo Portugal, algumas recomendações têm vindo a apresentar estratégias de terapêutica específica quer com o objectivo de controlar a replicação vírica, quer com efeitos imunomodeladores, para reduzir a actividade citoquímica pró-inflamatória associada à doença pulmonar.
Todas as recomendações excluem a sua utilização em casos ligeiros ou moderados (os factores de risco são > 65 anos e/ou disfunção de ordem grave – pulmão, coração, rim –, diabetes, doença cardiovascular, doença pulmonar crónica obstrutiva ou hipertensão). A indicação da terapêutica específica é avaliada caso a caso, para aqueles doentes com factores de risco e, em particular, no caso de doença grave ou crítica.
Pode vir a admitir-se, como já tem acontecido, que não tenha qualquer benefício, como, também, possa ser prejudicial para os doentes. A automedicação com alguns destes medicamentos como a cloroquina e a azitromicina, para além dos riscos de toxicidade, já demonstrada para a hidroxicloroquina (toxicidade neurológica e cardíaca, com taxas de mortalidade de 1,8% a 2,5%) e para a azitromicina, de toxicidade hepática, que pode ser fatal.
Por outro lado, para a azitromicina que tem sido utilizada, em combinação com a cloroquina ou com a hidroxicloroquina, o fundamento para o seu uso não é claro, admitindo-se que possa ter utilidade no tratamento das infecções bacterianas, que ocorrem naqueles doentes graves ou críticos.
Para além dos riscos de toxicidade associados a este dois fármacos, já demonstrados em doentes com COVID-19, que evoluíram com complicações hepáticas ou cardíacas, a corrida à cloroquina ou à azitromicina, pode tornar difícil a sua utilização para aqueles que deles, verdadeiramente, necessitam, por se terem esgotado no mercado.
Francisco Antunes
Professor Catedrático Jubilado que foi Diretor do Serviço de Doenças Infecciosas do CHULN-HSM e Diretor da Clínica Universitária de Doenças Infecciosas da FMUL durante 20 anos