Espaço Ciência
Psicologia e Endocrinologia
Este artigo resulta da reflexão conjunta das três psicólogas Maria João Brito, Paula Câmara e eu própria. Mais do que um texto científico, pretendemos partilhar a nossa experiência da prática clínica diária.
Qual é o desafio para um psicólogo que trabalhe em saúde, em contexto hospitalar, num serviço de endocrinologia? Cada uma destas variáveis, coloca, por si só, um desafio próprio. Comecemos pelo fim: A Endocrinologia.
Por definição é a especialidade que se dedica ao estudo das glândulas de secreção interna (endócrinas) e das hormonas. Todo este funcionamento regula a homeostase, o equilíbrio, Endocrinologia do grego éndon (dentro).Como, se elabora, se “pensa” na mente, o que é orgânico, biológico, e se remete, transformado, para a vivência do corpo. Como é que se vive um corpo que falta ou falha e se mantém a auto-estima, o projecto de vida, o desejo, o sonho, na busca constante da homeostase, do equilíbrio, dinâmico que é a vida?
Stresse e reprodução, fome e saciedade, comportamento, sexualidade, imagem corporal, fenotipo, doença crónica, cirurgia, o encontro do corpo e da mente, do real e do vivido. É este o desafio da psicologia na endocrinologia.
A estrutura da consulta: Andrologia, Endocrinologia Geral e Obesidade.
Na impossibilidade de citar todos os casos escolhemos um de cada consulta.
Na consulta de Andrologia temos pedidos relacionados com Disfunção Sexual Eréctil e Ejaculação Precoce. É interessante observar como a população que nos procura vai variando ao longo do tempo. Constituída sobretudo por homens heterossexuais com mais de 45 anos e queixas com vários anos, por vezes mais de 5 anos, modifica-se, hoje, para uma população com orientação sexual, crenças religiosas, etnias e/ou nacionalidades diversas. A angústia vivida sente-se mal entram a porta, mas a forma como a apresentam, em especial a forma como a teremos de abordar, diverge. O ser bio-psico-social é uma verdade, não apenas um constructo. E na dimensão da sexualidade esta dinâmica é evidente.
A questão cultural e religiosa é de grande sensibilidade. Existem assuntos e praticas que são tabu.
E outras coisas mudaram. Cada vez mais, o casal aparece na consulta. As mulheres assumem um papel activo na procura de ajuda. Ultrapassada a resistência inicial, e se o relacionamento do casal for cúmplice e saudável, são uma enorme fonte de apoio e suporte para o companheiro.
Na Endocrinologia Geral acompanhamos casos de Diabetes Mellitus , Doença de Graves, Sindrome de Klinefelter, Adrenoleucodisrofia (ADL) vg Sindrome de Turner. Neste síndrome está implicada uma alteração numérica dos cromossomas e o cariótipo na maioria das crianças é 45,X, ou seja, está implicada a perda de um cromossoma X ou Y que ocorre durante a divisão celular. Existem outras formas mais complexas, mais raras. A expressão clínica é variável, mas genericamente a baixa estatura, imaturidade do desenvolvimento sexual , em crianças do sexo feminino.
A infertilidade afecta quase 95% das mulheres com o cariótipo 45,X e 75% das mosaico (45,X/46,XX). Apesar da infertilidade afectar a grande maioria destas mulheres, estas podem recorrer a métodos alternativos de concepção.
Muito ao encontro da literatura a nossa prática evidencia que embora estas jovens ( são sobretudo jovens que atendemos) se considerem felizes , referem ansiedade, dificuldades de interacção social e de relacionamento amoroso, baixa auto-estima, insatisfação com aparência física (em particular com a baixa estatura) e sofrimento com a questão da esterilidade e /ou dificuldades de concepção. Há um sobreinvestimento no trabalho e no estudo assim como na família de origem.
O nosso trabalho centra-se, pois, na imagem corporal, identidade, feminilidade. Com frequência começamos pelas questões da autonomia, quer com as jovens quer com a família, pois a baixa estatura e a ansiedade nas interacções sociais têm o efeito potenciador de levarem as jovens a inibirem o seu comportamento junto dos seus pares e aos pais a tratarem as jovens adultas como crianças.
Em comum a todas estas pessoas portadoras destes síndromes existe o peso do diagnóstico na sua vida. Todo este acompanhamento não pode esquecer o elevado efeito que estas doenças têm nos pais. Existe o “factor genético”. A culpabilidade associada é, mesmo que não expressa, sentida.
Haverá casos específicos, em que chamar os pais para participar é fundamental (ADL). Sentir que a sua presença e comportamento são parte integrante do sucesso do tratamento, reforça as competências da família e pode diminuir a depressão tantas vezes associada.
Outros em que a autonomia deve ser promovida (ST).
Com os doentes e famílias é importante estarmos presentes, abordando temas referentes ao momento do diagnóstico, compreensão da doença, impacto na vida actual e expectativas de futuro.
A consulta de Obesidade Grave está cada vez mais vocacionada para os candidatos a cirurgia bariátrica. Cabe ao psicólogo ir fazendo a ponte entre a obesidade sintoma, o corpo e o percurso que levou àquela obesidade, obesidade grave, de muitos quilos, de muitos anos, de uma história de vida que não será removida cirurgicamente. Sabemos que, por vezes, esta pode ser uma postura incómoda, até para a equipa. Mas esta centração na realidade e projecção no futuro pode fazer a diferença entre o sucesso momentâneo e uma mudança interna sustentada.
O prolongamento do apoio psicológico pode justificar-se. São pessoas com uma doença crónica, cuja necessidade de acompanhamento se poderá manter anos após a cirurgia Esta questão coloca-se mesmo quando a consulta de cirurgia ou medicina já não parece necessária ou tão frequente.
A avaliação psicológica dos candidatos, não no sentido da exclusão, mas da intervenção terapêutica, o pós-operatório com acompanhamento frequente e não precocemente interrompido, a equipa multidisciplinar articulada são condições que não poderão ser dispensadas e deverão ser constantemente actualizadas.
Grupos: AFAGO: Associação dos Familiares Amigos e Grupos de Obesos. Reunião mensal, Grupo terapêutico, Aberto, Misto, Doentes da consulta de obesidade (pré ou pós operatório).
ECO: Exercício na Cirurgia da Obesidade, em parceria com a Universidade Lusófona, com o Prof. António Palmeira e Dr.ª Sandra Martins.
A Intervenção em Grupo é terapêutica eficaz, mobiliza diferentes recursos internos, complementa o trabalho psicoterapêutico individual sendo exequível , no Sistema Nacional de Saúde, permitindo abranger um maior número de utentes que a consulta individual.
A equipa: A Dr.ª Maria João Brito: consulta de Obesidade e Endocrinologia Geral, a Dr.ª Paula Câmara: consulta de Andrologia, Obesidade e, eu realizo as consultas: Andrologia e Endocrinologia Geral.
O nosso trabalho é possível e muito gratificante porque é, de facto, feito em equipa multi-disciplinar. Os médicos, nutricionistas e dietistas, enriquecem o nosso saber e são com os enfermeiros, administrativos e auxiliares, do Serviço de Endocrinologia, e da Consulta Externa um apoio constante.
Qual é o desafio para um psicólogo que trabalhe em saúde, em contexto hospitalar, num serviço de endocrinologia? Cada uma destas variáveis, coloca, por si só, um desafio próprio. Comecemos pelo fim: A Endocrinologia.
Por definição é a especialidade que se dedica ao estudo das glândulas de secreção interna (endócrinas) e das hormonas. Todo este funcionamento regula a homeostase, o equilíbrio, Endocrinologia do grego éndon (dentro).Como, se elabora, se “pensa” na mente, o que é orgânico, biológico, e se remete, transformado, para a vivência do corpo. Como é que se vive um corpo que falta ou falha e se mantém a auto-estima, o projecto de vida, o desejo, o sonho, na busca constante da homeostase, do equilíbrio, dinâmico que é a vida?
Stresse e reprodução, fome e saciedade, comportamento, sexualidade, imagem corporal, fenotipo, doença crónica, cirurgia, o encontro do corpo e da mente, do real e do vivido. É este o desafio da psicologia na endocrinologia.
A estrutura da consulta: Andrologia, Endocrinologia Geral e Obesidade.
Na impossibilidade de citar todos os casos escolhemos um de cada consulta.
Na consulta de Andrologia temos pedidos relacionados com Disfunção Sexual Eréctil e Ejaculação Precoce. É interessante observar como a população que nos procura vai variando ao longo do tempo. Constituída sobretudo por homens heterossexuais com mais de 45 anos e queixas com vários anos, por vezes mais de 5 anos, modifica-se, hoje, para uma população com orientação sexual, crenças religiosas, etnias e/ou nacionalidades diversas. A angústia vivida sente-se mal entram a porta, mas a forma como a apresentam, em especial a forma como a teremos de abordar, diverge. O ser bio-psico-social é uma verdade, não apenas um constructo. E na dimensão da sexualidade esta dinâmica é evidente.
A questão cultural e religiosa é de grande sensibilidade. Existem assuntos e praticas que são tabu.
E outras coisas mudaram. Cada vez mais, o casal aparece na consulta. As mulheres assumem um papel activo na procura de ajuda. Ultrapassada a resistência inicial, e se o relacionamento do casal for cúmplice e saudável, são uma enorme fonte de apoio e suporte para o companheiro.
Na Endocrinologia Geral acompanhamos casos de Diabetes Mellitus , Doença de Graves, Sindrome de Klinefelter, Adrenoleucodisrofia (ADL) vg Sindrome de Turner. Neste síndrome está implicada uma alteração numérica dos cromossomas e o cariótipo na maioria das crianças é 45,X, ou seja, está implicada a perda de um cromossoma X ou Y que ocorre durante a divisão celular. Existem outras formas mais complexas, mais raras. A expressão clínica é variável, mas genericamente a baixa estatura, imaturidade do desenvolvimento sexual , em crianças do sexo feminino.
A infertilidade afecta quase 95% das mulheres com o cariótipo 45,X e 75% das mosaico (45,X/46,XX). Apesar da infertilidade afectar a grande maioria destas mulheres, estas podem recorrer a métodos alternativos de concepção.
Muito ao encontro da literatura a nossa prática evidencia que embora estas jovens ( são sobretudo jovens que atendemos) se considerem felizes , referem ansiedade, dificuldades de interacção social e de relacionamento amoroso, baixa auto-estima, insatisfação com aparência física (em particular com a baixa estatura) e sofrimento com a questão da esterilidade e /ou dificuldades de concepção. Há um sobreinvestimento no trabalho e no estudo assim como na família de origem.
O nosso trabalho centra-se, pois, na imagem corporal, identidade, feminilidade. Com frequência começamos pelas questões da autonomia, quer com as jovens quer com a família, pois a baixa estatura e a ansiedade nas interacções sociais têm o efeito potenciador de levarem as jovens a inibirem o seu comportamento junto dos seus pares e aos pais a tratarem as jovens adultas como crianças.
Em comum a todas estas pessoas portadoras destes síndromes existe o peso do diagnóstico na sua vida. Todo este acompanhamento não pode esquecer o elevado efeito que estas doenças têm nos pais. Existe o “factor genético”. A culpabilidade associada é, mesmo que não expressa, sentida.
Haverá casos específicos, em que chamar os pais para participar é fundamental (ADL). Sentir que a sua presença e comportamento são parte integrante do sucesso do tratamento, reforça as competências da família e pode diminuir a depressão tantas vezes associada.
Outros em que a autonomia deve ser promovida (ST).
Com os doentes e famílias é importante estarmos presentes, abordando temas referentes ao momento do diagnóstico, compreensão da doença, impacto na vida actual e expectativas de futuro.
A consulta de Obesidade Grave está cada vez mais vocacionada para os candidatos a cirurgia bariátrica. Cabe ao psicólogo ir fazendo a ponte entre a obesidade sintoma, o corpo e o percurso que levou àquela obesidade, obesidade grave, de muitos quilos, de muitos anos, de uma história de vida que não será removida cirurgicamente. Sabemos que, por vezes, esta pode ser uma postura incómoda, até para a equipa. Mas esta centração na realidade e projecção no futuro pode fazer a diferença entre o sucesso momentâneo e uma mudança interna sustentada.
O prolongamento do apoio psicológico pode justificar-se. São pessoas com uma doença crónica, cuja necessidade de acompanhamento se poderá manter anos após a cirurgia Esta questão coloca-se mesmo quando a consulta de cirurgia ou medicina já não parece necessária ou tão frequente.
A avaliação psicológica dos candidatos, não no sentido da exclusão, mas da intervenção terapêutica, o pós-operatório com acompanhamento frequente e não precocemente interrompido, a equipa multidisciplinar articulada são condições que não poderão ser dispensadas e deverão ser constantemente actualizadas.
Grupos: AFAGO: Associação dos Familiares Amigos e Grupos de Obesos. Reunião mensal, Grupo terapêutico, Aberto, Misto, Doentes da consulta de obesidade (pré ou pós operatório).
ECO: Exercício na Cirurgia da Obesidade, em parceria com a Universidade Lusófona, com o Prof. António Palmeira e Dr.ª Sandra Martins.
A Intervenção em Grupo é terapêutica eficaz, mobiliza diferentes recursos internos, complementa o trabalho psicoterapêutico individual sendo exequível , no Sistema Nacional de Saúde, permitindo abranger um maior número de utentes que a consulta individual.
A equipa: A Dr.ª Maria João Brito: consulta de Obesidade e Endocrinologia Geral, a Dr.ª Paula Câmara: consulta de Andrologia, Obesidade e, eu realizo as consultas: Andrologia e Endocrinologia Geral.
O nosso trabalho é possível e muito gratificante porque é, de facto, feito em equipa multi-disciplinar. Os médicos, nutricionistas e dietistas, enriquecem o nosso saber e são com os enfermeiros, administrativos e auxiliares, do Serviço de Endocrinologia, e da Consulta Externa um apoio constante.
Dra. Maria João Fagundes
mariafagundes@fm.ul.pt