Decorreu no dia 24 de março de 2023, no Grande Auditório João Lobo Antunes, na FMUL a conferência “Gender Mainstreaming in Medicine and Medical Research”, em que vários convidados falam sobre as diferenças entre sexo e género e de que forma esta abordagem condiciona a identificação (ou não) de diferentes doenças e o seu tratamento. O sexo é uma característica biológica e o género, representa a construção social ao longo da vida dessa mesma identidade que pode coincidir ou não com o sexo biológico. A atribuição de um determinado género à nascença influencia a forma como reagimos perante o mundo, porque a sociedade cria diferentes expectativas perante cada género.
Podemos falar em cérebro masculino ou feminino? Ou os cérebros são biologicamente iguais? Há ou não há predisposições para haver mais mulheres com depressão e mais homens identificados com perturbação do espetro do autismo? Gina Rippon, professora emérita da Universidade de Aston (Reino Unido) esclareceu que os cérebros não têm sexo, mas podem ser classificados naquilo que que definiu como sendo os 3 “P´s”. Começando com os Predictive Texters que são capazes de analisar o contexto à sua volta, ignorando o que não interessa. Plastic são um tipo de cérebro capaz de desenvolver determinadas áreas consoante os estímulos, e o terceiro “p” é de Permeable. Este é um cérebro que se vai adaptando às circunstâncias, mas isto acontece tanto no género feminino como no masculino. Portanto se calhar a pergunta “se existem cérebros masculinos e femininos” talvez não seja a mais importante.
Isso é um facto, mas essas predisposições decorrem de outras características que não a morfologia do cérebro. Se analisarmos a radiografia feita a um cérebro nunca seremos capazes de lhe atribuir um sexo ou um género. Assim a questão que devemos colocar não é tanto se há diferenças entre a biologia cerebral ou de outros órgãos, mas antes olharmos para outro tipo de fatores.
Essa atribuição, essas características, decorrem da influência que o mundo tem no individuo, nas escolhas que faz, nos grupos onde se envolve e também da forma como as expectativas que a sociedade detém perante nós são postas em prática.
Estas diferenças devem ser tomadas em conta no contexto clínico, na relação da medicina com as pessoas e na investigação para que as respostas sejam diferenciadas e apropriadas. Ver diferenças onde há diferenças é diferente de procurar a priori encontrar diferenças comportamentais e biológicas entre homens e mulheres. Essa abordagem frequentemente transforma-se num bloqueio e num condicionalismo a que as pessoas obtenham cuidados de saúde adequados.
A responsável pela organização desta esta iniciativa foi a Professora Brígida Riso e, a News FMUL falou com ela sobre as motivações que a levaram a trazer este temática para discussão.
Qual a necessidade de organizar um encontro sobre a temática da identidade de género?
Brígida Riso: A conferência Gender Mainstreaming in Medicine and Medical Research (Tranversalização de Género na Medicina e na Investigação Médica) é um resultado do projeto iSTARS – Informatics and Statistical Tools for the Advancement of Research Success financiado pela União Europeia.
Este projeto que pretende criar uma unidade de excelência em data science e Medicina, deve procurar fazê-lo alinhando-se com as prioridades de ação do Espaço Europeu de Investigação (European Research Area – ERA). As questões de género tem estado na ordem do dia e, neste caso concreto, procurou-se abordar o tema de forma que pudesse ser um debate significativo para a comunidade da FMUL; que pudesse de certa forma contribuir para pensarmos no impacto que a forma como incluímos o género na investigação que fazemos e como esta inclusão pode condicionar a saúde das pessoas.
O objetivo era de chegar as conclusões ou foi mais numa perspetiva de partilha de conhecimentos e de colocar o assunto na agenda?
Brígida Riso: O objetivo desta conferência era de trazer este debate central nos nossos dias para a comunidade FMUL e se possível para o CAML – uma vez que este congrega diferentes áreas de atuação médica: ensino, investigação e prática clínica.
Como foi referido mais do que uma vez ao longo do dia pelas pessoas convidadas, este foi um momento histórico para a FMUL por se ter permitido debater um tema tão sensível, mas tão importante e que habitualmente fica de fora da agenda científica. Também, ao longo do dia foi possível constatar que o aprofundamento destas questões revela que há ensaios clínicos onde não são incluídas mulheres, há homens que são apenas diagnosticados muito tardiamente com determinadas patologias, enquanto determinados sintomas são desvalorizados pelos profissionais de saúde nas mulheres e hipervalorizados nos homens.
É importante mudar rotinas…
Brígida Riso: Estas questões estão completamente integradas nas rotinas dos profissionais de saúde e na perceção que construímos também enquanto investigadores - apenas quando começamos a questionar e a olhar estes aspetos de forma crítica nos apercebemos das múltiplas realidades que se escondem por detrás das estatísticas.
Um balanço deste dia…
Brígida Riso: Conseguir trazer diversas perspetivas para a FMUL dentro desta temática do mainstreaming de género parece-nos que foi bastante positivo e relevante. Todavia será fundamental em próximas ocasiões envolver de forma mais extensiva a comunidade do CAML que ainda assim esteve em minoria na audiência.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial