Nasceu em Constância no Outono de 1951.
Veio para Lisboa com a família, aos 12 anos. Parte da sua instrução primária e o início do liceu, fê-los na zona de Tomar, tendo terminado no Liceu Camões, em Lisboa. Licenciou-se em Medicina pela Faculdade de Medicina de Lisboa, em pleno período de PREC (Processo Revolucionário em Curso). A sua vida profissional decorreu neste Edifício que nos acolhe, e dividiu-se entre o Hospital de Santa Maria, onde foi Diretor do Departamento de Obstetrícia, Ginecologia e Medicina de Reprodução, Diretor do Centro de Procriação Medicamente Assistida do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte (CHULN), e a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa onde chegou ao topo da Carreira Académica, tendo desempenhado funções de Professor Catedrático na Clínica Universitária de Obstetrícia e Ginecologia, desde 2016.
Numa nota publicada há uns meses, o CHULN refere-se a ele como “personalidade rica e multifacetada” caracterizando-o como detentor de um “sentido de humor inigualável”, de “caráter gentil” e defensor “intransigente dos valores humanos, do rigor científico e da honestidade intelectual”.
Neste primeiro mês de 2022 fomos falar com Carlos Calhaz Jorge, que lecionou a sua aula de jubilação no dia 12 de janeiro.
O Professor Carlos Calhaz Jorge é docente desta Escola desde 1986. Externamente, é membro da autoridade reguladora da PMA, o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), desde 1997, e participou no grupo de regulamentação da Lei n.º 17/2016, que alarga o âmbito dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistida. A propósito das várias alterações legislativas na área da PMA, fez parte da representação do CNPMA que foi ouvida pela comissão de saúde da Assembleia da República - “eu participei como acólito, pois é sempre o Presidente ou a Presidente, que representa o Conselho; depois no grupo de regulamentação da Lei, que ocorreu no âmbito no Ministério da Saúde, fui um dos 4 ou 5 elementos convidados a participar” - e é Presidente da European Society of Human Reproduction and Embryology (ESHRE).
A dada altura quando lhe perguntámos sobre a importância da sua família ao longo do seu percurso profissional, sorri e responde-nos: “absolutamente, impossível ser de outra maneira! Na minha lição de jubilação, porque era uma lição, expurguei tudo o que dizia respeito à minha vida não profissional, mas só pude ter o que tive, e só posso ser a pessoa que sou, por causa da família que tenho”, Susete, sua mulher, médica e parceira de vida, as suas filhas Ana e Inês e os seus netos, “não somos uma família grande, mas somos seguramente muito felizes”, responde-nos.
Na sua aula de jubilação, fez referência ao 5º ano da licenciatura (73/74), referiu que começou a 1 de março e acabou a 25 de abril de 1974…
Prof. Calhaz Jorge: Não estavam alunos presentes, o que foi uma pena, porque eles são muito reivindicativos quanto a perderem uma aula aqui ou uma aula acolá, e, portanto, eu quis realçar que o nosso 5º ano, o 5º ano do meu curso, do Professor José Ferro, do Professor Gonçalves Ferreira, entre muitos outros, começou a 1 de março por causa das confusões politico-académicas e acabou a 25 de abril. Portanto o 5º ano do nosso curso teve a duração de um mês e três semanas.
Como foi ser-se estudante nesta altura, Professor?
Prof. Calhaz Jorge: Foi muito confuso, mas enfim aos 20 anos tudo é engraçado (ri-se). Foi muito confuso, e sobretudo havia muito background de muitas reuniões gerais de alunos, de muitas atividades, para uns mais políticas, para outros mais de seguir valores de transparência e de melhoria das circunstâncias, que eram de facto muito cristalizadas naquela época da nossa sociedade. Uma coisa que a senhora já não conheceu (sorri).
Numa altura tão importante como o 5º ano acha que não ficou perdida alguma informação, alguma aprendizagem?
Prof. Calhaz Jorge: Seguramente… seguramente, mas não sei! Primeiro porque, como é evidente não temos forma de saber. Em segundo lugar, porque a experiência que tinha do 4º ano, que apesar de tudo, começou a 1 de janeiro e teve um bom número de meses, foi que os aspetos práticos da clínica, do ensino da clínica, eram muito perturbados pela enorme dimensão das turmas práticas, que tinham para aí 12 alunos ou mais. Está a ver 12 alunos à volta de um doente, sem bem que os doentes na altura colaborassem muito mais, enfim, provavelmente porque consideravam não ter alternativa, mas era de facto muito menos enriquecedor do que pode ser no contacto em turmas pequenas. De qualquer modo é evidente que perdemos muita coisa. Depois acabámos, penso eu, por compensar naquele período de que eu não falei, ou falei muito superficialmente, que mediou entre o fim da licenciatura oficial, que foi em 75, e o início da especialidade que foi em 80. Portanto, nós andámos 5 anos a tarimbar, procurando espaços, cada um de nós, nas suas áreas de interesse, mas de qualquer forma, tivemos um período de maturação que atualmente não existe. É uma coisa que se nota muito nos internos que iniciam a especialidade, é que eles têm muito pouco tempo de amadurecimento na aprendizagem do que é a vivência da clínica e a interação com os doentes. Eu passei um ano na ilha do Pico, nos Açores, abandonado a mim mesmo, só com os apoios dos outros 4 ou 5 colegas do nosso curso que estavam connosco, a tratar da população e isso é uma aprendizagem que é marcante…
Esteve nos Açores durante o seu internato, Professor?
Prof. Calhaz Jorge: Sim, na altura o internato era 2 anos de internato policlínico básico, que grosso modo é agora o 6º ano mais o ano comum, e depois a seguir, tínhamos obrigatoriamente um ano no chamado serviço médico à periferia. Relembro que estávamos em pleno pós-PREC, para apoio à população que estava muito ou completamente abandonada e a mim, por sorteio calhou-me ir para a ilha do Pico.
Como foi essa altura?
Prof. Calhaz Jorge: Mais uma vez, há perspetivas e vivências. Primeiro, fui com a família, tinha uma miúda pequena (Ana), pois a minha mulher também é médica. Fazíamos parte de um grupo de 7 colegas que foram para lá, por sorteio. É uma ilha que é muito grande, semelhante em termos de dimensão á ilha da Madeira, tem muito menos população e era atrasadíssima na altura. A única ligação ao mundo era de barco, para atravessar para a ilha do Faial, essa já tinha um aeroportozito… Mas foi muito duro, aprendemos muito com os doentes, desenvolvemos muitas atividades de boa vontade de jovens, como lhe digo de vinte poucos anos, fizemos saúde escolar, fizemos vacinação, enfim, fizemos uma série de coisas… Foi estimulante como sempre, mas foi muito duro e depois, passado esse período, regressamos ao HSM e entrámos num limbo, o tempo à espera do exame para entrar na especialidade, que mais uma vez por razões de complicações burocráticas, administrativas, políticas, representou mais 2 anos da minha vida (e dos meus colegas de curso, claro). Portanto, durante os dois anos seguintes, e aí cada um de nós fez aquilo que mais ou menos ditavam os seus interesses e foi onde eu tive muito tempo para trabalhar com o Professor Luís Sobrinho, onde tive tempo para me diferenciar em áreas que me interessavam, independentemente de formalmente ser um interno do Hospital de Santa Maria. Estava num serviço de medicina a fazer a minha atividade, mas depois tinha o tempo livre para fazer o que quisesse. Digamos que houve aqui um balanço entre as perdas do 5º e 6º ano versus a tal oportunidade de maturação mais tarde.
É docente desta escola desde janeiro 86, como vê a evolução do ensino desde então?
Prof. Calhaz Jorge: As múltiplas gerações sempre demonstraram aquilo que todos os jovens demonstram, que é interesse em aprender, uns mais que outros como é evidente. A Obstetrícia e Ginecologia tem uma posição muito peculiar e não muito favorável no curso, porque existe apenas no último ano e, portanto, a maior parte dos alunos quando chegam lá, já tomaram as suas decisões sobre quais são os seus polos de interesse, etc... Portanto há aí alguma desvirtuação do que poderiam sentir. Eu fiquei muito feliz quando, há cerca de 12 anos, foi incorporado no 2º ano uma pequena disciplina chamada Introdução à Medicina da Mulher, que poderia ser um polo de interesse para esta área, e acho que nos 2 ou 3 primeiros anos foi. Depois entrámos num regime mais utilitário por parte dos alunos que perceberam que tinham sempre muito boas notas na disciplina, por definição os testes são simples, atendendo a que eles não têm bases clínicas e acabaram por quase desaparecer das aulas, enquanto nos primeiros anos deixavam os anfiteatros quase a deitar por fora. Mais uma vez, foi uma boa intenção que acabou por esmorecer. Genericamente eu acho que os alunos são sempre gente interessada e que gostariam de aprender e nós gostaríamos de lhes dar mais. Na prática confrontamo-nos com aquilo que é comum a toda a faculdade, temos alunos a mais para as estruturas disponíveis, e os alunos têm o máximo que conseguimos construir e imaginar, mas gostaríamos de lhes dar mais coisas.
Os alunos têm sempre o mesmo perfil, seja qual for a sua geração?
Prof. Calhaz Jorge: Sim claro que sim, perfis de base têm, depois têm perfis de comportamento diferentes e têm manifestações de posições na vida, que essas podem ser marcadas quer pela individualidade de cada um, quer pelas características da sociedade. De uma forma geral, como todos os jovens adultos, são super reivindicativos e como é costume na sociedade atual, cheios de direitos e com muito poucos deveres… mas eu diria que é mais marcado pelo estado de evolução da sociedade e dos princípios e valores com que as pessoas lidam. Não era tanto assim no passado, sempre reivindicativos, mas com um bocadinho mais de noção de deveres.
O processo de regulamentação das alterações trazidas pela Lei n.º 17/2016 foi um caminho fácil de traçar?
Prof. Calhaz Jorge: Estas mudanças nunca são fáceis, a decisão global de alargar o âmbito dos beneficiários foi tomada pela Assembleia da República, portanto a partir daí está feito. O nosso trabalho foi mais encontrar metodologias práticas para os centros saberem como lidar quais os enquadramentos globais, etários… Mas isso é uma coisa técnica sem grandes dificuldades.
Agora que sai, fica com algumas preocupações quanto ao futuro do Laboratório ou futuro da PMA?
Prof. Calhaz Jorge: Em primeiro vamos ao âmbito local, o âmbito do Laboratório e do Centro de PMA. Não tenho nenhumas preocupações, por causa de eu ter saído. As pessoas que ficam, são excelentes profissionais, têm muitos anos de experiência, são muito boas. Mantenho exatamente as mesmas preocupações que tinha quando aí estava, que foram aquelas que aproveitei para exprimir: não se consegue atualizar nada, não se consegue ampliar nada porque as restrições financeiras, as restrições para aquisição de equipamentos, para ampliar instalações, são inultrapassáveis e, há mais de 10 anos que ando, eu diria que quase “a bater com a cabeça nas paredes” com todos os Conselhos de Administração, e esses aspetos de preocupação continuam. Mas não haverá nenhuma degradação nem nenhum problema por eu ter saído. Felizmente trabalhei com pessoas muito boas e que se mantêm, mas aquilo que era a nossa preocupação continua, que é casais à espera um ano e meio pela possibilidade de fazer tratamentos que nós sabemos fazer e que poderíamos fazer a curto prazo, se houvesse capacidade de resposta. Essa parte, infelizmente não vai mudar. Depois, o outro âmbito que é a PMA em geral, eu penso que não. O país está bastante bem no âmbito do mundo da PMA, como aquele gráfico colorido que eu mostrei nos diz. O nosso grande problema são as tais listas de espera e a incapacidade de resposta dos centros públicos, o que, muitas vezes, empurra as pessoas para gastar os seus recursos financeiros em regime privado com as injustiças sociais que isso acarreta. Vamos ter problemas práticos provavelmente, agora na aplicação das últimas alterações legislativas como é o caso da Gestação de Substituição que é um processo muito complexo que vai exigir muito empenhamento e trabalho no CNPMA, que tem uma estrutura muito pequena e que não foi concebida nem dimensionada para esse tipo de tarefas. Depois temos ainda a introdução da possibilidade de inseminação post mortem, que tem aspetos delicados e aspetos ainda não completamente clarificados para a micro subpopulação que possa entender recorrer a essa alternativa. Aí há algumas áreas a esclarecer e a ter em conta, mas são exteriores à minha atividade do Centro Hospitalar ou na Faculdade.
Gestação de Substituição é o que na gíria se chama de “barrigas de aluguer”?
Prof. Calhaz Jorge: O que é incorreto é a gíria, não se alugam barrigas. É um péssimo termo que vem com conotação negativa e pejorativa da sociedade em geral, em vez de considerar que há um conjunto de pessoas que têm uma situação de doença que merece ser tratada, que são as senhoras que não têm útero porque o tiraram ou porque nasceram sem ele. É claro que isso espelha também o quão sensível é encontrar uma gestante de substituição. Nos EUA elas são pagas, portanto, essa designação não é pejorativa, mas foi tornada pejorativa pelas muitas parcelas das sociedades europeias que são contra, é uma forma negativa de ver a coisa. A gestante de substituição é uma senhora que se predispõe a ter uma gravidez sendo os embriões originados num casal a que não pertence.
Ato de altruísmo!?
Prof. Calhaz Jorge: Sim e não, sabe que isto é tudo muito complicado. Haverão de facto alguns atos de altruísmo puro. Mas há outras perspetivas, às vezes inesperadas. Por exemplo, num artigo sobre a situação em Inglaterra, dizia que há situações de senhoras que são mais ou menos “addict”… gostam de estar grávidas. Uma delas já tinha sido gestante de substituição 10 vezes porque gostava de estar grávida.
Depois, há algumas inter-relações que possam não ser tão benéficas ou tão benevolentes como isso, e que nós não conseguimos dominar, apesar da legislação afastar a possibilidade de qualquer tipo de retribuição visível e de pressão ou bulliyng sobre potenciais candidatas. Por isso é que é tão complexa a elaboração dos contratos de gestação de substituição, e eles vão ser uma sobrecarga enorme para a instância que tem de tratar deles – o CNPMA -, e é preciso passar por crivos de psicólogos e por entrevistas para termos a certeza que, tanto quanto possível, tudo é legitimo e claro.
Quantos bebés ajudou a nascer/criar, através da PMA?
Prof. Calhaz Jorge: (Abana a cabeça negativamente) Não tenho ideia … é impossível! Isso é uma adição de 2 parcelas, uma foi a minha atividade no Hospital e nós temos umas vagas ideias que teremos colaborado no nascimento de 3000/3500 crianças. A outra é a minha atividade profissional, também de há 30 anos, em que aí a minha interferência é mais direta… são umas centenas, mas nunca contabilizei.
A Humanidade precisa de dar prazos a tudo? Para engravidar e receber ajuda médica, para se jubilar, para decidir ou largar algo? Esse prazo traçado é justo?
Prof. Calhaz Jorge: (Sorri) É justo a espécie ser o que é? A palavra justo aqui se calhar não se aplica, isto são as inevitabilidades de uma espécie que tem as características que tem.
A parte do jubilar… primeiro, o limite dos 70 anos que foi estabelecido no passado (e que eu agradeço que tenha sido criado, porque é sempre bom ainda ter alguns anos à frente sem tanta pressão profissional), tinha que ver com a consideração geral de que uma pessoa acima dessa idade já não teria condições para contribuir eficazmente para a sociedade… repare que quando isto foi criado, até eram raros os Professores que chegavam aos 70 anos porque se morria muito mais cedo. Portanto, os 70 anos são uma convenção do balanço entre: as pessoas já não são suficientemente eficazes para fazer as suas tarefas e vamos dar lugar a outros. Bom, eu diria que isso é um estabelecer de um prazo convencional.
O prazo do largar tudo, depende do que é largar tudo, eu acho que há um momento em que se deve largar e dar lugar a outros, o que eu tenho feito, em grande parte, nas minhas atividades … quanto ao prazo reprodutivo, a coisa já é diferente, porque aí estamos com base numas características de uma espécie animal. Portanto, é justo ou não é justo que os óvulos de uma senhora deixem de funcionar a partir de uma certa idade? Bom, isso aí eu não tenho opinião, é o que é, não sei se é justo ou injusto. Devo dizer-lhe que há outra vertente, que também a minha vida longa nesta área me deu, que é, alguém anda um bocadinho enganado… Já viu o que é ter uma criança de fraldas aos 48 anos? Ou ter uma criança com as necessidades de têm as crianças aos 8/10 anos, quando se tem quase 60 anos? Ou ter um adolescente em casa, com tudo o que é ter um adolescente e todos os conflitos de ter adolescentes, quando se tem 60 e tal anos? Há aqui digamos que equilíbrios de todos os níveis, que fazem com que se calhar a natureza tenha razão ao pôr limites na capacidade reprodutiva. Se bem que a natureza não queira saber da organização social que nós fizemos, mas tem limites que são integrados. Os óvulos são menos eficientes, porque o organismo todo tem capacidade, evidentemente se for saudável, de dar a volta ao assunto, mas tem maior fragilidade intrínseca para suportar uma gravidez a partir de uma certa idade. Portanto, tudo isto está integrado. Não é uma descoberta aleatória e isso é o que a natureza impõe. Agora, o limite que existe, na maior parte dos países, 38 ou 40 anos, para o financiamento de tratamentos no sector público é outra coisa. É meramente o resultado de uma tentativa de equilíbrio na gestão de recursos que não são infinitos. Portanto, se temos uma senhora que tem 35 anos e a probabilidade de sucesso com estas técnicas é à volta de 35% e por outro lado temos uma senhora que tem 42, cuja probabilidade de levar uma criança para casa está entre os 5 e os 10%, é evidente que têm de se gerir recursos, caso contrário, ou há um poço sem fundo financeiro, que não há planos de resiliência que deem dinheiro suficiente, ou as listas de espera serão incomensuráveis e a senhora de 35 anos só vai ter acesso à técnica perto dos 40, quando já perdeu grande parte da sua probabilidade de êxito. Portanto, é isto em todo o mundo onde há recursos financeiros implicados. Há países, e nós às vezes não valorizamos isso, como por exemplo o Reino Unido, onde 85% dos ciclos são pagos pelos próprios pacientes. Nos EUA, não há limite etário, porque é absolutamente tudo em regime privado. Nos países como Alemanha, Bélgica, Portugal ou França há um limite máximo para fazer os tratamentos dentro desta tal gestão de recursos, e como lhe digo nós vamos até aos 40. Na Suécia, por exemplo, o limite são os 38 anos. Isto faz parte apenas de uma organização social e não propriamente de uma questão de justiça ou não justiça. Era bom que houvesse dinheiro para tudo, mas, infelizmente, não há.
Um ciclo corresponde a um tratamento?
Prof. Calhaz Jorge: Quando se faz o tratamento para obter embriões, chama-se um ciclo de tratamento. É parecido com o ciclo menstrual de uma senhora, artificializado com as medicações e depois se der origem a vários embriões, pode haver várias tentativas a partir da transferência desses embriões. Primeiro, a tentativa de transferência de um ou dois embriões, logo no ciclo em que se obtêm (que se chama a fresco) e depois congelar os embriões restantes (se os houver) para fazer novas transferências mais tarde sem ter que voltar a passar por todas aquelas injeções e todas aquelas complexidades. Esta é a designação de ciclo de tratamento.
O embrião é o óvulo já fecundado, digamos que é possível congelar ovócitos, mas no âmbito da reprodução isso é menos eficiente, porque os embriões resistem muito melhor à congelação, porque são células com características especiais e portanto só se usa congelação de óvulos no âmbito do que se chama preservação do potencial reprodutivo, i. e. senhoras que não têm o objetivo de engravidar já mas porque têm doenças ou tratamentos que justificam tentar preservar os óvulos, então congelam-se os óvulos.
Daqui a 10 anos que passos prevê para a PMA?
Prof. Calhaz Jorge: É difícil porque há 10 anos atrás, aquilo que foi o meu último slide sobre o futuro das técnicas e dos aportes tecnológicos, estava toda a gente entusiasmadíssima e a coisa estava já ali ao virar da esquina. Mas, 10 anos depois, estamos quase no mesmo sítio. Eu não consigo imaginar a velocidade com que aparecerão alternativas para resolver alguns casos difíceis, atualmente sem resposta. Quanto a coisas mais realistas, eu presumo que irão aparecer alguns fármacos novos ou algumas metodologias que simplifiquem os procedimentos clínicos, uma vez que os tratamentos incluem injeções com alguma frequência e as senhoras sentem isso negativamente e, portanto, se aparecem medicamentos por via oral tornarão a coisa mais simpática. Não estou a ver grandes alterações, porque temos que utilizar os ovócitos que conseguimos obter, não há volta a dar. Pode nos laboratórios, de facto, haver desenvolvimentos que aumentem um pouco a taxa de eficácia do processo, mas não perspetivo assim grandes técnicas novas, a menos que surjam da área da genética que é um campo que todos os dias evolui um pouco, mas para já, eu não consigo prever em concreto.
Carlos Calhaz Jorge, fez parte e liderou equipas que ajudaram inúmeras famílias a realizar os sonhos e a projetar as suas vidas.
Por eles e por todos nós, que consigo partilhámos o dia-a-dia, obrigada, Professor!
Relembramos ainda a entrevista "Endometriose – A doença invisível aos olhos", que o Professor Carlos Calhaz Jorge concedeu à News@FMUL na edição n.º 110 (março de 2021).
Cristina Bastos
Equipa Editorial