A semana prometia ser agitada de lições, memórias e a avisar novo ciclo.

Sempre no fim das horas convencionais do trabalho, havia ainda fotografias por destacar, alinhamentos para retificar, convites a fazer e a organização assim se ia construindo tão segura quanto discreta e eficaz.

Pelos dois principais pisos do Hospital de Santa Maria, tornar-se-ia impossível não se notar nas cores garridas do verde florescente e o azul escuro a contrastar. Sinais claros de uma segurança que os torna heróis com direito a distinção.

Os olhos passavam rápidos pelas imagens dos casacos, camisolas, veículos, bebés embrulhados em mantas e ao colo de quem lhes fizera o parto e muitas equipas unidas e com sorriso de dever cumprido.  

Dias intensos de encontros e abraços de uma equipa que parece mais numerosa do que realmente é, distribuir-se-iam entre todos por dias e abordando temáticas diferentes: o helitransporte, o Suporte Básico de Vida, os testemunhos do nascimento de um projeto que segura vidas à vida, ou o lançamento das novas instalações, mesmo junto aos portões de Santa Maria. O binómio enfermeiro e médico nunca suou com tanta afinação, afinal os atuais 20 anos de existência da Viatura Médica de Emergência e Reanimação – VMER, não são um acontecimento qualquer, principalmente se o traduzirmos em número de vidas retomadas, quando tudo apontava colapsar.

 

 

O primeiro dia oficial da equipa que nos prende à vida

A primeira dupla Enfermeiro Gomes e médico David saía às 16h, rumo às Docas de Lisboa, precisamente há 20 anos atrás. Será o mesmo que dizer que a primeira equipa da VMER de Santa Maria, faria a primeira ação oficial de pré-hospitalar. Carro de menor performance e velocidade, como recordava agora a equipa já reformada destas andanças a mil, para primeiro dia, o momento foi bem sucedido, relatam-nos. Esperava-os uma situação complexa de trauma, o que se traduziu em múltiplas fraturas e órgãos comprimidos. O papel da dupla de urgência foi cumprido e a doente salva. Daí em diante a VMER passaria a dar cartas, assumindo-se com o tempo como uma das equipas mais  inspiradoras e exemplares a nível nacional e atualmente validada pela Europa.

 

 

Mas nem sempre foi fácil firmar a certeza que era preciso sair dos muros do Hospital e entrar em bairros fragilizados, ou salvar utentes em pleno espaço público, ajudando e tratando-os em casos de grande gravidade, repondo-lhes  o direito à vida, o direito a, pelo menos, tentar recuperar a vida e depois a saúde.

O testemunho seria possivelmente o mais marcante de todos, o de José Alexandre, anterior Chefe dos Enfermeiros de Santa Maria e em representação da ministra da Saúde, Ana Paula Martins, este seria um dos dois grandes mentores da VMER de Santa Maria, em paralelo com a médica Ângela Bilhota Alves.

 Aquele que é atualmente um dos Serviços que mais representa o Serviço Nacional de Saúde e a sua capacidade em tratar estados muito graves, foi ao longo de muitas direções hospitalares um não tema e sem solução à vista, deixando cair o ímpeto persistente de José Alexandre que dizia que “ser da VMER é ser excelente profissional, mas também excelente pessoa”. Razão que explica as amizades construídas de uma vida e que o levaram a ser ovacionado em pé, pela equipa médica e de enfermagem, no culminar desta semana de celebração. 

Apesar de ausente da cerimónia, Ângela Bilhota Alves, anterior Médica Coordenadora da VMER, foi várias vezes mencionada por ter igualmente a responsabilidade de ter lançado a VMER há 20 anos.

De ágil e rápido transporte, é a viatura da VMER que tem a obrigação de chegar ao local, primeiro do que qualquer outra entidade, de modo a reverter os quadros mais drásticos no que toca ao pré-hospitalar.

Para se chegar à formula de sucesso, uma coisa  é certa, há que fazer formação intensiva. E se apesar de toda a formação académica e clínica para se formar um médico, depois de 6 anos de mestrado e outros tantos de internato, são ainda precisas técnicas a sedimentar ao longo de 5 módulos, divididos por intensos dias. Aos enfermeiros, para lá do percurso profissional habitual,  seguem-se ainda testes psicotécnicos e de condução de alto risco. Nem todos ficam apurados.

O  resultado? Esse foi o que vimos ao longo de 7 dias. Esta que é uma equipa de dois e que trabalha para lá das horas de um dia normal, soma ainda o tempo da VMER por pura intenção de mudar o mundo de alguém, seja por terra, ou pelos ares.

O Cláudio assim o confirmou, agente da PSP, entraria em paragem cardiorrespiratória durante um comum dia de serviço. Diante do olhar atento da filha, agradeceu à equipa que o socorreu, o médico Nuno (Torres) e o enfermeiro Filipe, pelo regresso à vida, o regresso ao papel de pai e agente, depois de cerca 50 minutos sem ter a certeza se a vida queria terminar, ou fazer apenas uma pausa. Olhos nos olhos, a equipa não estaria menos emocionado que o Cláudio, agente este que no dia da sua alta, quando saiu pelo seu pé de Santa Maria, tinha dezenas de patrulhas à porta a ovacioná-lo pela reversão de quadro.

 

 

 

Quem são os rostos que nos cuidam?

Muitos deles antigos estudantes da Faculdade de Medicina seguem o percurso dos turnos de banco, escolhem um caminho de adrenalina entre áreas como os Intensivos, Medicina Interna, ou Anestesiologia.  Trabalham no fio da navalha da Urgência que os obriga a ativar uma saída mal são chamados pelo Centro de Orientação de Doentes Urgentes – CODU.  Não é um qualquer perfil que é VMER. Não é um qualquer perfil de enfermagem que carrega em si a responsabilidade da arriscada condução, das pessoas e das máquinas. A coordenadora de Enfermagem, Helena Correia, assim o explica bem, pois são um “Serviço que funciona todos os dias e horas de cada ano”,  que tem em si a excelência de manter a vida, “seja à chuva, ou em tempestade, ao frio, ou ao embate duro do sol, é a mesma equipa que troca um pneu”, ou se sujeita ao embate de um acidente para chegar no tempo mais rápido ao local onde está a vítima.

Ser o médico coordenador da VMER de Santa Maria tem tanto de orgulho quanto de responsabilidade, Anestesista, Alexandre Caldeira não esconde que para se erguer uma bandeira destas, não basta ter muito empenho, é sempre uma boa dose de amor por uma camisola que paga moralmente aquilo que se dá por ela.

 

 

 

 

 

 

Há uma escola que forma médicos e melhores cidadãos

Neste Campus onde se cruzam equipas que ensinam e exercem atividade, é importante entender que onde começa a ação de uma, não significa que terminou a ação da outra. Hospital e Faculdade são fruto de um mesmo produto humano e de valores, formando a sociedade a ser mais atenta ao papel de uma equipa como a VMER. Sensibilizando para a importância das técnicas do Suporte Básico de Vida e de como ela pode manter alguém vivo até que chegue uma equipa especializada. Formar estudantes, jovens e adultos com outros papéis sociais é uma das grandes missões internas do Campus. É preciso dizer quem somos para que  todos entendam que podem acrescentar um segundo a mais de vida, na vida de alguém e essa foi a razão pela qual esta equipa recebeu alunos do 8º ano, do Colégio Moderno, em Lisboa.

 

 

 

Nesta Escola que forma grandes profissionais, e onde alguns deles se mantêm em Santa Maria, ensina-se o valor da vida. E aprende-se que há qualquer coisa que vai além dos manuais e da partilha do saber. É o espírito de missão, de equipa, de retorno à vida que une estes profissionais da VMER, que celebram sólidos 20 anos e acabam de inaugurar um novo espaço, com forte investimento humano do Presidente do Conselho de Administração do Hospital, Carlos Neves Martins, e da sua equipa. Mesmo às portas do Hospital de Santa Maria, há um novo lugar colado aos muros, para estes profissionais. Que apesar de estarem dentro da Casa, estão sempre a postos para sair. Porque é sempre fora dos muros que exercem o que fazem melhor. Salvar.

Mas seja o resultado de sucesso, ou tenha apenas sido uma tentativa que não vingou, sobre a equipa da VMER há uma convicção para todos que é certa e que tomamos de assalto ao Enfermeiro José Alexandre "podemos não ser os melhores, mas garantidamente somos diferentes".

Parabéns a todos!

 

 

Especiais agradecimentos: aos médicos Alexandre Caldeira e Nuno Gaibino pela coordenação geral desta semana e articulação entre Gabinetes do Hospital e Faculdade; ao envolvimento do INEM; à PSP; aos Bombeiros