"Oportunidades e Ameaças para o SNS"
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dois edificios lado a lado

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) encontra-se numa encruzilhada de sustentabilidade. Enfrenta a ameaça da viabilidade financeira e o desafio da fixação de profissionais no SNS em atividades de elevada responsabilidade, grande intensidade e remuneração pouco satisfatória.

Os Centros Académicos Clínicos (CACs), envolvendo hospitais, faculdades e institutos de investigação, são o fulcro da investigação médica e dão formação a milhares de estudantes de medicina e de internos. Esta realidade criou um conceito de treino médico e de prática clínica em estreita ligação à investigação científica. Por este motivo, a estruturação de uma carreira que premeie o mérito, o investimento na diferenciação e na investigação e a oferta de perspetivas de carreiras complementares académicas são fatores importante na motivação para trabalhar no SNS. Por outro lado, a medicina infiltrou-se na comunidade, através de uma valorização crescente da prevenção e de uma projeção do diagnóstico e tratamento para fora do ambiente das enfermarias, reservando os hospitais para as situações agudas e complexas. Por isso, a fusão dos cuidados de saúde primários com unidades hospitalares, formando Unidades Locais de Saúde (ULS), integrando-as sempre que possível em CACs, com ambientes promotores da formação e investigação, são um modelo que poderá ser relevante na sustentabilidade do SNS.

Mas este conceito contém igualmente ameaças que urge antecipar. Uma ULS integrada num CAC está capacitada para a inserção nas redes europeias de referência de doenças raras e complexas e para o reconhecimento internacional de várias áreas específicas como centros de excelência de diferenciação clínica e científica. Estes centros oferecem soluções para os problemas de saúde mais raros, complexos e graves, que são também aqueles que consomem mais recursos financeiros e obrigam a mais tempo de dedicação dos profissionais de saúde por cada doente tratado, afetando os orçamentos e a capacidade de resposta das equipas das instituições clínicas inseridas nos CACs. Adicionalmente, para além da dimensão qualitativa há uma realidade quantitativa e indiferenciada que estes centros académicos têm também de fazer face. Por fim, a formação pré e pós-graduada e a atividade científica são realizadas ombro a ombro com a atividade clínica, aumentando a complexidade e intensidade do trabalho nestes centros, que combinada com a exigência de conciliar elevada diferenciação com a resposta a múltiplas solicitações de maior simplicidade clínica causa pressão e desgaste nos profissionais de saúde.

Para que as ULS integradas em CACs sejam a oportunidade para a viragem de página nas dificuldades do SNS é fundamental estruturar algumas premissas. Em primeiro lugar é necessário antecipar eixos específicos de financiamento nacional para patologias raras e/ou complexas que possam ser independentes dos orçamentos destas ULS inseridas em CACs. Em segundo lugar, a expetativa de resposta clínica deve ser baseada na eficácia na resposta à complexidade e não na resposta numérica, sendo necessário definir um fator de mitigação que diminua o total de doentes referenciados em função da dificuldade clínica que os mesmos ofereçam. Por fim, terão de ser definidas carreiras flexíveis nestas ULS associadas a CACs que reconheçam a diferenciação e complexidade clínica, a atividade formativa e a produção científica, exigindo aos profissionais o que realmente é expetável que seja a sua atuação nestes centros académicos. Só assim estará criado o ambiente adequado para treinarmos uma nova geração verdadeiramente motivada para garantir a sustentabilidade do SNS na segunda metade do século XXI.

 

Fonte: Jornal Expresso