Em grandes momentos relevantes ali está ele, sempre chegado a horas e posicionado atentamente para o palco que já não pode subir facilmente.
Quase sempre a vê-lo de costas, a figura é emblemática e não deixa dúvidas a quem o olha e conhece pela parceria a trabalhar, ou porque foi o Pediatra de alguém, ou dos filhos de alguém, ou dos amigos.
É pessoa familiar, até pelo sorriso tranquilo de quem chega a casa e se senta no cadeirão e contempla a sua sala em mais um dia de rotina.
Chama-se João Carlos, nasceu em 1939, filho de um médico cirurgião, soube cedo, para não dizer sempre, que ia ser médico. Com o decorrer da vida entendeu ainda outra coisa, que achava mais estimulante entender as pessoas pequeninas que as crescidas e observar-lhes o comportamento, fazendo dessa análise a sua grande filosofia de vida e não só a sua prática clínica e científica.
Em 1964 licenciou-se em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e em 1965 entrou para o internato geral de Santa Maria e por lá se manteria numa vida refletida em mais de 50 anos seguidos, acumulando cargos daquela que foi sempre a sua casa de começos e fim. Em 1975 assumiu papel de coordenador da Unidade de Pediatria, depois o de Chefe de Serviço e em 1997 era designado Diretor do Serviço de Pediatria. Na sua vida, e por aquela que seria a sua Faculdade de sempre, doutorou-se em 1982 e em 1990 passaria a ser Professor Catedrático.
Homem de relevo na sociedade e nas mentalidades ligadas à Medicina, em 1999 era agraciado pelo Presidente da República como Grande Oficial da Ordem de Mérito.
Nome sólido e sedimentado da Pediatria portuguesa, e para muitos o seu pai e grande mentor, João Gomes Pedro era o médico das revoluções filosóficas. Entendia que não havia apenas uma só fórmula ou receita de sucesso para todos os bebés com um mesmo sintoma e que num universo de 50 bebés, todos vestidos de igual, não era a auscultação que os distinguia, ou quaisquer outros parâmetros clínicos, era tão somente a observação do comportamento que faria interpretar quem tinha o quê.
O Pediatria, conhecido carinhosamente como o “feiticeiro” dos bebés, depois de trabalhar 10 horas a receber pais e bebés, fazia rondas pelos bairros de Lisboa a visitar famílias a quem dava conselhos, qual anjo da guarda, viria precisamente a ser designado como tal, com um prémio da Sic, em 2008.
Defensor de “programas da felicidade” nunca teve vergonha do verdadeiro conceito das palavras, valia-lhe já talvez o título de catedrático para não ser afrontado principalmente pelos seus pares. Defendia que os melhores tratamentos inicias de qualquer bebé eram o amor, o conforto e estar bem alimentado, o resto seria “uma apaixonante descoberta” entre ele e quem dele cuidaria.
Ensinou que da desarrumação dos ciclos da criança, outros novos se erguem, explicando a médio prazo quem a criança será.
O homem alto e calmo que agora entra de cadeira de rodas e se senta sempre na fila da frente virado para o palco, não perde um momento fundamental da sua casa.
Em 2016 a Faculdade de Medicina decidia a criação de um Prémio com o seu nome, designado como “Prémio de Mérito Pedagógico Professor Doutor João Gomes Pedro”. O Prémio que até hoje se mantém e visa contemplar o docente da Faculdade que mais se destaca em cada ano letivo, faz assim a homenagem em vida ao homem que em todos os momentos ainda nos visita e mostra o sentimento de pertença ao campus. E que diante de situações muito especiais, se obriga a erguer da cadeira e a manter-se de pé. Porque afinal um homem que foi combater para a guerra colonial aos 23 anos e que tratava das crianças que via pelo mato; o homem dos laços relacionais com os pais, esse homem que nos acompanha ainda com os seus 85 preciosos anos, não é um Pediatra qualquer. Não é um homem qualquer.
Obrigada por se manter perto de nós, Professor.