“No caso desta vacina não existe qualquer reporte científico sobre os resultados agora anunciados”
Share

O Prof. Miguel Prudêncio, Investigador Principal do iMM na área da malária, foi convidado pela SIC Notícias a comentar o anúncio que surpreendeu o mundo sobre o registo da vacina russa "Sputnik V" que, segundo o chefe de Estado russo, vai começar a ser distribuída em janeiro do próximo ano, como resultado de uma investigação que se deu por concluída na segunda de três fases de testes clínicos.

homem sentado numa secretária e mulher a levar uma vacina

Perante a celeridade, a par da eficácia garantida pela Rússia na vacina contra a Covid-19, levanta-se uma questão premente e que importa esclarecer. É normal que se avance para o registo de uma vacina sem estarem concluídas todas as fases do processo? Segundo Miguel Prudêncio, “não é, de forma nenhuma, comum registar uma vacina e anunciá-la como sendo eficaz não tendo passado pelas etapas que são obrigatórias [referindo-se às fases 1, 2 e 3 de testes] e sem as quais não há forma de garantir por um lado a segurança, por outro lado a eficácia desta vacina”, afirmou à SIC, sublinhando que a informação disponibilizada para a comunidade científica sobre esta vacina “é extremamente escassa”. “Não existe qualquer reporte científico, qualquer publicação científica sobre os resultados agora anunciados”, reiterou Miguel Prudêncio, apontando uma lacuna crassa na “sustentação em termos de literatura científica, ou seja, documentação a que possamos aceder para verificar que resultados são estes, perceber quais são os níveis de anticorpos gerados, os efeitos secundários que foram ou não observados etc.”.

várias pessoas sentadas em secretária numa videoconferência

O Professor realça a “ausência de resultados de ensaios de fase 3”, “aqueles em que a segurança da vacina é efetivamente confirmada” pelo envolvimento de um número elevado de pessoas que são testadas e expostas ao vírus, explicando ainda tratar-se de “ensaios que requerem algum tempo” e que “obedecem a regras criteriosas, inclusive quanto ao número de participantes, para garantir resultados fidedignos”. “Nada disto, que nós saibamos, foi feito com esta vacina”, contrariamente ao que sucede com outras vacinas em desenvolvimento, ressalvou.

Há, portanto, algumas dúvidas por parte de especialistas e autoridades de saúde, que se mostram reticentes com a novidade russa, devido à “ausência de um relatório científico adequado” que não permite aferir dados concretos. Também a OMS diz estar a avaliar de perto a situação, revelando-se cautelosa na discussão ao denotar a importância de cumprir escrupulosamente todos os passos previstos numa investigação que tem como finalidade a criação de uma vacina, que se pretende segura e eficaz.

mão a segurar frasco de vacina

Na opinião de Miguel Prudêncio “é inevitável serem feitos ensaios de fase 3 antes de começar a administrar esta vacina às pessoas”, sendo que “não está claro, na informação disponibilizada, se esses ensaios vão decorrer, quando vão decorrer e em que condições, ou se há uma intenção de administrar a vacina às pessoas sem esses ensaios de fase 3 estarem realizados”, daí considerar improvável que a distribuição da vacina russa tenha início em janeiro de 2021. “Pode acontecer que, internamente, haja uma decisão das autoridades russas em fazer essa distribuição para a população, agora estou certo de que nunca será uma vacina a ser distribuída a nível mundial sem o aval da comunidade científica internacional, da Organização Mundial de Saúde e das autoridades de saúde dos diferentes países”, adiantou Miguel Prudêncio em entrevista à SIC Notícias, a que pode assistir na íntegra aqui.