“A morte é a curva da estrada. Morrer é só não ser visto…”
In: Poemas Completos de Alberto Caeiro. Fernando Pessoa (1888-1935)
Em todas as culturas e desde os tempos mais recuados que o Homem tenta iludir e resistir à morte, procurando a imortalidade, ainda que sem sucesso. Temos como exemplo a lengalenga, já muito antiga, que começa assim
“À morte ninguém escapa / Nem o rei nem o papa / Mas escapo eu / Compro uma panela / Custa-me um vintém / Meto-me dentro dela / E tapo-me muito bem / Então a morte passa e diz: - Truz, truz! Quem está aí?… / - Aqui, aqui não está ninguém. Adeus, meus senhores, passem muito bem”.
Quando menos esperamos, a morte vem, sem piedade nem clemência, ao nosso encontro, e aparece-nos sempre, sem avisar. Ninguém, nem quem parte, nem quem fica, está preparado, nem nunca estaremos capacitados para este encontro. Num momento estamos entre todos e no momento seguinte podemos estar afastados de todos, para sempre.
As sagradas escrituras referem que “Para tudo há o seu tempo. Há tempo para nascer e tempo para morrer”.
O que temos de mais certo, desde que nascemos, é o nosso desaparecimento. O ser humano é o único ser vivo que tem realmente consciência da existência da morte, da sua finitude. Todos nós, qualquer que seja a nossa condição física ou social, ninguém escapa à morte. Se muitos de nós tem uma vida longa, também são muitos os que recebem a visita da morte cedo demais, quer seja por causas naturais, sem culpa ou intencionalmente.
Para quem fica, surge sempre a pergunta. Porquê? Achamos que a morte é muito injusta. Tantas vezes, para quem vai, tinha ainda muitos sonhos, projetos e promessas para realizar. Quantas vezes os projetos são iniciados, mas não chegam a ser terminados, porque são interrompidos pelo aparecimento da morte? De que lhes valeu os sacrifícios, a dedicação, os trabalhos árduos cumpridos, ou então ter tido à sua disposição poder financeiro, influência ou fama?
Se para alguns de nós a interrupção da vida pode ser originada por uma doença, por um acidente ao virar da esquina, por um acontecimento imprevisível e abrupto, existem ainda os que escolhem o momento de partir, movidos por perturbações como a depressão, deceção, desilusão, infelicidade ou “simplesmente” por estarem saturados de viver.
Ainda que queiramos viver o melhor possível, a azáfama do nosso dia a dia em que nos é difícil separar os períodos de trabalho, de repouso, ou de alguns momentos em família, em qualquer momento, a morte pode ceifar os planos que tínhamos idealizado.
Se alguns de nós podem desejar a morte como um caminho de libertação e de escape, para outros existe o medo de morrer, principalmente se a morte vier acompanhada de dor, de humilhação, principalmente se estiver rodeado de inúmeros aparelhos médicos introduzidos nos seus corpos e muitas vezes contra a vontade dos próprios doentes. Com o enorme desenvolvimento da Medicina aliada à tecnologia, temos verificado nos últimos séculos, que os profissionais de saúde tentam prolongar a vida daqueles que padecem, nem que seja por mais umas horas, dias ou semanas.
Existem dores e dores. Há dores que fazem sentido, como as dores do parto, altura em que uma nova vida está a nascer. No entanto, há outras dores que são inúteis, desnecessárias, quando sabemos de antemão qual vai ser o desfecho.
Para a cultura ocidental a morte é envolta em mistérios, medos e dúvidas, mas também acompanhada de dor e sofrimento. Apesar de sabermos que é a única certeza que temos na nossa vida, o comportamento que temos perante a morte é ainda considerada um tabu, negamo-la, como se ela não existisse, procuramos evitar falar dela, como que para não a atrair, embora nunca a esqueçamos.
A relação do homem com a indesejada das indesejadas foi-se alterando com o passar dos tempos e demonstrada através de várias formas de arte como na arquitetura, nas esculturas tumulares, na prática de rituais, aliados ao mesmo tempo com curiosidade, inquietação e medo. As esculturas funerárias representam, desde o seu aparecimento, a morte repousando como num longo sono acompanhadas do conselho “Descanse em paz”.
Estudos já efetuados revelam que, após a morte o homem pré-histórico era deixado à mercê dos animais, enquanto no período Neandertal já era usual enterrarem os seus mortos. Eram sepultados de cócoras, em cavidades abertas nas rochas, acompanhados com várias oferendas e objetos que tinham pertencido ao defunto e coberto, por fim, por pedras.
No período seguinte, o homem de Cro-Magnon, que acreditava numa vida para além da morte, colocava os seus mortos deitados ou em posição fetal, levando também oferendas, acreditando que estas fossem necessárias no Além.
O homem do Mesolítico contruía as sepulturas ovais e os mortos eram adornados por objetos feitos de conchas e dentes de animais e cobertos por pedras.
No Neolítico e na Idade do Bronze foram criadas sepulturas coletivas e surgiram os primeiros monumentos funerários.
O povo do Antigo Egito desejava alcançar a vida eterna através da utilização de feitiços e rituais. Acreditava que a alma, “Ka”, continuava a existir depois da morte e os objetos que tinham sido utilizados pelo defunto eram colocados nas sepulturas. Sem estes, a alma não podia fazer a ligação com o corpo físico que devia estar em bom estado de conservação por meio da mumificação. O “Livro dos Mortos”, legado egípcio, o mais antigo livro ilustrado do mundo, descreve os louvores que os egípcios tinham para com os seus mortos desde hinos, preces e textos mágicos de proteção. Os egípcios acreditavam que quem levasse o livro para a sepultura encontraria a salvação da alma, pois continha a orientação para chegar ao Além.
Os romanos foram os primeiros a introduzir a escultura nos túmulos, de forma a homenagear os seus entes queridos. Praticavam a cremação que era vista como uma nova etapa para os seus mortos.
Na sociedade greco-romana existiam duas condições para as pessoas que morriam. Os anónimos e os que pertenciam à sociedade em geral eram cremados e colocados mais tarde em valas comuns. Os que pertenciam à alta sociedade, eram considerados heróis e imortais após a realização de uma cerimónia de grande pompa.
Perante a morte, a sociedade grega realizava vários rituais desde a preparação até ao sepultamento do cadáver, de modo que a alma encontrasse o caminho que a levaria para o Além, até às práticas que absorvessem a contaminação e as impurezas deixadas pela Morte. Um desses rituais era colocar um vaso de cristais à porta de casa.
Durante a Idade Média manifestaram-se duas representações distintas do Homem perante a Morte, na Alta Idade Média (Séc. V-meados do séc. XII) e na Baixa Idade Média (Séc. XII-XV).
Na Alta Idade Média a morte tinha um conceito familiar, íntimo e o ato de morrer era encarado de uma forma muito natural. O agonizante, supondo que a morte estava próxima, pedia perdão pelos seus pecados de forma a obter a paz necessária que o levasse até ao paraíso. Quem não pedisse perdão pelas suas falhas, ou quem sucumbisse por morte súbita (não tinha tido oportunidade de se redimir), era certo que o seu destino seria o inferno. E a ida para o inferno era um dos maiores receios do homem medieval.
Os mortos eram envoltos em sudários. Os que eram pobres eram sepultados nos pátios das igrejas, enquanto os ricos eram sepultados dentro das mesmas, acreditando que ficavam protegidos pelos santos de irem para o inferno. Por haver um conceito de grande proximidade entre o homem da época medieval e a Morte, realizavam-se festividades e reuniões nos cemitérios e nas igrejas.
Na Baixa Idade Média, devido à evolução do poder exercido pela Igreja, surgiu um novo conceito de Morte. A morte passou a caracterizar-se como o fim dos tempos e surgiu como tema na literatura e em pinturas europeias, caracterizadas como marca de horror, podridão e medo. É por esta altura que apareceu como símbolo da morte a figura do esqueleto com a foice. Para a população medieval, a Morte era considerada como um castigo de Deus, estava quase sempre presente na sua vida devido às contínuas guerras existentes, à peste negra que, nessa época, alastrou por toda a Europa e que quase dizimou 1/3 da população europeia, até à chegada da Inquisição, que condenava os infiéis.
Com as revoluções científicas ocorridas a partir do século XV, a morte teve um novo entendimento para o homem, tornando-o mais racional e possuidor de novos conhecimentos. A morte passou a ser vista não como uma coisa íntima, mas sim como uma coisa má.
Mais tarde (sécs. XVIII e XIX), o conceito de morrer foi considerado sujo, contaminava, opondo-se ao conceito de higiene e aos meios sanitários que foram implementados na saúde pública, após o crescimento da burguesia como consequência da revolução industrial.
Durante o século XVIII, surge a expressão eutanásia, termo criado pelos filósofos enciclopedistas, com a intenção de proporcionar ao indivíduo uma morte sem dor, de forma a aliviar o sofrimento causado por uma doença incurável ou dolorosa, normalmente realizada por um profissional de saúde mediante o pedido expresso pelo próprio doente.
A palavra eutanásia deriva do grego “eu”, que significa boa, e “tanathos”, que quer dizer “morte”, isto é, “boa morte”. Pretende indicar a atitude de tirar a vida a alguém a seu pedido, a fim de terminar com o seu sofrimento.
A eutanásia pode ser classificada de voluntária e involuntária. É voluntária quando a própria pessoa, de forma consciente, manifesta o desejo de morrer e pede ajuda a um profissional de saúde, para realizar esse procedimento. A forma involuntária é quando a pessoa se encontra incapaz de dar o consentimento para determinado tratamento e essa decisão é dada por outra pessoa, geralmente cumprindo o desejo anteriormente expresso pelo próprio doente nesse sentido.
A eutanásia diverge do suicídio assistido, na medida em que este é o ato de disponibilizar ao paciente os meios para que este próprio cometa o suicídio. Os principais motivos para os doentes solicitarem a eutanásia é a dor intensa, atroz e insuportável que sentem devido à doença incurável de que padecem, e a diminuição contínua de qualidade de vida quer por condições físicas (paralisia, incontinência, falta de ar, dificuldade em engolir, vómitos) quer por fatores psicológicos (depressão, medo de perder o controlo do corpo, dignidade e independência).
A eutanásia pode ser, também, ativa e passiva. É considerada ativa quando o ato de terminar com a vida do paciente é realizado de forma deliberada (por exemplo, injetando uma dose excessiva de sedativos). A eutanásia passiva consiste em não realizar ou interromper o tratamento necessário à sobrevivência do doente.
Hoje, a morte é vista como uma espécie de mistério, evita-se falar dela e assombra quem ouve falar no seu nome.
Em Portugal, a primeira conferência sobre a Eutanásia realizou-se na Faculdade de Direito de Lisboa em cooperação com a Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina de Lisboa, nos princípios de abril de 1930, onde o Prof. Barahona Fernandes, na altura quinhentista de Medicina, proferiu o discurso “A Eutanásia” que foi publicado pela mesma altura na revista “A Medicina Contemporânea”.
Nesta alocução foram abordadas as implicações médico-legais desta prática, onde expôs as várias diligências e projetos para que a eutanásia fosse legalizada em vários países europeus, assim como várias abordagens acerca da prática e das tentativas de evitar a Eutanásia. Estas vêm já de tempos muito antigos, com Aristóteles e Platão, onde há a referência que Plíntio já questionava a sua aplicação.
Referiu, ainda, os rituais praticados pelos povos Celtas e outros povos bárbaros da Birmânia perante a morte, como por exemplo “enforcavam os doentes sem salvação”. Os povos escandinavos punham termo à vida dos anciãos, assim como aos doentes que os sobrecarregavam. Em Portugal, há alusão às “furtadelas, o caldinho da meia-noite, lendária droga que daria conta dos incuráveis”.
Os primeiros esforços para que fosse legalizada a Eutanásia ocorreram em 1903, nos Estados Unidos da América, no entanto “não foi satisfeito o desejo, por causa de grandes clamores que se levantaram”. Com a mesma finalidade, foram realizados vários projetos noutros países como na Alemanha, na Itália ou na Inglaterra, onde o tema foi discutido em inúmeras sociedades científicas.
A Eutanásia foi assunto de vários escritores e dramaturgos nos finais do século XIX e princípios do século XX, como Benson em Inglaterra, René Bretoin em França ou Guido de Verona em Itália, que deram origem a tragédias e novelas. Binet-Saugeet, no seu livro “L’art de mourir”, defendeu abertamente o homicídio-suicídio.
Atualmente, apenas três países europeus legalizaram a prática da eutanásia: Holanda, Bélgica e Luxemburgo.
Em abril de 2002, a Holanda foi primeiro país a legalizar e a regulamentar a eutanásia. Esta prática tem de ser exercida pelo médico, a pedido expresso pelo doente que tem de estar convicto, em plena consciência e lucidez, de sofrer de doença incurável e estar em estado terminal e em sofrimento dilacerante. Na impossibilidade do paciente estar na posse das suas faculdades mentais é necessário o conhecimento de que o paciente tenha expressado previamente a sua vontade. Nos casos em que os pacientes sejam crianças com idade inferior a 12 anos deve existir o consentimento dos progenitores.
Também em 2002, a Bélgica legalizou a eutanásia tendo sido alterada em 2014, permitindo esta prática a todos os pacientes de qualquer idade, desde que sofram de doença incurável e tenham a capacidade de entendimento.
A decisão de legalizar a eutanásia infantil foi uma deliberação polémica, que gerou críticas tanto no país como no estrangeiro. Nestes casos, os processos são acompanhados por uma comissão especial, pelos pais, por médicos e psicólogos infantis. Foi aplicada pela primeira vez em 2016.
Na Suíça, a eutanásia é ilegal embora seja aceite o suicídio assistido desde que o paciente terminal esteja num sofrimento intolerável e irreversível. Proporciona, ainda, a criação de empresas que apoiem os pacientes nestas práticas como é exemplo as associações, como a Exit e a Dignitas, esta sem fins lucrativos. Nesta última associação, em 2016, segundo o Jornal de Notícias, havia 20 portugueses inscritos e entre 2009 e 2019 inclusive, foram sete os portugueses que obtiveram o seu apoio. No ano passado, esta associação, única no mundo a apoiar doentes oriundos de vários países, apoiou 256 pacientes, de várias nacionalidades, a pôr termo à vida.
O terceiro país da União Europeia a legalizar a eutanásia foi o Luxemburgo, que criou uma lei onde estabelece que não é condenável a prática de um médico "responder a um pedido de eutanásia ou de suicídio assistido”.
Existem ainda outros países onde a eutanásia é permitida, como em alguns estados norte-americanos (Oregon, Vermont, Califórnia e Montana) e no Canadá. No Uruguai, Peru e Colômbia a eutanásia é considerada como um “homicídio piedoso” e por isso é-lhe atribuído “perdão judicial”.
Também na Austrália, a Eutanásia é permitida a doentes terminais desde meados de 2019.
Na Nova Zelândia, está previsto um referendo para decidir a entrada em vigor da nova lei da Eutanásia que começou a ser discutida em 2017.
Também em Espanha, a 12 de fevereiro deste ano, começou o processo legislativo para a despenalização da Eutanásia.
Em Portugal, desde há alguns anos a esta parte, a Eutanásia tem sido tema de estudos, de artigos publicados nos media, de elaboração de anteprojetos, solicitações de referendos, calorosos debates, petições e protestos populares, perfeitamente compreensíveis, tendo em vista as várias conceções tanto pessoais, religiosas como culturais envolvidas na abordagem deste tema.
Com o desenvolvimento da Medicina e das novas tecnologias existe, também, uma nova realidade, um novo comportamento ético perante a modo de morrer.
Constatou-se que entre os anos 1970 e 2005 o ato de morrer no hospital passou de menos 20% para quase 60% dos que morrem em cada ano, no nosso país. Esta alteração não é entendida como uma “simples mudança de lugar, mas como uma negação de lugar aos que morrem”. Perante esta realidade é necessária e urgente uma mais profunda abordagem ética das questões em torno do morrer humano, uma maior compreensão dos hospitais como lugar existencial integral e uma melhoria nos cuidados paliativos como reencontro da Medicina com a sua matriz humanista.
Como refere o Padre José Nuno Ferreira da Silva, capelão hospitalar e autor da tese de doutoramento “A morte e o morrer entre o deslugar e o lugar”, publicada em livro em 2012, diz que morre-se mal na sociedade portuguesa e que é essencial que haja uma alteração profunda para que se possa morrer melhor no nosso país. É necessário tanto nos hospitais como nas instituições de idosos “alterar estruturas, criar regulamentos e, sobretudo, é preciso conceder formação especializada aos profissionais de saúde para que estes aprendam a lidar com a morte, que acontece cada vez mais no contexto dos hospitais”. É imprescindível que os profissionais de saúde retenham competências para que, no dia a dia, “possam acompanhar pessoas em sofrimento, pessoa a morrer e pessoas a perderem quem morre”.
Já há três anos este tema foi discutido no Parlamento português em que alguns partidos políticos manifestaram a sua oposição, enquanto houve outros que se expressaram a favor da legalização da eutanásia e do suicídio assistido, alertando que este só poderá ser feito em estabelecimentos de saúde ou em casa dos doentes.
Também por essa altura, vários movimentos se manifestaram a favor ou contra a eutanásia como o Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida (CNECV). Em 2017, organizou 12 debates públicos sob o patrocínio da Presidência da República, com o título Decidir sobre o final da vida, em várias cidades portuguesas. Também o Movimento Stop Eutanásia e o Movimento Direito a Morrer com Dignidade se manifestaram. O primeiro contra a eutanásia e o segundo a favor da morte assistida.
Atualmente, a eutanásia está no centro de um intenso debate público com diversas considerações tanto de ordem religiosa, como de ordem ética e prática que têm origem em diferentes perspetivas sobre o significado e valor da vida humana.
Fig. 12 – Posters a favor ou contra a Eutanásia
As opiniões dividem-se quanto a este tema. Existem pessoas que estão a favor da eutanásia e há outras que discordam de tal prática.
Quem é a favor da eutanásia admite que esta é o meio de evitar que os doentes que padecem de doenças incuráveis e que estejam em fase terminal ou sem qualidade de vida, sofram dores intoleráveis e que se degradem cada vez mais. Defendem, ainda, que com a eutanásia o doente morre de uma forma digna e, por isso, pouco dolorosa.
Quando o paciente é detentor de uma doença incurável e passa a ser prisioneiro do seu próprio corpo, dependente da satisfação das necessidades mais básicas, o medo de ficar só ou de passar a ser um fardo para os que o rodeiam, levam a que se revolte contra a situação em que se encontra e o leve a pedir o direito a morrer com dignidade.
Para poder escolher, ou não, esta opção, cada pessoa tem de estar consciente para poder decidir por si próprio, uma reflexão para optar por uma morte mais suave e menos dolorosa em vez de terem uma morte lenta e de sofrimento insuportável. A escolha pela morte não pode ser irrefletida e tem de ser contextualizada e pensada de acordo com várias componentes biológicas, familiares, sociais, culturais, económicas e psíquicas, a verdadeira autonomia do indivíduo alheio às influências exteriores à sua vontade.
Os opositores à despenalização da eutanásia apontam várias razões, tanto políticas, sociais e éticas como até religiosas. De ponto de vista legal, o Código Penal atualmente em vigor em Portugal não especifica o crime da eutanásia. Condena qualquer ato que ponha fim a uma vida, podendo o homicídio voluntário, o auxílio ao suicídio ou o homicídio, mesmo que a pedido da vítima ou por compaixão, ser punidos criminalmente.
Sob o ponto de vista da ética médica e de acordo com o juramento de Hipócrates, em que este considera a vida como um dom sagrado, sobre o qual o médico não pode ser juiz da vida ou da morte de alguém, considera a eutanásia um crime. O médico, de forma a cumprir o juramento de Hipócrates, deve assistir qualquer paciente fornecendo-lhe todos os meios necessários à sua subsistência. Para além disso, verifica-se que, muitas vezes, os indivíduos desenganados na medicina tradicional, recorrem às medicinas alternativas e conseguem curar-se.
Numa perspetiva religiosa, a eutanásia é um método com a possibilidade de tirar a vida a um individuo e só Deus tem esse direito. A vida humana é "sagrada” e a dignidade é intrínseca à morte natural.
Depois da reunião do Conselho Permanente da Conferência Episcopal ocorrido já este ano, em Fátima, os bispos apelaram aos profissionais de saúde para não cederem a atos como a eutanásia, o suicídio assistido "ou a supressão da vida", mesmo em casos de doença irreversível.
Manuel Barbosa, secretário da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), afirmou que "a defesa dos cuidados paliativos tem de continuar. Os cuidados paliativos devem ser a opção mais digna para lutar contra a eutanásia".
Pela mesma altura, cerca de 500 profissionais de saúde assinaram uma petição pública pela despenalização da morte assistida, lançada pelo Movimento Cívico Direito a Morrer com Dignidade.
Também o arcebispo de Braga, Jorge Ortiga, considerou que a vida "é inviolável" e os cuidados paliativos "são a única resposta para garantir uma morte digna".
Num texto publicado na revista do Expresso deste mês de fevereiro, o cardeal José Tolentino Mendonça afirmava "não é o primado da vida que tem de estar sujeito às circunstâncias (...) de cada tempo, mas sim as circunstâncias que devem estar ao serviço incondicional do primado da vida. A verdadeira missão que compete à política é o suporte infatigável da vida". “As nossas sociedades têm de se perguntar se já fizeram tudo o que podiam fazer para promover e amparar a vida, sobretudo daqueles que são mais frágeis”.
No dia 20 de fevereiro deste ano, os deputados na Assembleia da República aprovaram a despenalização da eutanásia e a regularização da morte medicamente assistida em Portugal. O debate prossegue para a Comissão Parlamentar. Futuramente, haverá votação final e seguirá depois para o Presidente da República.
No entanto, a eutanásia continua a ser um assunto tabu na nossa sociedade. Apesar de sabermos que não somos eternos, falar sobre o final da vida causa-nos amargura e sofrimento. Com o enorme progresso tecnológico que temos presenciado, da esperança média de vida que duplicou durante o último século, podemos entender que a nossa amortalidade (capacidade de prolongar o tempo de vida) deixou de ser apenas um sonho e está já no nosso horizonte. A ciência dá-nos a entender que são meramente alguns problemas técnicos que separam o homem de alcançar esse desejo, e que a morte não tem apenas caráter religioso, mas também é da responsabilidade de outros profissionais como cientistas e engenheiros.
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Silva, J.N.F.S. (2012). A morte e o morrer entre o deslugar e o lugar. Lisboa: Afrontamento
Lurdes Barata
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