Todos sabemos como é imprescindível que se tenha uma boa saúde mental para que se possa desfrutar de uma adequada qualidade de vida.
Mas, antes de mais, temos de especificar e compreender o que é considerado de normalidade e de anormalidade. Em que medida um indivíduo pode ser considerado como sofrendo de perturbações mentais porque a sua maneira de ser e de agir é “diferente” quando comparada com outra maneira de ser que foi estabelecida pelas sociedades, como dita “normal”, visto que em todo o mundo existem inúmeras diferenças culturais, religiosas, éticas e culturais.
Porque a saúde mental proporciona a realização intelectual e emocional a todos os indivíduos e ao mesmo tempo apoia para que a solidariedade e a justiça social sejam uma realidade nas nossas sociedades, tem-se verificado, ao longo dos anos transatos, que o problema da saúde mental tem sido objeto de encontros, discussões e da publicação de vários relatórios ao mais alto nível tanto da OMS, das associações mundiais de psiquiatria e dos países membros da União Europeia.

Apesar de todos manifestarem a prevalência em favorecer aos indivíduos que sofrem de doenças mentais, de tratamentos eficazes e de alta qualidade, o certo é que, na realidade continuam a ser alvo de descriminação e exclusão social, ao serem desrespeitados nos seus direitos fundamentais e na sua integridade. Para além disso, também no campo económico a saúde mental origina grandes despesas, perda de produtividade e incapacidade precoce.
A psiquiatria, como especialidade médica, é essencial para o diagnóstico e tratamento das perturbações mentais. A formação de profissionais nesta área sejam médicos, enfermeiros psiquiátricos, psicólogos clínicos, técnicos de serviço social, é exigente e complexa e requer tempo e experiência, vocação e dedicação para tratar as pessoas com perturbações mentais, tendo-se verificado ao longo do tempo que, os grandes avanços técnicos nesta área, são sobretudo ao nível dos recursos humanos.

Também no que diz respeito aos exames a serem realizados sobre o estado mental dos indivíduos, divergem de país para país da UE, devido às diferenças culturais, ao nível do desenvolvimento económico, dos sistemas de saúde e das práticas institucionais.
Verificamos ao longo da história da humanidade que são inúmeros os casos relatados de perturbações mentais nas mais variadas perspetivas culturais, tanto na área da medicina, da história, da literatura, da poesia ou até mesmo da escultura, enquanto que os cuidados dedicados às pessoas com transtornos de comportamento foram variando, de acordo com a religião, as crenças ou os costumes nas sociedades em que estavam inseridos.
Na época pré-histórica, tanto a medicina física como a psíquica do homem primitivo, baseava-se sob o ponto de vista de natureza intuitiva e mágica, responsabilizando os deuses, os bruxos, os demónios, pelas doenças que sofria. Estas, eram consideradas como castigo pelos pecados cometidos, só podendo ser aliviadas a partir da intervenção dos sacerdotes e feiticeiros. As pessoas com distúrbios comportamentais, a única forma de os ultrapassar era sujeitarem-se a rituais tribais. No entanto, se não fossem bem-sucedidos, eram abandonados à sua própria sorte.
Nas sociedades sacerdotais, os indivíduos que demonstrassem comportamentos desiguais, eram isolados dos demais, eram considerados como “pessoas possuídas e endemoniadas”, sendo sujeitos a rituais mágicos e a exorcismos.
As antigas sociedades da Grécia e Roma supunham que as crises que estes doentes sofriam vinham de forças sobrenaturais e de demónios. A inexistência de instituições destinadas a estes doentes obrigava a que os que fossem oriundos de famílias abastadas permanecessem em casa, enquanto que os pobres vagueavam pelas ruas à mercê da caridade alheia ou faziam serviços muito rudimentares. Não eram considerados como um problema para a sociedade, mas sim como um problema familiar.
Na antiga Grécia, os sacerdotes e os médicos aconselhavam que os doentes fossem tratados com compaixão, submetendo-os a exercícios físicos, ar fresco, água pura e luz solar. Proporcionavam-lhes ainda caminhadas e cenas teatrais para melhorar o “humor”. Se os pacientes não reagissem ao tratamento eram submetidos à flagelação.
No antigo Egito já se faziam cirurgias ao cérebro e na antiga China existiam alguns conhecimentos de farmacologia e farmacoterapia.
Conforme é referido por alguns autores, a história da psiquiatria iniciou-se com Hipócrates (460 a.C.-370 a.C.), quando este desenvolveu a teoria humoral. Na sua obra Corpus Hippocratuum narrou algumas enfermidades como a melancolia, fobias, demência senil e histeria. Nesta publicação afirmava que estas doenças eram resultantes do desequilíbrio de humores. Hipócrates considerou a epilepsia como uma enfermidade proveniente do cérebro e como a maioria das doenças eram resultantes dos transtornos dos humores.
Hipócrates, atribuiu inteligência ao cérebro e que este era a origem de várias sensações identificadas pelo ser humano, como sejam as alegrias, as tristezas, os risos, as lágrimas ou as dores e ao mesmo tempo, concede-lhe a capacidade de ver, ouvir, contemplar e comparar a beleza do que é feio, o que é bom do que é mau, a faculdade de sentir os medos ou a realização de práticas invulgares. É através do cérebro que o Homem se exprime e fala, do que a sua visão e a sua audição presenciam.
Um dos seus grandes méritos foi atribuir a origem natural das doenças e pôr em causa a conceção sobrenatural das doenças psíquicas.
Foram vários os médicos gregos que, influenciados pelos textos de Platão, estudaram e se destacaram no campo das doenças mentais como:


Asclepíades de Bitínia (124 a.C. ou 129 a.C.-40 a.C.) – supunha que as doenças mentais eram consequência das alterações das paixões;
Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) – considerado o pai da psicologia, fez algumas considerações sobre a inteligência, o juízo, a imaginação e o raciocínio;
Galeno (ca.129-ca.199 ou 217) - referiu que tanto as funções mentais como os transtornos psíquicos tinham origem no cérebro. Fez vários tratados onde descreveu o tratamento para doenças consideradas como crónicas e agudas, como a mania e a melancolia.
Muitas das designações usadas atualmente em psiquiatria como paranóia, esquizofrenia e muitos dos conceitos da psicanálise têm origem nos conhecimentos provenientes da cultura grega.
No Império Romano os pacientes mentais eram considerados irresponsáveis pelos crimes que tinham praticado. Havia templos como o de Saturno onde estes doentes eram cuidados por meio de banhos e música.
Em Espanha, os monges da Ordem da Mercê, influenciados e impressionados pelos cuidados com que os árabes cuidavam dos seus doentes mentais, fundaram em várias cidades como em Valência, em 1409, as “Casas dos Loucos” ou “Casas dos Inocentes”.
À medida que o cristianismo se alastrava e difundia por todo o Império Romano também as doenças psíquicas eram consideradas como revelações da fúria divina.
Por essa altura, a religiosidade sobrepunha-se à observação dos fenómenos estudados. É o caso de Santo Agostinho de Hipona (354-430) que se dedicou à observação da memória e da consciência. No entanto, a sua devoção não lhe permitia que suas observações contrariassem a conceção sobrenatural das doenças psíquicas.

Na Europa durante a Idade Média e até aos finais do séc. XIII, acreditava-se que as doenças mentais estavam relacionadas com a bruxaria e quem delas padecia eram postos à margem da sociedade, ficavam em isolamento ou eram até mesmo mortos. Nessa época, o tratamento efetuado baseava-se em exorcismos para que o corpo se libertasse dos espíritos maléficos. Em 1484 foi publicado o livro Malleus Maleficarum (O Martelo das Bruxas) escrito por dois padres franciscanos onde descreveram como era identificada a feitiçaria, como era realizada a interferência dos demónios nas feiticeiras e como estas deveriam ser julgadas e castigadas.

Nesta época, em que a igreja detinha enorme poder e havia a intenção de erradicar a maioria das enfermidades iniciou-se uma caça às bruxas, isto é, todas as mulheres que apresentavam comportamentos diferentes, eram caçadas e mortas.

Apesar de terem sido os árabes a fundarem o primeiro hospital para doentes mentais, na cidade de Fez no ano de 700, só nos finais do primeiro milénio é que surgiram na Europa os primeiros “asilos” ou hospitais para este tipo de doentes. Os primeiros a serem edificados foram na colônia de Geel, na Bélgica em 850 e o Bethlem Royal Hospital em Londres, em 1247.

No entanto, o propósito destes asilos foi-se degradando. Os doentes mentais, abandonados pelas famílias passaram a ser recolhidos em hospícios e instituições caridosas onde albergavam também delinquentes. As condições eram péssimas, todos os internados eram sujeitos às mesmas normas de vigilância e repressão. Eram submetidos a abstinência alimentar, flagelação corporal e os doentes mais violentos e perigosos eram acorrentados às paredes ou ao chão. Em determinado dia da semana eram colocados em jaulas, como de animais se tratassem, e eram admirados e incitados com varas longas pelo público que gozavam de entrada livre.

Ao longo dos séculos e até aos finais do séc. XVI não houve nenhum desenvolvimento nos que diz respeito ao tratamento dos doentes com doenças mentais, até pelo contrário, houve uma intensificação nas práticas de desrespeito, perseguição e nas condições de sobrevivência.
Os hospitais existentes continuavam a recolher os indivíduos que eram marginalizados da sociedade onde se incluíam os que sofriam de doenças mentais ou loucos, como eram designados naquela época.

Independentemente desta estagnação houve, no entanto, alguns avanços promovidos pelos estudos na área da psicologia efetuados por São Tomás de Aquino.
Paracelso (1493-1541) afirmava que a doença mental era uma perturbação do corpo e este por sua vez estava ligado à alma do sujeito.
Também o médico holandês Johann Weyer (1515-1588), no seu livro “De Praestigiis Daemonum et Incantationibus ac Venificiis” supunha que as doenças mentais não eram sobrenaturais e que as feiticeiras precisavam ser tratadas como doentes psíquicos”
Foram ainda realizados vários estudos por Robert Burton sobre distúrbios mentais e o entendimento de estados depressivos; Thomas Sydenham (1624-1689) debruçou-se sobre a classificação de sintomas de histeria, hipocondria e nervosismo e Johann Langermann pela investigação de motivos psicossomáticos para doenças. O anatomista e neurologista Thomas Willis (1621-1675) para além de estudar a paralisia geral descreveu o estado clinico a que veio a ser chamado de esquizofrenia.
No séc. XVII verificou-se um maior interesse pela interpretação científica das "doenças do espírito". Copérnico, Da Vinci, Galileu, Descartes e Newton revolucionaram as ciências naturais e o pensamento humano.
A loucura foi tomada como tema em várias obras poéticas, temos como ex. Hamlet e o Rei Lear de Shakespeare, O Elogio da Loucura de Erasmo e Dom Quixote de Miguel de Cervantes.

Os doentes continuavam a ser marginalizados. Na França, sob o édito de 1656 publicado por Luís XIV (1643-1715), a fim de minorar a mendicidade, a vagabundagem e instaurar o ordenamento e a disciplina nos espaços públicos, criou-se o Hôpital-Général des Pauvres que viria a ser conhecido por, Hospital Geral de Paris. Constituído por vários edifícios distintos de que faziam parte:
Bicêtre – destinado a pobres do sexo masculino: velhos, crianças, paralíticos, escrofulosos, loucos epiléticos, presos por ordem régia;
e
Salpêtrière – essencialmente disponibilizados a mulheres: crianças, velhas, fracas, cegas, loucas, paralíticas, presas condenadas, prostitutas, grávidas.

Devido às reformas políticas e sociais que ocorreram no final do século XVIII resultantes dos ideais iluministas e da Revolução Francesa, foram estabelecidas novas práticas no que diz respeito aos doentes mentais. Os pobres, velhos e vadios, foram retirados dos asilos permanecendo só os considerados loucos.
A medicina nos finais do século XVIII começou a distinguir e a identificar os comportamentos diferenciados dos doentes através do estudo efetuado por Philippe Pinel, na França, quando este começou a classificar os doentes, desassociando os que sofriam de desvios sociais das outras doenças. Os doentes mentais começaram a usufruir de nova especialidade, a assistência psiquiátrica e de um novo conceito, principiando a serem chamados de “alienados”, sendo agora assistidos no hospital asilar.

Tanto Philippe Pinel assim como o seu discípulo Esquirol (1772-1840) em França como Daniel Tuke em Inglaterra, são considerados os principais inovadores relativamente ao movimento da reforma dos asilos, sendo substituído o caráter de internamento pelo caráter médico. O paciente mental passou a ser sujeito a um controle social e moral ininterrupto, a desfrutar de um ambiente racional, passou a ser vigiado, julgado, responsabilizado, corrigido e reprimido.
Para Pinel eram fundamentais a conexão entre as classificações da instituição, das doenças mentais e a relação entre o profissional de saúde e o paciente o tratamento moral, ou seja, um poder, um saber e um lugar para o seu exercício, o hospital. Considerado como o inovador da ciência alienista procurava observar o decurso dos distúrbios mentais, os sinais e sintomas e onde estes se incidiam no organismo do paciente. Também é apontado como o primeiro formulador da ciência alienista, que consistia em observar o curso natural dos distúrbios mentais, dirigindo a atenção para os sinais e sintomas da loucura procurando onde se incidia no organismo.
No século XVIII foram ainda vários os estudos, investigações efetuadas e obras publicadas sobre enfermidades de ordem psíquica.
Albrecht von Haller debruçou-se sobre a sensibilidade do sistema nervoso, a irritabilidade e as contrações dos músculos. Pierre Cabanis investigou as teorias dos pontos de vista psicológico e somático. Publicou em 1799 o Traité du Physique et du Moral de l´Homme onde explicou de que forma os fenómenos morais se tornam fisiológicos.
No século XIX foram vários os médicos que investigaram várias doenças consideradas mentais, os seus fatores e os meios de regredir tais enfermidades. Procuraram relacionar estas doenças com fatores hereditários degenerativos, as identificações da esquizofrenia investigaram os efeitos das drogas na mudança dos comportamentos e de como alguns distúrbios poderiam ser curados através da hipnose. Deve-se a Freud o desenvolvimento da teoria psicanalítica e o estudo do tratamento da neurose.
No século XX surgiu a tentativa de tratamentos para a esquizofrenia pela utilização da malarioterapia, eletroconvulsoterapia e insulinoterapia.

Com o desenvolvimento da psicofarmacologia verificou-se a partir da primeira metade do século passado, a prática de melhores tratamentos através da conjugação da psicoterapia e de fármacos. Foram vários os medicamentos utilizados para tratamentos psiquiátricos como o lítio, a clorpromazina, o haloperidol, a imipramina, as anfetaminas e o metilfenidato, estes últimos, utilizados já nas duas derradeiras décadas do século.
São conhecidos alguns vultos da história que sofreram de estados depressivos como Saúl, o primeiro rei de Israel, que supunha estar possesso por um espírito maligno. Para aliviar os sintomas pedia a David, seu sucessor, que tocasse harpa.
Os imperadores romanos Calígula e Nero, assim como o bailarino ucraniano Vaslav Nijinsky, padeciam de esquizofrenia.
O rei de França, Carlos VI, chamado de Carlos, o Louco, teve o seu primeiro surto de loucura ao parecer-lhe que tinha ouvido um zunido de lança e que provavelmente o mataria. Perante isso matou cinco dos seus soldados. Também delirava, jogava objetos de fogo e fazia as necessidades fisiológicas nos seus trajes. Acreditava que era feito de vidro e “inseria pequenas hastes de ferro nas suas roupas a fim de prevenir que se partisse em pedaços”. Os médicos submeteram-no a vários tratamentos como drenagens cerebrais, exorcismo e sustos, mas sem resultados.

Também o pintor Van Gogh sofria de crises de instabilidade de humor. Há referência que sofria de “ataques epiléticos” e que seria uma consequência de ingerir bebidas contendo absinto, substância que era utilizada para modificar a atividade cerebral e assim “estimular” atividades artísticas. Presentemente acredita-se que sofria de Transtorno do Humor Bipolar, de acordo com os “estados depressivos, alternados de episódios eufóricos (ou maníacos) que lhe faziam mergulhar num estado de humor de grande energia e paixão”. Van Gogh suicidou-se aos 37 anos de idade.

Na história de Portugal foram vários os casos de figuras reais que não tinham a menor apetência para a política. O maior exemplo foi D. Maria I, mãe de D. João VI. A sua doença certamente foi consequência do seu caráter religioso, da morte do marido e do filho. Tinha visões demoníacas, tinha um medo exagerado de crucifixos, comia só um tipo de prato, e proferia insultos às pessoas que a rodeavam. Apesar de ter sido consultada por um médico inglês que em nada a beneficiou.

Só a partir de meados do século XVIII a psiquiatria (Psyché-Yatros) foi considerada como ciência médica devido aos progressos e estudos efetuados por Pinel.
Com a liberalização e a aquisição dos direitos humanos, o esclarecimento, a divulgação de novas ideias e das liberdades cívicas, deu origem a que os doentes mentais começassem a ser melhor compreendidos e que o tratamento dos profissionais de saúde para com eles fosse de mais proximidade, mais simpatia e compreensão.
Os doentes que, de início, tinham sido isolados à força ou contra vontade em manicómios e asilo, passaram agora para os hospitais primeiramente fechados e mais tarde em regime aberto. Com esta nova modalidade os pacientes já podiam sair para consultas ou até estarem em regime de ambulatório e viverem junto das suas famílias. Os atos de manipulação, de castigos, a que anteriormente estavam sujeitos, eram agora substituídos por uma maior liberdade de espírito apesar das suas perturbações. O louco tinha agora um estatuto de doente.
Foi a muito custo e só passado meio século é que as correntes iluministas e humanistas, que tinham surgido após a Revolução Francesa, e os novos conhecimentos médicos chegaram ao nosso país. Portugal acompanhava muito lentamente o desenvolvimento europeu.
Uma das consequências destes novos ideais, que tomaram toda a Europa no séc. XVIII, ocorreu em Portugal no ano de 1872 aquando da Reforma da Universidade de Coimbra através do Marquês de Pombal, esclarecido por Ribeiro Sanches, e a transformação das Escolas de Cirurgia de Lisboa e do Porto em Escolas Médico-Cirúrgicas.
Sabe-se que desde 1539, no Hospital de Todos os Santos (situado na atual Praça da Figueira, cuja fachada ficava voltada para o Rossio) eram curados “os doentes fora do seu siso”, que deambulavam de enfermaria em enfermaria ou eram enclausurados em masmorras. Depois deste hospital ter ficado bastante danificado através dos incêndios que ocorreram nos anos de 1601 e 1750, foi reconstruído em 1761, tendo sido criada a enfermaria S. João de Deus.

Em 1775, devido ao conhecimento das condições de decadência em que os doentes sobreviviam, estes foram transferidos para as enfermarias S. Teotónio (masculino) e Santa Eufémia (feminino), no Hospital de São José.
No entanto, apesar de todos os esforços a situação vivida no Hospital de São José era verdadeiramente decadente. Para além dos médicos não possuírem conhecimentos acerca das especialidades mais recentes, as dificuldades financeiras e o declínio das instalações levaram a que houvesse uma perfeita degradação desumana nos cuidados e nos tratamentos aos doentes.

Em meados do séc. XIX, de entre os clínicos do Hospital de S. José destacou-se o Dr. Joaquim Bizarro, que demostrando o seu interesse em atenuar as doenças dos alienados publicou a primeira estatística baseada na classificação de Pinel.
A situação em que viviam os alienados era de tal forma humilhante e constrangedora que foram várias as intervenções para que este cenário fosse alterado.
A fim de melhorar as condições dos alienados no nosso país, António de Sampaio e o seu filho Osborne Sampaio, que conheciam os enormes progressos existentes em Inglaterra nesta área, contribuíram com a valiosa quantia de 20 contos de réis para a construção de um novo hospital.
Também o general Saldanha que após a Revolução de Maria da Fonte (revolta popular sucedida na primavera de 1846), impulsionou a rainha D. Maria II para que fundasse um hospício para estes doentes.
Foram realizadas, entre 1840 e 1848, várias reuniões na Sociedade de Ciências Médicas a fim realçar o papel dos médicos na criação de um clima favorável e aceitante aos enfermos como da orientação medica a seguir. Distinguiram-se nestas sessões Bernardino António Gomes, Antonio Maria Ribeiro, Martins Pulido, Guilherme Abranches, Caetano Beirão, Magalhães Coutinho e António Gomes.
Bernardino António Gomes, Filho, (1806-1877), era médico naval desde 1841. Revolucionou as técnicas de anestesia, tendo sido o primeiro médico português a utilizar o clorofórmio e um aparelho de inalação de éter. Foi diretor do Hospital da Marinha e interessou-se muito pelos alienados internados naquela instituição.
Publicou várias obras sobre psiquiatria, onde descreveu as instalações e o funcionamento dos hospitais que tinha visitado nalguns países europeus como Holanda, Bélgica ou Inglaterra e demonstrou a sua preocupação pela saúde e bem-estar dos pacientes referindo que era de todo o interesse a separação dos alienados curáveis dos doentes incuráveis. Criticou ainda a inexistência de asilos próprios para os pacientes mentais e que estes eram tratados nos hospitais que existem nas principais cidades do país. Referiu ainda que os locais destinados aos alienados mais parece um abrigo para feras ou um despejo para resíduos inúteis. As condições degradantes em que os doentes viviam num cubilo escuro, com falta de higiene e degradante.

De início, foi sugerido pelo governo, a utilização do edifício da Luz (onde se instalou mais tarde o Colégio Militar), contudo esta opção foi alvo de discussões, críticas e opiniões.
Numa época em que vigorava o liberalismo (após a extinção das ordens religiosas em Portugal) e em que era habitual aproveitar-se os conventos existentes para funcionarem instituições públicas, foi utilizado o antigo convento de S. Vicente de Paulo para aí funcionar o Hospital de Rilhafoles. Este novo hospital, o primeiro estabelecimento hospitalar a ser fundado, em Portugal, com a única finalidade de albergar e tratar os alienados, abriu a 13 de dezembro de 1848.
Foi Francisco Pulido o seu primeiro diretor que, entre 1850 e 1851, fez um relatório pormenorizado sobre o Hospital de Alienados de Rilhafoles, que ficou conhecido como “asilo de lunáticos”.
Neste trabalho foi referido a existência de 350 camas, quando já existiam 1708 doentes, no entanto sabia-se que este nº era muito mais baixo comparado com o que existia na realidade. Por outro lado, sabia-se que a taxa de pessoas com doenças mentais era mais baixa no interior do país e em pessoas casadas.

Todavia, as dificuldades existentes no Hospital de Rilhafoles eram muitas, apesar de haver vários critérios de internamento. Aos doentes curáveis era-lhes distribuído ocupações, instrução, recreio e sobretudo banhos de mar. Apesar de terem tentado seguir as regras de Pinel e os alienados terem sido tratados com delicadeza, vigilância e asseio o Hospital de Rilhafoles não manteve os progressos alcançados de inicio.



Insatisfeito com os resultados obtidos, Francisco Pulido abandonou a direção, tendo sido substituído por Guilherme Abranches que se opôs logo nos primeiros momentos à sobrelotação e decadência do Hospital. Submetia os doentes a vários tratamentos como sangrias e a balneoterapia. Este procedimento, que teve grande destaque na época, ficou célebre, o balneário de Rilhafoles inaugurado pela D. Maria II.
Assim como em Lisboa também no Porto os recursos para tratar os alienados eram inexistentes. Os pacientes eram entregues no Hospital de Santo António chamado de “Porão”.
O primeiro edifício construído de raiz para essa finalidade foi o Hospital Conde Ferreira, através do legado do benemérito Conde Ferreira e inaugurado, em 1882, pelo professor conimbricense Antonio Maria de Sena.

António Sena considerado o primeiro grande psiquiatra português foi um dos grandes inovadores da assistência psiquiátrica e da doença mental. Tinha grande interesse pela legislação e pela proteção legal dos enfermos. Persistia nos cuidados humanitários, de assistência de higiene, educação do pessoal médico e de enfermagem.
Publicou um profundo estudo sobre a assistência dos alienados numa perspetiva médico-social. Realizou também uma estatística sobre os pacientes mentais existentes.
Foi diretor do Hospital Conde Ferreira entre 1883 e 1890, onde organizou uma autêntica propaganda a favor da assistência e o regulamento de serviços inovador. Em 4 anos foram 102 os doentes curados.
Teve como seu médico-ajudante Magalhães Lemos e como médico-adjunto Júlio de Matos que o sucedeu na direção do Hospital entre 1890 e 1911. Neste ano Júlio de Matos sucedeu a Miguel Bombarda na direção do Hospital de Rilhafoles e o seu adjunto Magalhães Lemos foi nomeado diretor do Hospital do Porto em 1911, exercendo o cargo até 1924.
A partir de 1892 verificou-se um enorme declínio tanto no tratamento aos alienados como na organização do Hospital de Rilhafoles, no entanto iria progredir graças à inigualável personalidade de Miguel Bombarda. De caráter diligente e metódico foi nomeado, ainda nesse ano, diretor do Hospital de Rilhafoles. Logo iniciou uma verdadeira remodelação tanto na organização, na gestão terapêutica e no estudo cientifico da Psiquiatria. Publicou inúmeras e variadas obras assim como diversos relatórios sobre o serviço do Hospital que tão bem conhecia desde o seu tempo de estudante. Aboliu vários procedimentos que existiam no hospital como a utilização das cadeiras fortes ou as prisões ao leito. Miguel Bombarda interessou-se muito pela profilaxia médica pois considerava que na organização hospitalar deveria existir a assistência, o ensino e a investigação.

A partir da última década do seculo XIX verificou-se um enorme progresso na psiquiatria portuguesa graças tanto ao espirito liberal e empreendedor de António Sena, à personalidade dinâmica e disciplinada de Miguel Bombarda e à introdução, a partir de 1911, do ensino da psiquiatria no plano oficial dos estudos médicos.
Anos mais tarde, em 2 de abril de 1942, foi inaugurado o manicómio do Campo Grande, com o nome de Hospital Júlio de Matos, considerado na altura como um dos melhores da Europa.

Antonio Flores, como seu primeiro diretor, de temperamento perspicaz, deu uma nova orientação às atividades hospitalares, tanto no campo clinico como no campo cientifico, originando uma autêntica revolução na psiquiatria, com renovadas atuações assistenciais, terapêuticas, cientificas e pedagógicas. Os pacientes adquiriram novos direitos, mas também mais responsabilidades e obrigações.

Anos mais tarde, o Prof. Egas Moniz (1874-1955), notável médico e cientista destacou-se fundamentalmente nas áreas da Neurologia e da Neurocirurgia, tendo sido o responsável pela invenção da arteriografia ou angiografia cerebral e da leucotomia. Com esta invenção foi-lhe atribuído, em 1949, o Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia, sendo até hoje o único português a receber esta distinção.

Embora Egas Moniz tivesse tratado, possivelmente, de pacientes mentais, a psiquiatria de Egas Moniz era puramente neurológica. Tendo como referências essenciais Ramón Y Cajal e Pavlov, Egas Moniz, considerava que as enfermidades mentais só podiam depender de uma disfunção da comunicação entre neurónios, ou seja uma disfunção das sinapses e que, por isso deviam ser rompidas.
No seu discurso proferido nas Conferências Médicas Literárias, publicado em 1953 citamos, 'concluí que essas sinapses, repetidas em miríadas de células, são a base orgânica do pensamento. A vida psíquica normal depende do bom funcionamento sináptico; e as perturbações mentais provêm do desarranjo das sinapses’.
No site do Prémio Nobel podemos ver: The Nobel prize (1949) to: ANTONIO CAETANO DE ABREU FREIRE EGAS MONIZ for his discovery of the therapeutic value of leucotomy in certain psychoses.
Na altura em que ainda não existiam psicofármacos eficazes para o tratamento de doenças mentais graves, pelo que a leucotomia (intervenção cirúrgica destinada a interromper a comunicação entre duas áreas cerebrais muito importantes para o controlo emocional) foi um avanço terapêutico muito relevante. Egas Moniz foi muito restrito nos casos em que utilizou esta terapêutica que foi, por outros em outros países usada sem critério com consequências muito negativas, mas esse facto não retira mérito à descoberta em si. Atualmente, os psicofármacos vieram destronar, e bem, a psicocirurgia como Egas Moniz a concebeu. Coincidentemente, os psicofármacos têm igualmente como alvo o funcionamento das sinapses, evidentemente com grande vantagem sobre a psicocirurgia por se tratar de uma intervenção reversível, mas o conceito em si - a doença mental resultar da alteração do funcionamento sináptico - foi de Egas Moniz a partir de escassa evidência existente na época.
Podemos, pois, concluir que Egas Moniz retomou o pensamento de Hipócrates, integrando-o à luz de conhecimentos apenas obtidos no século XX - a identificação de neurónios e das sinapses - e inferindo a sua importância para intervir sobre a doença mental. Não foi o único, como em ciência ninguém será único, mas foi o primeiro a demonstrar o valor terapêutico deste conhecimento quando fosse necessária a mitigação das consequências da doença mental em indivíduos cuja alternativa, na época, era frequentemente e apenas o colete de forças.

Deve-se também ao Prof. Barahona Fernandes a enorme contribuição que prestou à Psiquiatria nacional e internacional.
Henrique Barahona Fernandes (1907-1992), que enveredou pelo curso de medicina, possivelmente inspirado pelo Prof. Egas Moniz, é considerado, nesta área, como uma das mais distintas personalidades do século XX, tendo sido perito da Organização Mundial de Saúde, no domínio da Saúde Mental e da Psiquiatria.
Ao longo da sua vida profissional colaborou com vários vultos de renome nacionais e internacionais.
A partir de 1931, um ano após ter terminado a licenciatura em Medicina, foi assistente do Prof. Sobral Cid, no Hospital Miguel Bombarda e mais tarde sob a coordenação do Prof. António Flores participou nos trabalhos preparatórios da fundação do Hospital Júlio de Matos, onde veio a criar o primeiro hospital de dia de psiquiatria, a terapia ocupacional e outras inovações terapêuticas, bem como o movimento de abertura radical da assistência aos doentes com doenças mentais. Destinado principalmente, a estes, cidadãos não especializados nesta área, publicou entre 1944 e 1969, a obra em três volumes “No signo de Hipócrates”.
Participou em diversos trabalhos de investigação de Egas Moniz, onde na sua obra “Egas Moniz, pioneiro de descobrimentos médicos”, publicada em 1983, caraterizou o Mestre, as suas descobertas científicas e descreveu o parecer do Prémio Nobel, quanto à investigação e ao ensino.
A escola alemã teve um contributo primordial para o desenvolvimento dos seus conhecimentos e da sua personalidade quando Barahona Fernandes, estagiou na clinica de Karl Kleist, em Frankfurt, onde contactou com Funfgeld e mais tarde em Munique com Kurt Schneider e Karl Jaspers. No campo da Psiquiatria Barahona-Fernandes desenvolveu as ideias ligadas a três conceitos: “O modelo da Personalidade em Situação”; “O modelo das Psicose Sintomáticas”; e “O grupo das Holodisfrenias”.
Foi ainda Reitor da Universidade de Lisboa (1974-1977), preocupou-se com a democratização da Universidade e graças à sua determinação e lucidez adotou uma posição crucial na criação do curso de Psicologia na Faculdade de Letras, que seria o embrião da futura Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Premiado várias vezes, publicou mais de mil artigos em revistas nacionais e estrangeiras, proporcionando-nos um enorme contributo para o estudo da psicopatologia.
Cativado não só pela medicina, Barahona Fernandes, também se interessou por outros temas como a filosofia, a arte, a literatura, a astronomia e principalmente pela música, deixando-nos uma vasta obra não só cientifica, mas também literária. Como o próprio reconhecia, o seu infindável desejo de conhecimento, autodenominando-se como “...um trabalhador apaixonado pelo saber ...”.
O conteúdo da sua obra científica tem aplicabilidade à luz da psiquiatria clínica e das neurociências atuais, podendo ser utilizado com intuitos pedagógicos no ensino pré e pós-graduado da psiquiatria e da psicologia.
Nota de agradecimento:
Agradecemos à Prof. Doutora Ana Maria Sebastião todo o apoio na análise, revisão e sugestões, para a elaboração do artigo.
Referências bibliográficas:
Castelo Branco, M.L.B. (1960). Um século de psiquiatria em Portugal. Faculdade de Medicina da Univ. de Lisboa.
Jara, J.M. (2007). Contribuição para um livro branco da psiquiatria e da saúde mental em Portugal. Sep. Revista de Psiquiatria do Hospital Júlio de Matos. Lisboa, março 2007, pp. 1-26.
Pichot, P. e Fernandes, B. (1984). Um século de psiquiatria e a psiquiatria em Portugal. Roche. Lisboa.
Historia da psiquiatria no Brasil e no mundo
https://www.cursosaprendiz.com.br/historia-psiquiatria-brasil-mundo/
História da psiquiatria
https://pt.wikipedia.org/wiki/Hist%C3%B3ria_da_psiquiatria
Marques, J.G., Correia, D.T. (2015). Barahona-Fernandes e o seu contributo para a psicopatologia. Psilogos.
Acedido em 05/02/2020, em: https://www.researchgate.net/publication/283939474_Barahona-Fernandes_and_his_Contribute_for_Psychopathology
Lurdes Barata
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