Chegamos ao Refeitório I dos Serviços de Ação Social da Universidade de Lisboa ("Cantina Velha"). Lá fora chove torrencialmente, mas nem por isso os autocarros deixam de recolher ou largar os pequenos passageiros que tiraram parte do dia para assumir novos papéis profissionais.
Lá dentro há um grupo de 20 crianças sentadas à espera, todos com camisolas verde alface, uns têm óculos embaciados, outros o cabelo em pé, mas há neles um ritual de respeito, sem bagunça, antes de entrarem no Serviço. Expansivos e curiosos, são pequenos médicos que se preparam para entrar no hospital, o Hospital dos Pequeninos que acontece pela sua 18ª edição.
Sendo o tema a selva, somos de imediato apresentados na receção à girafa, ao elefante, ao leão, ao tigre e à zebra que nos recebem de sorriso aberto. No teto está a longa cobra a cores, feita pelos estudantes, que realizaram estes trabalhos manuais desde início de outubro até meio de novembro.
O “médico” João faz-nos a visita guiada ao magnífico Hospital que se inunda de pequenos multifacetados, como se vivêssemos num filme da Branca de neve, mas rodeada por mais de sete anões. "Chegam quase sempre tímidos, ficam na sala de espera onde ouvem música e dançam, depois entra uma mascote que é o nosso lápis e que todos querem abraçar". João Pires é o coordenador geral do Hospital dos Pequeninos, estuda no 4º ano de Medicina e é da Associação de Estudantes da Faculdade.


Nós seguimos caminho pelo Hospital, cuja entrada obriga a passar por uma tenda de índio, mesmo à altura dos mais pequenos. Logo ali ao lado há a triagem onde se dá um pequeno babete que identifica a doença do boneco e o nome da criança, que na verdade é o pai ou mãe. É a criança que faz o diagnóstico da doença que irá ser depois tratada em consulta, ou passa para o bloco operatório. Não há boneco que não tenha a sua sina. Se for para o bloco, o pequeno médico tem que passar pela desinfeção e vestir-se a rigor com bata. Lá dentro os monitores cardíacos e as máscaras de anestesia já estão a postos para o pior cenário. Não interrompo o pequeno génio médico que, com a sua roupa azul avalia toda a sala de operações. É altura de silêncio, a cirurgia deve estar prestes a começar.
Aqui, neste hospital onde só se ouve música alegre, não se analisa nada sem todo o método e técnica, por isso há uma área de imagiologia onde se faz a TAC e se vê a estrutura óssea de um animal por dentro. Há ainda a sala das análises onde há máquinas que analisam o sangue e pequenos analistas que erguem os tubos de ensaio para tomar nota das partículas observadas. Vá o bebé boneco para internamento, ou precise ele apenas de ser medicado, não sai sem o serviço completo. Ou passa na consulta que tem a mesa dos alimentos e escolhe as refeições se ficar internado, ou passa pela farmácia para levantar os fármacos. E se o dói-dói for extenso, há sempre um departamento de ligaduras que cura tudo. Mas porque ninguém fica excluído há ainda uma cadeira de dentista onde se explica toda a higiene oral.
A monitorizar estes pequenos doutores de pouco mais de um metro, estão outros doutores, possivelmente vários deles médicos, nos próximos anos.
O objetivo é reduzir o medo que as crianças têm da bata branca. Recriando situações aproximadas à realidade, os estudantes de Medicina da FMUL tentam fazer com que os mais pequenos deixem de ter medo de ir ao hospital ou a uma consulta.
"Muitas vezes as crianças chegam aqui com medo do Dr. e depois são elas próprias que tratam dos seus bonecos". Não menos importante e como refere o João, esta ação também “pretende aproximar os estudantes da área da saúde, a uma faixa etária com quem se tem menos contacto".
Esta iniciativa conta com vários patrocínios que permite que se possa oferecer a cada criança um saco com brinquedos, lápis e outros materiais didáticos, assim como bens alimentares.
Quanto aos materiais médicos são patrocinados pelo próprio Hospital de Santa Maria, ou outros hospitais, mas há muitos adereços feitos pela própria comissão organizadora que é constituída por 27 empenhados "médicos". A ajudá-los nesta brilhante tarefa estão ainda alunos das Faculdades de Farmácia, Medicina Dentária e de Ciências, todas da Universidade de Lisboa.
O projeto "Hospital dos Pequeninos" foi iniciado pela EMSA (European Medical Students' Association), uma organização constituída por várias Associações de Estudantes de Medicina no espaço europeu. Dela já fizeram parte países como a Suécia, Alemanha, Áustria, Croácia e Reino Unido.
Fim de urgência, à saída do Hospital a alegria levita no ar.
Afinal os pequenos médicos saem sempre de coração cheio e com bonecos curados. E deixam estudantes felizes que sentem que cumpriram mais um dia de missão em que se quebraram dezenas de fantasmas.
Para o ano há mais!
Joana Sousa
Equipa Editorial
