A Aula Magna da Faculdade de Medicina acolheu o Encontro Ibero-Americano de Reabilitação Cardíaca Além Fronteiras, nos dias 10 e 11 de abril.
Vários responsáveis pela implementação e desenvolvimento das técnicas de reabilitação vieram falar da sua própria experiência e envolvimento, representando os seus países de origem. Uns com mais anos já percorridos, outros com recentes passos dados, facto é que todos estão ligados à Cardiologia e defendem que ela só é completa se souber usar os diversos mecanismos de prevenção para além dos tratamentos clínicos cardíacos convencionais. A convite da Professora e médica cardiologista Ana Abreu, que nos últimos anos se tem dedicado à sensibilização e formação em Reabilitação Cardiovascular em Portugal e no resto da Europa, vários foram os países que se quiseram reunir, representando assim uma nova era em que antes que as doenças cardiovasculares cheguem e se instalem, pretende-se retardar ou atenuar os estragos na vida dos doentes, muitos destes submetidos a intervenções cirúrgicas ou percutâneas.
Este encontro, recebido e aberto pelo Diretor da Faculdade e também Diretor do Serviço de Cardiologia e do Departamento de Coração e Vasos do Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte, Fausto J. Pinto, lançou para debate várias questões que ao longo de dois dias inteiros foram comparadas através dos relatos dos profissionais.
Mas do que falamos quando falamos em Reabilitação Cardíaca?
A médica Cardiologista, Ana Abreu, que também é a coordenadora do Mestrado em Reabilitação Cardiovascular da FMUL, explica a necessidade de se debater cada vez mais estas matérias do coração. “Hoje em dia não podemos ter só a consulta convencional, em que aconselhamos a não fumar, não beber demasiado, ou não comer gorduras. Já não é assim que nos devemos posicionar. Precisamos da ajuda de equipas novas e muito especializadas, que não são só os médicos, para comunicar adequadamente as novas mensagens. Os médicos sozinhos não conseguem mudar tudo, é impossível. Para se potenciar esta nova abordagem da reabilitação e prevenção, é preciso uma vasta equipa de pessoas de diversas áreas. Deveríamos ter centros com um médico ligado a uma ou mais equipas”.
China, Cuba, Equador, Brasil, França, Argentina, Grécia, Roménia, Itália, Índia, Espanha e Portugal foram os países presentes e nós conseguimos ouvir quase todos.
O que começou como um encontro sul-americano, com Esteban Porrero, Cardiologista Espanhol e fundador da Sociedade Iberoamericana de Prevenção e Reabilitação Cardiovascular, foi crescendo e hoje junta visões e conceitos de todo o mundo. O intuito é o mesmo, apenas mais global, como explica Ana Abreu, “ultrapassar as barreiras à intervenção e prevenção cardíaca, olhando para a telemedicina em geral e telemonitorização em particular como soluções de assistência e tratamento à distância, olhando para os doentes mais idosos e pensando noutro tipo de cuidados domiciliários”.
Organizadora deste encontro, Ana Abreu, acrescenta, “é o nosso state of art, em que cada um de nós já criou uma rede de contactos, com profissionais (médicos, enfermeiros, fisioterapeutas, etç) e pretende criar linhas de investigação e publicações comuns, desenvolvendo formações multidisciplinares entre países, onde ligamos hospitais e universidades num só projeto. Este encontro permitiu-nos discutir e fornecer estratégias uns aos outros para podermos dinamizar e implementar novos métodos no nosso próprio país”.
Sobre o estado da Reabilitação Cardíaca e em que patamar se encontra em cada país foi o que perguntámos a alguns dos médicos palestrantes presentes.
Shumlin Shu – Médico Cardiologista, China
“Há cada vez mais médicos na China, especialmente Cardiologistas e é interessante este recente conceito sobre Reabilitação Cardíaca que pretende fazer alguma prevenção a um nível secundário, muito baseada no exercício físico. Apareceram recentemente na China centros que são só de Reabilitação Cardíaca e em apenas 4 anos criaram-se cerca de 2000 centros, quando até aí existiam apenas 6. Mais de 60% destes centros estão completamente qualificados e certificados. Esta é uma causa chinesa que se espalha por todo o país, desde o maior hospital, ao hospital mais local. Por isso acho que, por todo o lado, vamos sensibilizando o público, através dos hospitais, de conferências médicas, mas também dos profissionais e sempre que há uma possibilidade de ensinarmos as pessoas, mas também os próprios médicos, sobre o que significa a reabilitação, nós vamos fazendo. Os tratamentos de Reabilitação Cardiovascular não são gratuitos e neste momento só são assegurados por quem tem seguros, mas o governo Chinês sabe que para ter saúde não basta só fazer prevenção, tem que se manter essa saúde”.
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Daysi Despaigne – Diabetologista, Cuba
“As doenças cardiovasculares nas mulheres são muito importantes para nós. Temos um sistema de reabilitação que tem mais de 30 anos de existência. Em Cuba os Cardiologistas têm uma especialidade específica em reabilitação. O sistema de reabilitação é igual para todos, existe um centro nacional onde se planifica, investiga e criam as normas que depois se estendem para o resto do país. Todas as províncias do país têm centros de reabilitação, temos 14 províncias e em todas elas os centros funcionam com o Cardiologista e com uma equipa multidisciplinar, onde estão também enfermeiras, algo que nem sempre é habitual. Em números totais podemos dizer que 65% dos doentes que necessitam vão para programas de reabilitação em Cuba”.
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Khawer Naveed Sidiqqui - Médico Cardiologista, India
“Este conceito da Reabilitação Cardiovascular é bastante antigo mas tem vindo a ser mais discutido desde 2017, nas guidelines indianas. Ainda assim faltam muitas coisas e continua a ser um tema recente. Grande maioria da nossa população vive em zonas rurais e continuamos a ter grandes diferenças entre aquelas pessoas que vêm das cidades, com aquelas que pertencem a meios mais rurais. Tem a agravante de na Índia as pessoas terem de pagar elas próprias os seus tratamentos. Uma pessoa que pague o seu bypass já paga muito dinheiro, ter depois de pagar um tratamento de reabilitação e vir regularmente ao hospital, uma vez e mais outra, torna-se difícil porque perde a motivação. Temos a noção que levará muito tempo a mudar o sistema, neste momento temos apenas 10/15 centros de Reabilitação Cardiovascular, o que é triste, mas temos que trabalhar com uma visão global para que que possamos dar mais conhecimento às pessoas. Talvez possamos começar com a Telemedicina, sensibilizando as pessoas à distância e o único custo que tem é a internet porque ela é de acesso fácil para todos”.
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Nelson Campos - Médico Cardiologista, Equador
“Eu sou de Portoviejo, uma província da costa do Equador e a Reabilitação Cardíaca ainda é muito escassa, só começou a ser realizada desde 2015. Nessa altura iniciei um estudo e fazia parte do primeiro centro de reabilitação integral do país. Esse estudo terminou no fim de 2017 e hoje venho aqui apresentar o resumo e os seus resultados. As notícias que trago são boas, de muitas melhorias, dos 170 pacientes que observámos, todos passaram a controlar o seu perfil lipídico mudando por completo os seus hábitos tabágicos. A minha cidade desenvolveu políticas antitabagismo severas, com muitas proibições e atribuições concretas de espaços para fumo e isso ajudou a uma prevenção muito importante. As pessoas observadas neste estudo receberam tratamento através da nossa segurança social. Agora é claro que temos ainda um longo caminho a percorrer”.
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Cláudio Gil Araújo - Médico Cardiologista, há 40 anos e foi o impulsionador dos primeiros passos da Reabilitação Cardiovascular no Brasil, Brasil
"O Brasil é um país gigante e com enorme diversidade, convivemos com a excelência e a pobreza ao mesmo tempo. O mesmo se passa em proporções maiores no que toca à saúde. Tanto pode ter um atendimento de alto nível, igual a um dos melhores do mundo, como há cidades inteiras em que não há sequer um médico e onde estão completamente abandonados e morrem pelos motivos mais fúteis. Só 14 estados têm Reabilitação Cardiovascular, significa que menos de 10% da população teria acesso a tratamentos de prevenção, se precisasse deles. No entanto, só no Rio de Janeiro temos 24 programas de reabilitação, o resto do país todo não tem estes programas. Se falarmos especificamente das medidas cardiovasculares nós somos muito desconfiados sobre o tabagismo, apenas 10% da população adulta é tabagista. E os que têm doenças cardiovasculares não fumam praticamente, o que nos dá uma perspetiva muito positiva. Se marcamos muitos pontos nas medidas antitabaco, já na alimentação não é bem assim. Durante muitos anos o Brasil tinha um padrão de subnutrição e hoje em dia apesar de ainda existir é muito menos evidente, mas também muitos já comem muito errado e sofrem de obesidade, este padrão vem mais da classe desfavorecida. Quanto ao tema da diabetes e do exercício físico encontramo-nos razoavelmente bem posicionados. Mas o exercício físico ainda não chegou à cardiologia clínica, a postura de fazer exercício vai ter de durar para o resto da vida de cada pessoa. Nas minhas apresentações eu costumo dizer que antes da medicação cardiológica, devemos começar pela boa alimentação, fazer exercício, reduzir o stress, ter uma boa atividade sexual e dormir bem. Mas depois, e se for necessário, tomar devidamente os medicamentos. Se tiver se de dar um número final, apenas 1 ou 2 % dos doentes com indicação vão para tratamento de reabilitação. Mas é importante dizer que a reabilitação verdadeira não pode durar 1 ou 2 meses, as pessoas têm de se cuidar a longo prazo”.
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Suceveanu Mihaela Carmen – Médica Cardiologista, Roménia
“Estamos a desenvolver programas de Reabilitação Cardiovascular desde 1960, temos, por isso, já 60 anos de experiência. O meu hospital é um grande exemplo desse desenvolvimento, seguindo em conformidade as guidelines atuais. Nós seguimos um programa específico porque usamos tratamentos não farmacológicos. Defendemos obviamente as mudanças dos estilos de vida e a prática do exercício, mas também defendemos os fatores naturais que nos rodeiam como o uso da água mineral. Mas claro que adicionamos na mesma partes clínicas dos programas da Reabilitação Cardiovascular”.
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Ana Abreu - Médica Cardiologista, Portugal
“Há 5 anos tínhamos só 8% de doentes com enfarte reabilitados. Neste momento aguardamos pelos resultados de um novo inquérito, tendo a expetativa que os resultados tenham aumentado para os 20%. E a explicação deve-se ao aumento de centros de reabilitação e às pessoas que estão mais alerta. Muito em breve teremos um Registo Nacional de Reabilitação Cardíaca na Sociedade Portuguesa de Cardiologia para o qual muito temos trabalhado nos últimos anos”.
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Joana Sousa
Equipa Editorial