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Esteban Garcia Porrero – o Fundador da Sociedade Europeia de Reabilitação Cardíaca veio falar à Aula Magna
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Foi a propósito do encontro Ibero-Americano no mês de abril, que decorreu na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e cujo foco incidia na Reabilitação Cardíaca, que aproveitámos para conversar com um dos principais convidados estrangeiros, Esteban Garcia Porrero. Médico Cardiologista, é o fundador da Sociedade Europeia de Reabilitação Cardíaca, responsável pela Unidade de Reabilitação Cardíaca do Hospital de León (Espanha) desde 1992, integra ainda núcleos de trabalho sobre Reabilitação e Prevenção Cardíaca na Sociedade Europeia de Cardiologia.
Habituado a presidir a congressos e outros eventos Latino-Americanos sobre estas matérias, Esteban Porrero veio até Portugal falar das doenças cardíacas e de como pretende que estas estejam cada vez mais integradas nas rotinas da sociedade, tornam-se em doenças crónicas.
Foi entre debates que conversámos e o desafiámos a explicar-nos que tema é este cada vez mais premente da sociedade médica e que tanto agrada os doentes, mas ainda tão recente.
Qual é a importância de se criar uma Sociedade pensada especificamente na Reabilitação?
Esteban Porrero: Custou muito introduzir dentro da Cardiologia a Reabilitação Cardíaca, demorou anos e nem sempre foi dada uma atenção muito relevante, houve melhorias, aumentaram os centros de reabilitação, mas continua a ser um tema difícil.
Mas por que razão é este um tema ainda tão difícil?
Esteban Porrero: Porque na reabilitação é preciso dar muita atenção ao doente e a cada dia que passa os médicos gostam, cada vez menos, de dedicar atenção aos doentes. Chegámos ao ponto de ter doentes que se queixam que os médicos nem nos olhos os olham, porque durante a consulta estão é a colocar os dados do paciente no computador. Na Reabilitação Cardíaca há que falar muito com os doentes, temos que os deixar falar e ouvir os seus problemas. E é esta estratégia que dá mais trabalho aos Cardiologistas.
E que lhes custa tempo?
Esteban Porrero: Sim. A evolução da Reabilitação Cardíaca e que se fala desde o século passado vai crescendo e melhorando, mas para mim não ao ritmo que devia. Mas há outro problema é que não há Cardiologistas formados em Reabilitação Cardiovascular. Eu fui o Diretor de um Master feito em Espanha e onde se formaram 300 Cardiologistas e a partir daí verificou-se, sim, um aumento dos centros de reabilitação. A questão é que não se pode criar um centro destes se não temos pessoas devidamente formadas para tal. Há que entender muito bem o que é a Reabilitação Cardíaca. O seu nome engana porque não é uma reabilitação verdadeiramente, é uma estratégia de prevenção cardiovascular. E de todas, é a mais eficaz da prevenção cardiovascular. Sabe qual é o nosso maior problema com os doentes que tratamos? Se falamos de doentes que sofreram um enfarte do miocárdio, ao fim de um ano, só 20% faz adequadamente os tratamentos. E isto é o espelho do mundo. Em França sobre o tema deixar de fumar, 70% dos doentes que sofreram de enfarte voltam a fumar e em Espanha cerca de 50% dos que fumavam, voltam a fazê-lo, ou simplesmente nem pararam de fumar. Então há que inventar uma estratégia para a reabilitação atingir melhores resultados na prevenção cardiovascular. Há ainda muitos aspetos por resolver, como por exemplo a educação sexual. Em Espanha não há uma formação nas Universidades sobre este tema. E mesmo nos Colégios é pura informação sobre a reprodução, mas isso não é educação sexual. Em cada idade necessitamos de uma educação sexual diferente. Aquilo que transmitimos a um adolescente, não é o mesmo que se explica a um doente cardíaco e que já tem maturidade. Este aspeto é muito importante para melhorar a qualidade de vida das pessoas, especialmente das mulheres. São todos estes pontos juntos que fazem uma reabilitação integral das pessoas, com grupos multidisciplinares, porque uma pessoa só não consegue saber tudo. Como tal, precisamos de mais profissionais.
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Pensamos que no futuro os doentes vão ter muita importância porque há que dar-lhes opinião dentro da Medicina. Devemos poder contar com eles para tomar as decisões mais acertadas, permitindo que eles próprios decidam e se aconselhem com os especialistas. O ideal é que avaliem como querem que sejam os seus tratamentos e que fiquem mais motivados com os gastos que terão de assumir. E sabe que quando perguntamos aos doentes cardíacos, quando passaram por um programa de reabilitação, qual foi a fase que mais os satisfez, eles dizem todos que foi a parte da reabilitação. Porque é a parte que está mais dirigida a melhorar a qualidade de vida do doente e que pode também trazer-lhe mais esperança de vida. O doente quer que o médico se preocupe com ele e uma das coisas que para os médicos continua a não ser vista com importância e que tem muito peso para o doente, é o tema da sexualidade.
Os médicos Cardiologistas convencionais têm interesse em dedicar-se a estas matérias da Reabilitação?
Esteban Porrero: A maior parte deles não lhes interessa porque não valorizam muito a relação com o doente.
Porquê, é novamente o fator tempo?
Esteban Porrero: É pelo tempo, mas por muitas outras razões. A reabilitação tem custos hospitalares e necessita ela própria de medicação e enfrenta a própria indústria farmacêutica. Não é por acaso que nunca tivemos apoio das farmacêuticas. Mas por outro lado o médico vive do seu salário e com a reabilitação não se tem tanto lucro. Agora veja, se há que dedicar muito tempo ao doente, às vezes, a sensibilidade para a relações humanas não é tão grande pela parte do médico.
Joana Sousa
Equipa Editorial
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