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Alunas da FMUL no Centro Europeu de Astronautas da ESA
Ana Sofia Mota e Marta Viúla Ramos participaram, no passado mês de março, em Colónia no Curso de Formação em Fisiologia Humana Espacial. Uma experiência para a vida que estas alunas do 5º ano jamais esquecerão.
Decorreu na “Academia da Agência Espacial Europeia”, um programa para a educação e formação de estudantes universitários, no Centro Europeu de Astronautas (EAC) em Colónia, na Alemanha, numa colaboração entre o Gabinete de Educação da ESA e a Equipa de Medicina Espacial. Entre muitas candidaturas foram selecionados 50 alunos dos 13 países pertencentes à ESA, do Canadá e da Eslovénia, que de 19 a 22 de março, puderam ver respondidas questões como “O que é realmente viver no espaço?” “O que acontece com o corpo na microgravidade?”
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Durante os quatro dias, 15 peritos da ESA e de vários institutos de investigação de toda a Europa, incluindo várias universidades europeias, partilharam os seus conhecimentos e proporcionaram experiências que, de um modo mais geral, ajudaram os participantes a conhecer mais sobre a vida no espaço e as adaptações fisiológicas associadas. Várias foram as áreas do programa, desde a história do voo espacial humano, em como o ambiente no espaço difere daquele na Terra, incluindo os desafios que isso apresenta, como os sistemas fisiológicos respondem ao estar no espaço e como a pesquisa da fisiologia humana no espaço do espaço humano é realizada tanto no espaço quanto na Terra. Esta foi a terceira edição do curso, com o programa a evoluir a cada ano em resposta a novos desenvolvimentos e ao feedback dos alunos, sendo, por exemplo, a cicatrização no espaço e a adaptação do sistema imunológico temas novos no programa este ano.
A Marta está no 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina e está, atualmente, a desenvolver o seu trabalho final de mestrado. Aceitou o convite feito pelo Professor Óscar Dias para se candidatar ao Curso, que considerou como uma oportunidade única. Uma vez que o seu trabalho está relacionado com esta área, seria, pois, o momento certo para embarcar nesta experiência. Iria estar com os melhores peritos e podia partilhar experiências com outros alunos de medicina e explorar o estudo sobre “O que acontece ao nosso corpo quando estamos no espaço, quais as alterações em todos os sistemas?”
Marta Viúla Ramos: Tendo em conta o tema do meu trabalho final de mestrado, pensei que deveria arriscar. O Professor Óscar Dias sempre nos incentivou a isso, “porque não pensar fora da caixa?”. Se nos interessamos por um tema que não é comum, porquê não trabalhar nele? Foi o Professor que me deu o contacto da Mestre Mafalda Carvalho – que trabalha no Instituto de Fisiologia – que me deu uma abordagem dos vários temas possíveis que poderia explorar na área da fisiologia espacial. Acabei por escolher as alterações que acontecem no osso e no músculo-esquelético em ambiente de microgravidade. Por isso, a oportunidade de assistir a este curso da ESA seria muito importante para tanto mim como para o meu trabalho.
A Ana, também aluna do 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina, teve igualmente conhecimento do curso pelo Professor Óscar Dias, após o exame prático de otorrinolaringologia. Ele abordou a turma apresentando este Curso e as mais-valias em se candidatarem, o que teria de ser decidido rapidamente uma vez que estavam a uma semana do prazo final.
Ana Sofia Mota: Ao princípio ainda hesitei, porque o processo burocrático era ainda longo e demorado. Já fiz Erasmus e sei estes processos são sempre cansativos, mas quando se vai traz-se uma experiência muito rica e gratificante. Desde miúda que a astronomia e a astrofísica me fascinam. Como são áreas que, em Portugal, não têm grande destaque pensei que este curso seria uma excelente oportunidade de conjugar duas das minhas paixões, a medicina e a astrofísica.
O trabalho final de mestrado está ainda a ser pensado, na área da medicina preventiva. Chegou, de Colónia, com mais ideias. Coloca agora a hipótese de desenvolver um estudo sobre as alterações nos Migrantes ao nível do stress. À semelhança do que acontece com os astronautas quando vão para o espaço, alterações fisiológicas e psicológicas são estudadas e analisadas, também os Migrantes ao saírem do seu meio sofrem alterações de nível semelhante.
A preparação da candidatura foi bastante trabalhosa, com uma carta de motivação, uma carta de recomendação, um abstract sobre o tema e a apresentação do currículo com as notas. Ainda a dificultar o processo, as candidaturas decorriam na época dos exames. Para a Marta e para a Ana era uma decisão que tinha que ser tomada com a consciência de que seria o tudo ou o nada. Souberam que tinham sido selecionadas um mês antes da data de partida.
Quando perguntámos quais as mais-valias desta experiência é unânime a resposta.
Ana Sofia Mota: Conhecemos muitas pessoas, muitas realidades e muitas experiências. Embora estejamos em contacto com peritos internacionais da área aeroespacial também conhecemos outros alunos e colegas da área da medicina e da engenharia biomédica com os quais aprendemos muita coisa. Como éramos de diversos países, no trabalho final que apresentámos no último dia, tivemos que debater a forma como colocávamos, por exemplo, a bibliografia, porque cada um de nós fazia de forma diferente. É com estas experiências que conhecemos outras realidades e o mesmo se aplica à nossa área da medicina. Criamos laços importantes! Em Portugal temos bons engenheiros aeroespaciais, temos um curso de Engenharia Aeroespacial fantástico no Instituto Superior Técnico, mas estamos distantes de países como a Alemanha, o Reino Unido ou a Itália, que têm um forte investimento nesta área da medicina aeroespacial. Em Portugal ainda não demos esse salto. Este curso deu-nos a oportunidade de conhecer realidades diferentes das nossas e tivemos uma oportunidade única!
Marta Viúla Ramos: As pessoas que conhecemos eram muito dinâmicas e tinham uma enorme capacidade de comunicação, o que foi uma mais-valia na realização dos trabalhos de grupo.
Os alunos tinham muitas questões sobre a vida no espaço e tiveram uma sessão de perguntas e respostas com um astronauta da ESA, o que foi memorável para as duas alunas da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa (FMUL).
Durante o curso foram divididos em equipas de cinco elementos e cada um recebeu um tema relacionado a voos espaciais tripulados ou em potencial para investigar. No último dia, apresentaram os seus trabalhos a todo o grupo e à equipa de especialistas.
O trabalho da Ana foi sobre a Impressão 3D - A tecnologia de impressão 3D de objetos e substâncias médicas está a ser desenvolvida na Terra. Qual o papel que este tipo de impressão 3D pode ter nas missões de exploração aeroespacial?
O trabalho da Marta foi sobre os animais no espaço. Questões como razões a favor ou contra a coabitação entre humanos e animais no espaço? Os animais devem fazer parte de futuras missões de exploração?
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E outros projetos?
Marta Viúla Ramos: Durante o curso tivemos uma palestra onde esteve presente um responsável da ESA que nos apresentou todos os projetos da Agência a que nos podemos candidatar. Têm muitos projetos, onde nos é permitido testar teses de mestrado ou doutoramento. Nós, mediante o estudo feito, levamos o projeto até a Agência para ser testado lá, em condições de microgravidade. Os projetos estão todos no site Careers at ESA.
Nos próximos dois anos vai ser complicado participar noutro projeto porque este ano estou a fazer o meu trabalho final de mestrado e no próximo ano vou ter de estudar para o exame final de curso. Mas depois de terminá-lo, quem sabe….
Ana Sofia Mota: O que a Marta está a dizer é uma crítica que deve ser feita ao curso de medicina. O nosso curso é bastante longo. Não tem a ver com os Professores. Penso que tenha mais a ver com um sistema de ensino mais tradicionalista, o que não é uma característica exclusivamente portuguesa, mas de toda a bacia do mediterrâneo. Penso que o curso de medicina não nos dá facilmente a oportunidade para investir em atividades no estrangeiro. Por exemplo tirar 6 meses, durante o curso, para ir fazer um estágio fora, acho que é extremamente difícil a todos os níveis: burocrático, para os Professores, para a própria Universidade. É um processo que nos deixa um bocado desmotivados porque pensamos: “tirar 6 meses vai implicar que eu deixe o ano para trás, depois atrasa a especialidade, atrasa tudo”. O curso de medicina é muito seguido, muito encadeado e depois, se criamos uma fratura no meio, tudo o resto acaba por atrasar. Se calhar noutros cursos as pessoas não têm esta pressão.
O meu processo Erasmus foi relativamente tranquilo, mas tenho colegas que não conseguiram. Sentiam muitas incompatibilidades com as cadeiras no estrangeiro. Tivemos colegas que tiveram de adiar o Erasmus para o 5º ano porque não conseguiram fazer no 4º.
Mesmo quando vamos fazer estágios do 6º ano para fora, o processo burocrático consegue ser bastante cansativo porque nos são pedidos muitos documentos, muitas autorizações e depois temos ainda os tempos de espera. Se deixamos passar a altura já não dá, só vai dar no ano a seguir. Isto se estivermos a considerar a União Europeia onde há mais facilidades de intercâmbio, mas se eu quiser ir para os Estados Unidos o processo é ainda mais difícil. É complicado e por isso às vezes as pessoas não arriscam.
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A Ana fez Erasmus onde?
Ana Sofia Mota: Em Milão. No 4º ano. E estou a meio do processo de candidatura para fazer o estágio fora. Realmente, sinto que o processo consegue ser bastante extenuante. Mas também acho que eu e a Marta estamos aqui para mostrar que é possível. Não há que ter medo… e depois pensar “ Vou estar fora, com outras pessoas que não conheço”, mas todos sentem um bocadinho o mesmo. Eu sou uma pessoa introvertida, mas acho que é assim que se vai crescendo.
Marta Viúla Ramos: Para mim, um dos grandes motivos que me fez candidatar foi mesmo a experiência fora e conhecer outras pessoas. Também pela parte social da experiência, não só pela parte teórica. E nós tínhamos colegas de vários países Grécia, Inglaterra, Estónia, Polónia, Itália…
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Todos alunos do ensino superior?
Marta Viúla Ramos: Sim, era um dos requisitos.
Ana Sofia Mota: Também havia colegas de Pós- Doutoramento.
Marta Viúla Ramos: Com idades entre os 18 e os 30. Para além disso, tinham de estar matriculados no presente ano letivo num curso associado à área das ciências humanas.
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Que experiência mais vos marcou neste curso?
Marta Viúla Ramos: Conhecemos o Tim Peake (Timothy Nigel Peake - astronauta britânico da ESA), que se disponibilizou a responder a qualquer questão que quiséssemos. Na sua última missão, ele passou seis meses na Estação Espacial Internacional (ISS). Estivemos uma hora a fazer-lhe todo o tipo de perguntas e ele respondeu a todas as nossas questões. Foi muito simpático e acessível. No final tiramos uma fotografia todos juntos.
Ana Sofia Mota: Uma das perguntas que lhe fizeram foi “Como é que era em termos psicológicos ver a Terra; estar lá e ver a nossa casa de cá”. Eu tive a oportunidade de lhe perguntar “Qual é a coisa mais irritante na vida dentro da Estação Espacial e que pequenas coisas podem ser melhoradas?”
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E o que é que ele vos respondeu?
Ana Sofia Mota: Que não tem palavras para descrever. É um bocadinho um choque. Contou-nos que viveu uma situação complicada em que ele e a equipa - habitualmente de quatro ou cinco elementos - foram fazer a viagem extra veículo, ou seja saíram da estação espacial para resolver uma situação fora e tiveram de esperar 40 minutos encostados à parede da Estação. Não se puderam movimentar e estavam literalmente no espaço. Só quando recebessem as indicações da Terra é que podiam voltar a entrar na estação. O que nos disse foi que nos primeiros 10 minutos foi tudo muito tranquilo mas depois começou a passar o tempo, olhavam para baixo e não viam nada, para cima também não viam nada…
Marta Viúla Ramos: Também perguntámos como é que ele se preparava, a nível dos programas de exercício e se achava que a preparação que fazia cá em terra era ou não suficiente para lidar com as exigências de uma missão espacial. O Tim, respondeu que a preparação pré-missão é realmente muito intensa e exigente, são cerca de dois anos de preparação antes de embarcarem numa missão destas. Realçou ainda a boa relação que existe entre os astronautas e a equipa de solo, e que isto é um trabalho de equipa que só é possível quando existe confiança mútua.
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Se vos fosse dada a possibilidade gostavam de ir numa viagem destas?
Ana Sofia Mota: No meu caso, o Tim Peake não foi o primeiro astronauta que conheci. Quando estive em Milão, ia muitas vezes ao planetário e conheci um astronauta italiano, o primeiro chefe de missão italiano, que me disse que se come muito mal e que não se toma banho. “Limpamo-nos só com toalhetes e o café é terrível”, disse-me ele. Com o Tim era tudo mais positivo. Cada pessoa tem a sua própria experiência pessoal.
Acho que depende muito da preparação. Se tivesse essa oportunidade sim, mas não sei até que ponto é que, agora, tenho realmente a noção do que é que isso implica. Sinto que precisava de saber mais. Gostava de experimentar primeiro o efeito de estar sem gravidade. Porque uma coisa é nós sabermos em teoria o que é, e outra, bastante diferente, é sentir. Precisava estar numa máquina de hiper e de microgravidade e ver o que sinto.
Marta Viúla Ramos: Acho que as condições são muito adversas… não é para qualquer pessoa. São seis meses na ISS, todos os dias com as mesmas rotinas, com as mesmas pessoas, equipas de cinco, seis elementos, confinados e reduzidos ao mesmo espaço. Estão longe da família e de tudo o que é habitual para nós. Não sei se me iria adaptar. Agora, trabalhar cá em terra a prestar assistência aos astronautas quando chegam (uma vez que eles têm de ser logo assistidos. Inicia-se de imediato o processo de recondicionamento, nas primeiras vinte e quatro horas após aterrarem), isso sim, acho interessante!
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A equipa tem nenhum suporte médico?
Marta Viúla Ramos: Não têm nenhum médico a bordo. Antes de partir são-lhes dadas umas noções básicas e o resto é tudo feito por comunicação com o pessoal de terra.
Ana Sofia Mota: E há ainda mais uma questão, a Estação Espacial Internacional não é turismo espacial. Uma coisa é fazer turismo. Quem vai para a estação espacial internacional vai 6 meses para trabalhar. Quem vai lá acima tem uma missão a cumprir. E por isso tem de ser alguém que goste e que queira mesmo fazer aquilo, alguém que reúna as condições físicas e psicológicas e tem de estar mentalizado que vai trabalhar. Acredito que muitas vezes devam ter vontade de desistir.
Gostava só de partilhar uma coisa convosco. Depois do curso, quando fui a casa e estava a contar a experiência à minha família, a minha mãe perguntou-me “porque é que nós queremos ir a Marte, não há lá nada!” e eu respondi-lhe com uma frase que ouvi no curso e que gostei muito, “O Ser Humano é por natureza curioso e está nos nossos genes ser curioso, porque se não o fossemos não teríamos evoluído.” Não teriam acontecido por exemplo os Descobrimentos, e a exploração espacial deve ser encarada dessa forma. Nós não vamos lá para explorar o solo, nem pelos minérios, vamos porque somos curiosos e é isso que nos permite evoluir. Esta foi uma das mensagens que me tocou neste curso.
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Como reagiu a família depois de saber que tinham sido selecionadas?
Marta Viúla Ramos: Ficaram muito entusiasmados e felizes por mim, porque não só me incentivaram durante o processo de candidatura, como sabiam que se fosse selecionada esta seria uma oportunidade única.
Ana Sofia Mota: Ficaram felizes, porque eu só lhes contei depois de ter sido selecionada. O pai é que me apoia mais nestas coisas, mesmo quando fui fazer o Erasmus. A minha mãe é um bocado mãe galinha “Aí, ela agora vai lá para a Alemanha outra vez…”, mas sim, ficaram muito entusiasmados.
Marta Viúla Ramos: Queria ainda fazer um agradecimento especial ao Professor Óscar Dias, porque é um Professor muito competente e empenhado, dá-nos muito apoio e incentivo. Em primeiro lugar, porque foi ele que nos deu a conhecer este projeto e depois, ao longo do processo, foi uma pessoa prestável e incansável. Escreveu-nos as cartas de recomendação, pediu a dispensa de aulas ao Diretor de Curso, procedimentos que ele não tinha obrigação de fazer, mas que ainda assim os fez. Por tudo isto, nós devemos-lhe esta oportunidade.
Ana Sofia Mota: Sim, no caso da Marta, por causa da tese, já estava mais dentro do processo, mas eu era uma aluna que ele não conhecia, pôs-me em contacto com a Prof.ª Mafalda para me ajudar. Foi uma ajuda preciosa. Sem o Professor Óscar isto não tinha acontecido
Marta Viúla Ramos:Um agradecimento também à Mestre Mafalda Carvalho, porque nos ajudou no processo de candidatura, ao fazer a revisão aos nossos textos de aplicação.
Ana Sofia Mota: Para concluir também recebemos um grande apoio por parte da Faculdade, nomeadamente do Prof. Melo Cristino, Presidente do Conselho Científico.
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Os testemunhos da Ana e da Marta servem para incentivar aqueles que, por vezes, têm dúvidas em arriscar. Surgem-nos oportunidades sem que estejamos a contar com elas e devemos agarrá-las porque são únicas na nossa vida!
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Cristina Bastos
Raquel Moreira
Equipa Editorial