Quando se apresentou disse-me que tem a alcunha de ser a “pilha Duracell” - minutos depois não é difícil perceber o que quer dizer com esse auto adjetivo dito num tom bem-disposto. Com dezenas de atividades em paralelo, tem uma força motriz que promete revolucionar hábitos e criar conhecimento para quem sofre de doenças cardíacas. Chegou há pouco tempo à Faculdade de Medicina e já está a implementar um Mestrado que promete ser o primeiro de muitas edições. Pioneiro na Europa, garante dar meios técnicos adequados para reabilitar e prevenir os problemas cardíacos.
Ana Abreu, médica Cardiologista e Professora da Faculdade será a coordenadora do Mestrado de Reabilitação Cardiovascular. “Nós explorámos o que existia nas Universidades da Europa e não vimos nada assim. Encontrámos na Irlanda um curso que se foca na prevenção cardiovascular, mas percebemos que faltava a componente organizada, estruturada da reabilitação, que entra em linha de conta com o treino de exercício”.
O Mestrado foi criado a pensar em todos aqueles que estejam interessados em aprender ou melhorar estratégias e técnicas de reabilitação, mas também para quem se foca em áreas específicas de interesse da prevenção, como o exercício, a nutrição, psicologia, comunicação com o doente, quer na vertente clínica assistencial, quer de investigação. Permite ainda a inscrição de alunos internacionais que terão acesso a aulas em inglês e com uso a meios digitais, como forma de interação disciplinar.
A pertinência desta nova formação é clara: em Portugal continuam a ser as doenças cardiovasculares a primeira causa de morte, ou de má qualidade de vida. Situação preocupante e urgente, a questão é que há muito ainda por construir para evitar esta realidade, principalmente se tivermos em conta que só uma curta franja dos doentes cardíacos é que faz reabilitação após sofrer a doença. No revés da medalha que ilustra o mau cenário, vem a boa notícia que a prevenção e reabilitação estão muito ligadas às novas tecnologias e essas já estão em franco avanço e com programas muito desenvolvidos e em curso, como nos explica Ana Abreu. “Hoje em dia devemos encarar a reabilitação e prevenção com alguma modernidade, isto porque as áreas de comunicação também mudaram. Comunicar com o doente é algo que não tem sido ideal, até porque os médicos não têm muito tempo de qualidade, sempre a correr, com insatisfações até na própria prática clínica. Existem problemas que não são da culpa do doente, mas que impedem os médicos de estarem satisfeitos, sofrendo de burn out muitas vezes. Com esta formação queremos passar mensagens claras: ficar bem com o doente, educar o doente e educar outros profissionais de saúde que não médicos. Educar no sentido de saber informar os doentes, saber para onde os devem encaminhar, saber quais são as estruturas que possam cobrir as necessidades do doente. Precisamos de criar programas de prevenção e de reabilitação. Como é que podemos desenvolver centros de reabilitação e o que é que já está a ser feito nesta área? E até a nível europeu, saber o que foi feito já. Para além disto toda a área científica ligada aos componentes da área da reabilitação e que são a área da nutrição, do exercício, a parte psicológica e psiquiátrica. Depois temos também a Telemedicina que hoje faz parte integrante da prevenção e reabilitação, onde se segue o doente através de sistemas digitais e à distância, com acompanhamento personalizado”.
A acompanhá-la nesta nova formação estão experientes docentes, o Prof. Fausto Pinto (Cardiologia), Prof. Vaz Carneiro (Medicina Preventiva) Profª. Helena Santa Clara (Motricidade Humana), Profª Catarina Sousa Guerreira e Profª Joana Sousa (Nutrição), Profª Sílvia Ouakinin (Psicologia), Profª Manuela Fiuza (Cardiologia), Prof. Rui Ribeiro (Bioestatística), Prof. Miguel Mendes (Prof. convidado pelo seu prestígio na área da reabilitação cardíaca).
O período de aulas decorrerá às 6ªs à tarde e sábados de manhã, com exceção de algumas datas a serem brevemente anunciadas.
A conclusão da formação implica uma tese de dissertação, submetida a júri, ou o desenvolvimento de um projeto/relatório, realizado em centro considerado habilitado para reabilitação cardíaca, também submetido a júri, ambos com classificação e aprovação final, conduzindo ao Grau de Mestre em Reabilitação Cardíaca.
Com a particularidade de ter tão diferentes unidades curriculares, permite-se ainda a inscrição em apenas uma ou mais dessas unidades, ou ainda em seminários específicos de um tema, sem necessidade de fazer todo o módulo. A assistência a módulos ou seminários implica a entrega de certificado de presença. “Imagine uma recém licenciada numa das áreas que nós aceitamos que vai começar agora a trabalhar e não tem tempo de iniciar já um mestrado. Pode-se inscrever só no módulo de exercício, recebendo da Faculdade o conhecimento específico e um comprovativo de presença”.
Destinado a todos os licenciados em Medicina, Ciências do Desporto (Fisiologia do Exercício), Enfermagem, Psicologia ou Ciências e Tecnologia de Saúde (Nutrição, Fisioterapia, Técnicos de cardiopneumologia), o Mestrado abrange ainda outras áreas das Ciências da Saúde (Serviço Social, Engenharia biomédica, entre outros).
Ana Abreu não disfarça alguma expetativa neste arranque, mas olha para o futuro com um olhar bastante positivo. “Claro que o primeiro Mestrado terá um peso muito grande, mas aquilo que é o nosso alvo é dar continuidade, isto é um projeto a prazo”.
Desenhado em setembro do ano passado, este projeto demorou até nascer, “esperávamos uma resposta em abril e a resposta oficial só veio em julho, agora imagine como fizemos tudo em contrarrelógio, mas fez-se tudo”.
Prever o sucesso deste novo Mestrado é previsível se o associarmos à sua coordenadora. Enquanto Cardiologista fez sempre a sua carreira muito próxima à área da reabilitação cardiovascular, também associada à imagem (ecocardiografia e cardiologia nuclear). Foi precisamente na cardiologia nuclear que colocou todo o seu foco inicial. A tese de doutoramento já antevia a importância da relação entre o exercício e a imagem: ecocardiografia e cardiologia nuclear. Esta é uma área de intersecção e quando as pessoas pensam que as áreas não se tocam, estão erradas. Noutros países já se vai despertando para esta reunião de áreas. Hoje em dia não podemos ter só a consulta convencional, em que aconselhamos a não fumar, não beber demasiado, ou não comer gorduras. Já não é assim que nos podemos posicionar, mas precisamos da ajuda de equipas mais novas e muito especializadas, não só de médicos, para comunicar as novas mensagens. Os médicos sozinhos não conseguem mudar tudo, é impossível. Para se potenciar esta nova abordagem da reabilitação e prevenção, é preciso uma vasta equipa de pessoas de diversas áreas. Deveríamos ter centros com um médico e com uma ou mais equipas”.
Outro dado cada vez mais importante: “a reabilitação cardíaca tem cada vez mais de ser feita em casa, mantendo a ligação às equipas, através de telefones e da internet: é a tele-monitorização. Por uma questão financeira e de recursos humanos não podemos suportar todos os doentes nos hospitais e os próprios doentes também não querem passar os dias em hospitais”.
Recente aquisição em Santa Maria e também no Pulido Valente, é também Professora na Faculdade de Medicina. Depois de 31 anos no Hospital de Santa Marta, onde montou o Programa de Reabilitação Cardíaca em 2004, veio por aposta indiscutível de Fausto J. Pinto e com a missão de criar esta formação especializada em prevenção e reabilitação cardíaca, em Santa Maria e na Faculdade.
O ditado que o bom filho à sua casa retorna aplica-se bem, já que estudou na Faculdade de Medicina, onde também cumpriu os dois anos de internato geral. Na altura do internato chegou a trabalhar nos EUA onde se especializou em Cardiologia Nuclear. Sempre pensou que, pelo rumo natural da vida, o seu caminho seguia para Santa Maria, mas foi desafiada a conhecer outros mundos, o Hospital de Santa Marta. “Na altura a cardiologia em Santa Maria estava mais compartimentada, tendo recentemente o Prof. Fausto Pinto reunido esta área clínica.
Santa Marta não era um hospital universitário e o único foco era tratar doentes.
Por convite do Prof Rafael Ferreira, foi convidada para o Hospital Doutor Fernando Fonseca em regime de instalação. Ficou durante um ano e meio. “Tínhamos doentes que não acabavam, era uma população muito doente. Fazia mais urgências como médica internista que como cardiologista, mas era preciso”.
Foi no regresso a Santa Marta e com a bagagem adquirida de outras vivências que percebeu da necessidade de apostar numa área de reabilitação cardíaca e em 2004 “o programa ficou perfeitamente montado, o grupo de trabalho era muito engraçado e unido, médicos, fisiatras, enfermeiros, psicólogos, nutricionistas, todos se davam bem”.
Atualmente, e de regresso a casa, à “sua Faculdade” está prestes a arrancar numa jornada de aprendizagem multidisciplinar. “Eu gosto de trabalhar, de projetos, de desafios, e de sinergias. Gosto de trabalhar com os outros e ouvir, pois só assim as ideias se multiplicam. Achei por isso que este era o local ideal (Faculdade), com o Prof. Fausto a apoiar estes projetos”.
O Mestrado pretende pôr em prática a vertente assistencial que Ana Abreu sempre tanto gostou, somando a isso a formação e a investigação já conhecida da instituição. Tudo parece estar reunido para ser um sucesso.
Ana Abreu olha sempre para o futuro com a vontade constante de projetar, desenvolver e melhorar.
Para já fica a promessa de uma pioneira formação que pode consultar com mais detalhe, aqui.
Joana Sousa
Equipa Editorial