Espaço Ciência
Maria José Diógenes - O prémio para o que a sua perseverança alcança
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Quando se escreve um texto ou se faz uma entrevista sobre alguém, começa-se quase sempre a apresentar o protagonista da história.
Pela primeira vez preciso de começar pelo fim e dizer que quando conhecemos as pessoas, por detrás de um projeto e sabemos quem são e a circunstância que trazem, então, ainda as admiramos e respeitamos muito mais.
A agitação no corredor do Instituto de Farmacologia e Neurociências era grande. Entre duas ou três pessoas fazia-se um compasso de espera, e todas diziam que iam “só tratar de uma coisa rápida com a Mizé”. Sorri e pensei que nada tinha a ver com o assunto, mas rapidamente percebi que a “Mizé” é a Professora Maria José Diógenes, particularmente acarinhada pela sua equipa de investigação e outros colaboradores que passavam. A mesma “Mizé” era a responsável pela angariação de vários contributos, para comprar o presente da Professora Ana Sebastião, que tinha celebrado recentemente o seu 60º aniversário.
Finalmente já sentada e enquanto esperava a Professora, que tratava de dezenas de assuntos e tentava encontrar tempo para a entrevista, reparei que tinha na sua secretária dois troféus, o Prémio atribuído pela Santa Casa da Misericórdia, e uma moldura com as duas filhas, a Lúcia e a Francisca.
A investigadora, é também docente de Farmacologia e Neurociências da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Lembra-se que desde pequenina, quando perguntavam o que queria ser quando fosse grande, dizia que ia ser Cientista. Durante muito tempo a resposta era encarada como uma brincadeira, porque ser Cientista, num país cujas perspetivas de crescimento profissional são escassas, já parecia uma ilusão, mas o facto de ser mulher ainda reforçava mais a ideia que era como desejar ir trabalhar para a lua.
No seu cérebro teve sempre a convicção que era o cérebro dos outros que ia estudar.
Faltava agora escolher o curso certo, ou Medicina, ou Ciências Farmacêuticas. A razão era lógica de explicar, queria ter um curso que lhe desse saídas profissionais reais, se a sua paixão científica falhasse. Talvez porque a vida vá mostrando que nada acontece por acaso, justificação que dá enquanto católica convicta, acabou por não entrar em Medicina por décimas.
Fez as Ciências Farmacêuticas, na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa e mal teve uma oportunidade foi fazer investigação logo no segundo ano de curso, já que era uma das melhores alunas de uma cadeira ligada aos docentes de Neurociências, histologia. Dora Brites foi a primeira Professora a desafiá-la para investigar. A, então, aluna Maria José colaborava agora nas Análises Clínicas da Professora, e por outro lado começava o seu estudo ao cérebro, ajudando em algumas questões de outros estudantes de Doutoramento e que a Professora acompanhava.
O curso foi-lhe permitindo que não perdesse nunca o foco do cérebro e sempre que as cadeiras opcionais o permitiam, mantinha o mesmo norte.
Terminada a primeira etapa com o fim do curso, seguia-se a obrigatoriedade de estagiar, primeiro em farmácia comunitária e depois farmácia hospitalar. Foi na segunda fase que aproveitou ter a liberdade de escolha hospitalar, para seguir para o Hospital Júlio de Matos onde teve contacto com o universo que queria estudar e ter acesso aos medicamentos das patologias do cérebro. Tinha apenas 22 anos.
Porque nem sempre a vida dá no imediato aquilo que se quer, e por inexistência de financiamentos que lhe permitissem começar uma investigação, Maria José Diógenes não quis ficar sem trabalhar e lidando com alguma revolta e insatisfação, assumiu o seu papel de farmacêutica. Mas seria temporário. Ao início até gostou, mas rapidamente a rotina passou a quebrar o leve encanto. Um ano, foi o tempo que precisou para que abrisse a terceira edição do Mestrado de Neurociências, concorreu. E entrou.
Era o Professor Alexandre Ribeiro que dirigia o Mestrado. “Não sei como é que o Professor Alexandre Ribeiro conseguiu perceber que eu gostava tanto, tanto, tanto de Ciência, que começou a avaliar a hipótese de eu poder fazer a tese de Mestrado aqui na Faculdade (Medicina da Universidade de Lisboa)”.
A viver em Setúbal, ainda tentou conciliar a vida de farmacêutica, com o Mestrado, mas acabou por ceder à paixão das Neurociências a tempo inteiro, até porque tinha acabado de ganhar uma bolsa, integrada no projeto do Professor Alexandre Ribeiro. E assim começou a tese.
Seguiu-se uma bolsa de doutoramento, financiada pela FCT (Fundação para a Ciência e a Tecnologia). Sem espanto para quem a ouve, os temas entre teses viriam a convergir para o mesmo tema, seria uma sequência de um trabalho que “começou por tentar perceber a interação da ativação de uns recetores muito específicos, recetores da adenosina, e que conseguiam induzir a ativação de outros recetores muito diferentes, os do fator neutrófico derivado do cérebro, BDNF (Brain-derived neurotrophic factor). O propósito era entender se a interação molecular, anteriormente encontrada, tinha alguma correspondência funcional”.
Este foi o primeiro passo, que durou um ano, tempo que dura o trabalho para uma tese de Mestrado. Seguiu-se o trabalho que viria a refletir a evolução na tese de Doutoramento. Foi a interação entre os dois recetores, A2A da adenosina e TrkB (Tropomyosin receptor kinase B), do BDNF que, no fim de contas, viriam a estar sempre a fervilhar nas dezenas de perguntas que Maria José Diógenes foi colocando no seu caminho científico.
Na vida tem duas linhas distintas e que, curiosamente, são refletidas nos dois troféus que vi em cima da sua secretária e que referi no começo. A carreira e as filhas. Tem um brilho no olhar quando fala da Ciência, mas não tem qualquer hesitação sobre as suas prioridades básicas que o cérebro e o coração lhe impõem. A Lúcia, de doze aos, que nasceu quando fazia o Doutoramento e a Francisca de sete.
Mas regressemos ao protagonista dos estudos de Maria José Diógenes, o BDNF, e cujo foco era a situação fisiológica e não a patologia. Maria José Diógenes percebeu que iria focar-se, não só, na Doença de Alzheimer, como na síndroma de Rett.
A síndroma de Rett é uma doença de desenvolvimento, ainda sem tratamento algum, e que tem disfunções semelhantes com as que se identificaram na Doença de Alzheimer.
Maria José Diógenes recebeu o Prémio Mantero Belard, Prémio das Neurociências, da Santa Casa da Misericórdia, no valor de 200 mil euros no passado ano. Apesar de não haver atualmente cura para a Doença de Alzheimer, a investigadora, com a sua equipa, pretende aprofundar o conhecimento, testar um fármaco inovador e investigar um novo biomarcador.
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Maria José: O BDNF, este fator neurotrófico, é muito importante no contexto de doença, porque há muitas doenças diferentes (neurológicas e psiquiátricas), em que se verifica que existe uma deficiente ação deste fator neurotrófico. A Doença de Alzheimer é um destes casos e, portanto, para mim, fazia mais do que sentido estudar formas de potenciar o BDNF nesta doença. Foi nesta linha de investigação que surgiu o Prémio da Santa Casa. Comecei a estudar as bases biológicas da doença, também para a doença de Rett. E sabe porquê? Porque na base da Síndroma de Rett está a perda da função de BDNF, mas por uma alteração genética que nada tem a ver com o BDNF. Eu que tinha passado todo o meu Doutoramento a estudar formas de potenciar o BDNF, vejo-me, de repente, com outra doença em que existe uma deficiência de BDNF e que nunca ninguém estudara a abordagem que eu estudei. Tudo começou quando em 2014 ganhei um projeto da FCT para iniciar a investigação sobre a síndroma de Rett.
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Há algum tratamento perspetivado para a doença de Rett?
Maria José: Os pilares de investigação para esta doença têm sido recuperar as ações das funções da proteína codificada pelo gene MECP2 (methyl CpG binding protein 2), reverter a perda dos efeitos dos fatores neurotróficos, nomeadamente o BDNF e reestabelecer os sistemas neurotransmissores que estão deficitários. Mas não há ainda nenhuma estratégia terapêutica eficaz. Em que situação estamos agora no nosso laboratório? Quando começámos a planear o projeto, coincidentemente surgiu no laboratório uma médica que estava a fazer o doutoramento nesta área. Assim, juntámos esforços e em conjunto com um estudante de medicina que estava no programa GAPIC começámos os nossos trabalhos de investigação. Atualmente tenho uma estudante de Doutoramento, a Catarina Lourenço que ganhou uma bolsa de doutoramento da FCT e uma estudante de Mestrado, a Jéssica Rosa, a trabalharem neste projeto. No final do ano de 2017 ganhámos um projeto internacional da Associação Francesa de Síndroma de Rett, que nos permitiu dar continuidade a este trabalho. Ainda temos esperança que a FCT possa dar notícias positivas sobre um novo financiamento, mas aguardamos.
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Voltemos ao BDNF que abriu em paralelo outro caminho de investigação. O prémio Neurociência (Santa Casa) que a Professora recebeu foi pelo trabalho que está a desenvolver sobre a Doença de Alzheimer, onde testa um fármaco e um novo biomarcador.
Maria José: O BDNF é uma neurotrofina incluída no grupo de fatores neurotróficos que é muito importante no funcionamento normal do nosso cérebro. O BDNF ativa recetores (TrkB) que por sua vez culminam na ativação de cascatas de transdução do sinal que resultam numa série de ações. Essas ações são basilares para o funcionamento do sistema nervoso, no que toca à proteção da morte neuronal, diferenciação e crescimento neuronais e fenómenos de plasticidade sináptica. Se existir uma desregulação na ação do BDNF, os seus efeitos ficam comprometidos. É o que acontece na Doença de Alzheimer, contudo desconhecíamos os mecanismos subjacentes a esta desregulação. Resultados obtidos pelos estudantes de Doutoramento, André Jerónimo Santos e João Fonseca Gomes permitiram-nos encontrar importantes pistas. Foram estas pistas que culminaram com a elaboração do projeto de investigação que ganhou o prémio Santa Casa Neurociências.
Este projeto tem três pilares fundamentais: 1) aprofundar os conhecimentos sobre a patofisiologia da Doença de Alzheimer; 2) estudar uma nova estratégia farmacológica por nós criada e 3) explorar um novo biomarcador para esta doença neurodegenerativa.
Maria José Diógenes passou há poucos dias pelas Provas de Agregação, patamar último para um dia se poder ser Professor Catedrático, e é perita do Infarmed responsável pela avaliação de medicamentos na área de farmacocinética.
Pela frente tem a missão de tentar responder ao maior número de perguntas sobre a Doença de Alzheimer e Síndroma de Rett e para isso conta com a equipa que orgulhosamente apresenta e diz que sem ela e sem os que já contribuíram no passado o presente não existiria” - Rita Belo (Estudante de Doutoramento); Catarina Lourenço (Estudante de Doutoramento); Jéssica Rosa (Estudante de Mestrado); João Fonseca Gomes (Estudante de Doutoramento); Catarina Beatriz Ferreira (Estudante de Doutoramento); Sara Tanqueiro (Estudante de Doutoramento); Tiago Rodrigues (Médico Interno de especialidade) e Rita Ramalho (Médica).
Inevitavelmente não deixa de referir o grande pilar do Laboratório onde está inserida, Ana Sebastião, “A Professora é fulcral para que o trabalho decorra da melhor forma, não só como Diretora do Instituto de Farmacologia e Neurociências, dando abertura aos mais novos para iniciarem novas linhas de investigação, mas também como investigadora experiente que discute profundamente todos os trabalhos com a sua equipa”.
E porque a sede do saber não se trava no cansaço dos momentos mais duros, já está a explorar outras patologias nomeadamente a Esquizofrenia mas nunca sem perder o foco, tentar repor as ações do BDNF, alteração central a todas estas doenças.
Pessoas próximas dizem-me que a Professora chegará muito longe, para os que acreditam em Deus, como ela, sabe-se que ela conseguirá chegar, exatamente, até onde a sua tremenda perseverança alcança.
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Nota de agradecimento: A equipa editorial agradece à Doutora Rita Aroeira a forma incansável como nos ajudou a reunir informação sobre a Professora, bem como todo o apoio que prestou durante e no final da entrevista.
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Joana Sousa
Equipa Editorial