Espaço Aberto
Cinema e Medicina, rubrica assinada pelo Dr. António Pais Lacerda
A News@FMUL convidou o Dr. António Pais de Lacerda*, como “perito” em filmes relacionados com Medicina, para contribuir com algumas sugestões cinematográficas aos seus leitores. Para além de ter sido o fundador e Presidente do MedCine Film Festival (Cascais, 2009), este Docente da FML elaborou e tem mantido atualizada uma listagem deste tipo de filmes que é fornecida aos alunos no Módulo III-I, logo no 1º ano do Curso de Mestrado Integrado em Medicina.
A News@FMUL agradece, pois, desde já, a sua preciosa colaboração, no âmbito da cultura médica e da 7ª Arte
*Assistente das Disciplinas de Módulo III.I “Medicina Clínica - O Médico, a Pessoa e o Doente” e de Medicina Intensiva da FMUL.
“Num mundo melhor”, de Susanne Bier (Dinamarca, 2010)
“O Homem tem de encontrar para todos os conflitos humanos um método que rejeite a vingança, a agressão, a retaliação. E os fundamentos de tal método só se encontram no amor.”(Martin Luther King, Jr.)
Quando se considera a produção cinematográfica dinamarquesa, é natural pensar nos filmes de Lars von Trier, realizador consagrado em 1996 com “Breaking the waves” e logo depois com “Dancer in the dark” (2000), tendo-se notabilizado previamente com a mini-série de 1994 “Riget” (“O Reino”) passada num grande hospital tipo anos 50, com tecnologia “de ponta”.
Mas o movimento da 7ªArte naquele país (com metade da área geográfica de Portugal e metade da sua população), é de extrema importância cultural, considerando o governo e o Det Dansk Filminstitut que é fundamental que os cidadãos visualizem as suas próprias vidas na tela, entendendo melhor o seu pensar, e podendo discutir os seus problemas e anseios. Nesse sentido é elevado o subsídio governamental ao cinema, e o apoio à Danish Film School acaba por fazer nascer novos realizadores que pretendem manter um cinema não só com interesse de evolução social, como também com intuito educativo em particular para os mais jovens.
Surge, deste modo Susanne Bier, formada por esta escola em 1987, notabilizada em 2004 com “Brødre”, e recentemente realizadora de “Hævnen” (que significa “Vingança”, mas aparecendo noutras línguas como “Num mundo melhor”, 2010), filme escrito por Anders Thomas Jensen. Depois de ter recebido os prémios da Audiência e do Grande Júri, no Rome Film Fest (2010), este filme foi galardoado nos Academy Awards de Los Angeles, com o prémio de “Best Foreign Language Film of the Year” (2011) e, em Itália, com o Golden Gobe como “Miglior Film Europeo”. Susanne Bier recebeu, no mesmo ano, o European Film Award como “Best Director”.
Anton (Mikael Persbrandt) é um médico sueco que divide a sua atividade entre a cidade dinamarquesa onde vive (e perspetiva um divórcio com Marianne, Trine Dyrholm), e um campo africano para refugiados. Em ambos os lados da sua vida surgem situações de conflito que obrigam a escolhas entre a vingança e o perdão.
De facto, o seu filho mais velho, Elias (Markus Rygaard), de 10 anos, vai sendo submetido a bullying, até ser protegido por um colega (Christian, William Jøhnk Nielsen), recém-chegado de Londres revoltado (contra o pai, Claus, Ulrich Thomsen) e ainda não refeito da perda de sua mãe, por cancro. Interessante é a forma de expressão da mágoa profunda de uma criança de 12 anos que a transforma em ressentimento e raiva, conduzindo-o para impulsos de violência. A química estabelecida na relação entre os dois rapazes é forte e muito realista, levando a situações extremadas que, da resignação inicial de um deles, se transformam em vingança de ambos, pondo em risco as suas próprias vidas.
Em África, igualmente, circunstâncias peculiares que acontecem no campo de refugiados (com a necessidade de tratar/salvar os próprios agentes de agressão a vítimas que se encontram no mesmo campo) provocam momentos angustiantes de escolha complexa nos quais a ética profissional comandará as decisões.
O filme vai progressivamente revelando-nos a constante sobreposição de questões do dia-a-dia entre os sentimentos mais íntimos e a resolução de problemas externos (familiares/sociais) que nos envolvem, mantendo uma orientação utópica (?) de justiça e de não-violência. A reflexão (em que somos seguramente envolvidos) desenvolve-se em torno das nossas respostas às agressões. Conseguiremos manter a filosofia de Marco Aurélio de que “a melhor vingança é ser-se diferente de quem praticou o ato de agressão”? Como respondemos a violências domésticas em simultâneo com a vivência de momentos de agressão psicológica no trabalho? Estará a violência tão profundamente enraizada no caráter humano que mesmo o melhor de nós acabará por poder adotá-la (ou tolerá-la)? Ou estaremos capacitados para encontrar uma norma de conduta “mais elevada ” que nos faça ultrapassar instintos irracionais? Será que se pode formatar/viver num mundo melhor?
Pode ser que possamos pensar que o filme nos apresenta aspectos de uma realidade resolvidos finalmente da forma mais tranquilizadora para o espectador (a qual provavelmente não seria a da realidade “deste mundo”). Mas porventura seja essa apenas a intenção de Susanne Bier – não necessitamos de sentir respostas trágicas para pensar. Necessitamos de um filme que levante problemas e que, desse modo simples, (talvez) nos conduza para um mundo melhor.
A News@FMUL agradece, pois, desde já, a sua preciosa colaboração, no âmbito da cultura médica e da 7ª Arte
*Assistente das Disciplinas de Módulo III.I “Medicina Clínica - O Médico, a Pessoa e o Doente” e de Medicina Intensiva da FMUL.
“Num mundo melhor”, de Susanne Bier (Dinamarca, 2010)
“O Homem tem de encontrar para todos os conflitos humanos um método que rejeite a vingança, a agressão, a retaliação. E os fundamentos de tal método só se encontram no amor.”(Martin Luther King, Jr.)
Quando se considera a produção cinematográfica dinamarquesa, é natural pensar nos filmes de Lars von Trier, realizador consagrado em 1996 com “Breaking the waves” e logo depois com “Dancer in the dark” (2000), tendo-se notabilizado previamente com a mini-série de 1994 “Riget” (“O Reino”) passada num grande hospital tipo anos 50, com tecnologia “de ponta”.
Mas o movimento da 7ªArte naquele país (com metade da área geográfica de Portugal e metade da sua população), é de extrema importância cultural, considerando o governo e o Det Dansk Filminstitut que é fundamental que os cidadãos visualizem as suas próprias vidas na tela, entendendo melhor o seu pensar, e podendo discutir os seus problemas e anseios. Nesse sentido é elevado o subsídio governamental ao cinema, e o apoio à Danish Film School acaba por fazer nascer novos realizadores que pretendem manter um cinema não só com interesse de evolução social, como também com intuito educativo em particular para os mais jovens.
Surge, deste modo Susanne Bier, formada por esta escola em 1987, notabilizada em 2004 com “Brødre”, e recentemente realizadora de “Hævnen” (que significa “Vingança”, mas aparecendo noutras línguas como “Num mundo melhor”, 2010), filme escrito por Anders Thomas Jensen. Depois de ter recebido os prémios da Audiência e do Grande Júri, no Rome Film Fest (2010), este filme foi galardoado nos Academy Awards de Los Angeles, com o prémio de “Best Foreign Language Film of the Year” (2011) e, em Itália, com o Golden Gobe como “Miglior Film Europeo”. Susanne Bier recebeu, no mesmo ano, o European Film Award como “Best Director”.
Anton (Mikael Persbrandt) é um médico sueco que divide a sua atividade entre a cidade dinamarquesa onde vive (e perspetiva um divórcio com Marianne, Trine Dyrholm), e um campo africano para refugiados. Em ambos os lados da sua vida surgem situações de conflito que obrigam a escolhas entre a vingança e o perdão.
De facto, o seu filho mais velho, Elias (Markus Rygaard), de 10 anos, vai sendo submetido a bullying, até ser protegido por um colega (Christian, William Jøhnk Nielsen), recém-chegado de Londres revoltado (contra o pai, Claus, Ulrich Thomsen) e ainda não refeito da perda de sua mãe, por cancro. Interessante é a forma de expressão da mágoa profunda de uma criança de 12 anos que a transforma em ressentimento e raiva, conduzindo-o para impulsos de violência. A química estabelecida na relação entre os dois rapazes é forte e muito realista, levando a situações extremadas que, da resignação inicial de um deles, se transformam em vingança de ambos, pondo em risco as suas próprias vidas.
Em África, igualmente, circunstâncias peculiares que acontecem no campo de refugiados (com a necessidade de tratar/salvar os próprios agentes de agressão a vítimas que se encontram no mesmo campo) provocam momentos angustiantes de escolha complexa nos quais a ética profissional comandará as decisões.
O filme vai progressivamente revelando-nos a constante sobreposição de questões do dia-a-dia entre os sentimentos mais íntimos e a resolução de problemas externos (familiares/sociais) que nos envolvem, mantendo uma orientação utópica (?) de justiça e de não-violência. A reflexão (em que somos seguramente envolvidos) desenvolve-se em torno das nossas respostas às agressões. Conseguiremos manter a filosofia de Marco Aurélio de que “a melhor vingança é ser-se diferente de quem praticou o ato de agressão”? Como respondemos a violências domésticas em simultâneo com a vivência de momentos de agressão psicológica no trabalho? Estará a violência tão profundamente enraizada no caráter humano que mesmo o melhor de nós acabará por poder adotá-la (ou tolerá-la)? Ou estaremos capacitados para encontrar uma norma de conduta “mais elevada ” que nos faça ultrapassar instintos irracionais? Será que se pode formatar/viver num mundo melhor?
Pode ser que possamos pensar que o filme nos apresenta aspectos de uma realidade resolvidos finalmente da forma mais tranquilizadora para o espectador (a qual provavelmente não seria a da realidade “deste mundo”). Mas porventura seja essa apenas a intenção de Susanne Bier – não necessitamos de sentir respostas trágicas para pensar. Necessitamos de um filme que levante problemas e que, desse modo simples, (talvez) nos conduza para um mundo melhor.