Decorreu durante os dias 22 e 23 de março, na FMUL, o encontro “Pausa para a Saúde Mental: Uma Reflexão no Ensino Superior”. Uma organização do Gabinete de Apoio ao Estudante (GAE) e do Espaço S, que reuniu vários profissionais da saúde, estudantes e decisores políticos, que durante dois dias partilharam experiências e procuraram encontrar respostas para um problema que parece afetar cada vez mais estudantes. Daniel Sampaio, um dos responsáveis pela criação do Espaço S, referiu que “há um estigma institucional” no tratamento dado à saúde mental e há também, “um desinvestimento. O estigma é tal, que o psiquiatra referiu, em tom de ironia que “não dá mérito aos médicos,” como se a psiquiatria fosse o parente pobre da medicina.
Há cada vez mais casos de ansiedade, ataques de pânico, fobia e perturbações do sono e para dar resposta atempada, é necessário a criação de mais estruturas de apoio, quer no Plano Nacional de Saúde, quer na universidade. Luís Ferreira, Reitor da ULisboa, enfatizou que este assunto nunca foi descurado pelo seu gabinete, sobretudo no período pós pandemia em que o isolamento potenciou o aparecimento de mais casos. Para dar resposta, “foi duplicado o número de psicólogos- no centro clínico, para que pudessem apoiar estudantes e- “porque a pandemia não trouxe só coisas más- salientou que aproximou todos os intervenientes que passaram a “trabalhar em rede com gabinetes de psicologia de várias escolas”. Foi também “realizado um inquérito científico que deu um retrato, e é com ele que estamos a tomar medidas”, para antecipar os problemas de saúde mental.
O Ministro da Saúde, Manuel Pizarro e o Secretário de Estado do Ensino Superior, Pedro Nuno Teixeira, que estiveram no primeiro dia deste encontro, revelaram também preocupações nesta área e a propósito, revelaram a criação de um plano global de intervenção para os problemas da saúde mental no ensino superior para responder “ao agravamento das queixas” por parte dos jovens. Daniel Sampaio que assumiu também a função de Presidente da Comissão Científica do encontro, salientou que tem havido “uma maior atenção” por parte do Ministério da Saúde sobre a saúde mental, lembrando o apoio do Plano de Recuperação e Resiliência que tem tido aplicação neste campo da medicina.
Duarte Graça, Presidente da Associação de Estudantes da FMUL, partilhou um episódio em que, por mero exercício de funcionalidade, ligou para a linha “LAPIS”, linha de apoio psicológico da UL, e esteve mais de 2 horas para que fosse atendido. Este é o retrato do apoio psicológico no Campus. Não há capacidade de respostas para os inúmeros casos que chegam todos os anos. “O sair da zona de conforto, a falta de tempo para a realização de tarefas prazerosas e a exigência do curso” quer no volume das matérias quer na realização de trabalhos e preparação de aulas, aumentam a pressão nos alunos e isso, reflete-se na taxa de abandono no 1ª ano e nos números de patologia associadas à saúde mental nos estudantes do 2º ano.
Tiago Pereira, membro da Direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses traçou um retrato das novas gerações que se movimentam num cenário altamente competitivo, onde não há espaço para a tristeza. “Há uma obrigação permanente de estarmos bem, de termos boas notas para entrar na faculdade, para singrar no mercado de trabalho cada vez mais qualificado, “e o reflexo disso é que “1 em cada 4 adolescentes tem comportamentos lesivos”. Alertou ainda, “a geração futura que vai entrar na faculdade vem com mais problemas de saúde mental,” graças a uma crise socio económica, agravada pela pandemia ou vice-versa. “O desemprego, a inflação, a pandemia” aumentam a instabilidade e “são todos fatores que contribuem para aumentar a probabilidade de patologia mental.” De acordo com a Organização Mundial de Saúde, OMS, é indissociável os vínculos entre saúde mental e saúde pública, direitos humanos e desenvolvimento económico e se olharmos para trás, os últimos anos têm sido férteis em crises que, segundo disse o Secretário-geral das Nações Unidas, ONU, levaram a um retrocesso civilizacional de 30 anos. Tudo isto tem repercussões!
É importante apoiar os alunos que têm dificuldades de adaptação e aqui estão os alunos deslocados, com especial foco para os internacionais. “Atendimento individual é uma prioridade bem como o apoio aos estudantes com necessidades educativas especiais que anteriormente não existiam nas faculdades, mas que são já uma realidade e ninguém fala nisso.” Apostar nas medidas preventivas foi a palavra de ordem deste discurso deixado pelo psicólogo Tiago Pereira.
E a prevenção pode poupar milhões ao erário público.
Os profissionais de saúde não são imunes às doenças e o excesso de horas de trabalho e a falta de horas para descanso e lazer, tem-se refletido em mais casos de burnout.
Joaquim Ferreira, Presidente do Conselho Pedagógico da FMUL, assumiu o controlo da mesa subordinada ao tema “Cuidar de Quem Cuida” e salientou a necessidade de tratar da classe profissional que tem o papel de cuidar da população em geral. Com ele, discutiram este assunto, Nazaré Santos, Médica psiquiatra nos CHULN, Margarida Mota Portuga psicóloga no INEM e Renato Martins do Departamento de Saúde pública da ANEM.
“Cinco por cento da população mundial padece de depressão”, foi com este número que Adilson Marques, PhD, que trabalha na área da promoção da atividade física e saúde, deu início ao seu discurso. Depois de vários especialistas onde o quadro da saúde mental foi pintado a negro, estava na hora de apresentar algumas soluções e Margarida Pedroso Lima, da Universidade de Coimbra e Vasco Lança, estudante de Medicina da FMUL, fizeram parte deste quadro que contribuiu para encontrar algumas “soluções”. “Praticar atividade física é promotor de saúde e benéfico para evitar estados depressivos e menos sintomatologia depressiva”, acrescentou o Professor Adilson Marques, garantindo que “150 a 300 minutos de atividade física moderada”, por semana têm reflexos na saúde assim como “75 a 150 minutos intensidade vigorosa, produzem os mesmos efeitos”. A verdade é que existe uma relação inversa entre a força e sintomatologia depressiva. Poderá então ser esta fórmula uma receita prescrita para combater estados depressivos, fobias, ansiedade? “o exercício físico pode ser tido como tratamento”, mas sempre com supervisão do médico. Margarida Pedroso de Lima apresentou 4 pilares que podem ajudar a mentar uma saúde mental higiénica: dieta alimentar, gestão do stress e expectativas, exercício físico e fitness espiritual que consiste em estar, viver e sentir o presente. Vasco Lança que estuda medicina e é atleta de alta competição foi o exemplo perfeito da gestão de expectativas e controlo do stress. “Sei que se tenho de dividir o pouco tempo que tenho entre e ter de estudar para um exame, não vou ter 100 por cento. As minhas expectativas têm sobretudo de ser realistas.” Outro truque que partilhou co a audiência, “aprendi a separar a minha vida em campos cirúrgicos. Perdi um jogo, ok! em vez de ficar a remoer nisso, vou jantar com amigos e faço questão de me divertir. Não há contágio, porque aprendi a racionalizar problemas.”
Os números são gritantes; “125 milhões de pessoas sofrem de problemas de saúde mental no mundo”, disse Cristina Vaz de Almeida, da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, moderadora da mesa que fez “A conexão entre arte e a saúde” e onde estavam sentados António Raminhos, que deu o seu testemunho pessoal enquanto portador da perturbação obsessiva compulsiva (POC) e explicou como o humor e a escrita o ajudaram a gerir o stress e a ansiedade; estava ainda Carina Freitas, pedopsiquiatra, neurocientista e musicoterapeuta que garantiu a “existência de 900 estudos que garantem evidência científica de que as artes favorecem a saúde a mental” e talvez por essa razão há “vários governos que financiam programas de artes no mundo”, como prevenção.
Há ainda um longo caminho a percorrer, quer na consciencialização da sociedade para os problemas da saúde mental, quer na consciencialização dos jovens para que não haja vergonha de pedir ajuda. É necessário criar mais estruturas de apoio e dotar as que existem de mais meios.
Grande parte dos oradores que participaram no evento “uma pausa para a saúde mental” considerou que há muito a fazer, sobretudo, no que se refere à criação de mais estruturas de apoio e na necessidade de medidas que previnam e antecipem os problemas na comunidade escolar, sejam adotadas.
Daniel Sampaio defendeu também uma melhor articulação entre a Universidade de Lisboa com os serviços de psiquiatria dos hospitais, para dar resposta aos casos mais graves.
No último dia, foi feita uma homenagem ao antigo diretor do serviço de psiquiatria do CHULN e Professor Jubilado da FMUL que contou com a presença de ex-alunos que se cruzaram com ele ao longo da vida académica. Dedicaram o tema “Chuva”, cantado por uma atual médica e antiga estudante, Maria Guilhermina, enquanto descia as escadas do Grande Auditório João Lobo Antunes e pelos elogios rasgados de Francisco Goiana da Silva que disse sobre o Professor; ter sido sempre “alguém que nos inspirou e instigou a começar e partilhou valores humanos, sobretudo na relação com os mais frágeis. Valores esses que não vêm nos livros.”
Nuno Gaibino, Intensivista no Hospital de Santa Maria enalteceu o encontro e a pertinência do assunto embora na vida dele haja pouco tempo para pausas. Como é hábito, vinha de banco e a energia, essa, estava lá. Esta vontade de correr só se explica pelo amor à profissão como ele próprio fez questão de dizer: “sou um apaixonado por tudo o que faço e se pudesse fazer um pedido ao Pai Natal pedia-lhe que o dia tivesse 48 ou 72 horas para poder fazer mais coisas.”
Entre flores, música e algumas lágrimas de comoção pela homenagem a Daniel Sampaio, os dois dias de pausa terminaram, mas o registo das necessidades para o futuro, foram identificadas e anotadas e agora é tempo de as pôr em prática.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial