Abdullah Badmus é um jovem nigeriano que apesar dos 21 anos, já palmilhou muitos quilómetros para prosseguir um sonho de criança: ser médico. “No meu país ser médico é uma profissão importante, de estatuto,” ao mesmo tempo que esclarece que não quer dar consultas, “o que quero fazer é investigação”, diz num tom quase suspirado de quem não tem a certeza se o sonho é atingível. Se querer é poder, é certo que vai vestir a bata de médico, mas a vida dá muitas voltas e ele, foi apanhado no meio de uma guerra que desestruturou toda a vida. “A minha família na Nigéria fez um esforço muito grande para conseguir que eu saísse da Nigéria e fosse estudar medicina para Kiev.” A escolha da Universidade de medicina nesta cidade aconteceu por fatores económicos. “A bolsa que tenho não chega para pagar as propinas na maioria das faculdades no resto do mundo e a minha família não tem dinheiro para essas despesas.” Por todas estas razões todas, quando as bombas começaram a cair em Kiev, na noite de 24, Abdullah saiu da residência universitária e refugiou-se num bunker. Não levou nada com ele, porque, como diz, “não tivemos tempo, mas também porque acreditávamos que iria acabar em breve.
Todos pensávamos que a guerra não ia durar mais do que uns dias.” Esperaram que assim fosse, mas há medida que os dias passavam e em que os ataques só pioravam, perceberam que aquele futuro, tinha terminado. Decidiram ir rumo a Lviv e depois embarcar num comboio rumo à Polónia, como tantos ucranianos fizeram. Abdullah estava integrado num grupo de 10 estudantes africanos e apoiando-se uns nos outros, tentaram encontrar uma porta de saída, que os levasse a algum lado. Nessa altura já estava muito consciente da situação difícil em que se encontrava. Com o 1º ano do curso de medicina concluído, mas sem nada que o atestasse, seria difícil também, apanhar este comboio. Percebi que teria de voltar ao 1º ano e era 1 ano perdido. Mas pior mesmo era escapar aos bombardeamentos e chegar com vida a algum lugar que lhe permitisse começar de novo. A viagem ainda mal tinha começado. Quando conseguiram apanhar um comboio, na estação apinhada de gente, fizeram toda a viagem até à polónia, 7 horas, em pé e quando lá chegaram, foi-lhes recusada a entrada. Abdullah diz que as razões dadas tiveram que ver com questões ligadas à origem do grupo. “Por sermos africanos. Ficámos perplexos e tivemos de voltar para trás.”
Ficaram a dormir em tendas para refugiados, comeram umas bolachas e beberam uma bebida quente e decidiram tentar a Roménia.
Para entrar naquele país tiveram de pagar um montante que ele não tinha. “Contactei muitas pessoas através do Facebook e consegui reunir a quantia necessária.”
À medida que faziam quilómetros, iam perdendo elementos. Um perdeu-se na estação, a outra, uma rapariga, conseguiu ficar a estudar na Roménia. “Pediram dinheiro, para além da bolsa, e a família dela podia suportar as despesas, por isso ela ficou.”
Abdullah tentou a Holanda, mas a faculdade continuava a ser uma miragem. “não quero abdicar deste sonho e não quero desiludir a minha família que fez um esforço muito grande para eu sair da Nigéria.” Explica que a família teve de juntar muito dinheiro, tanto que dava para comprar uma casa na capital. E é por isso que não pode regressar assim, sem nada. A preocupação que tem com a família que não vê desde 2021, é tanta que não partilha com eles os medos que lhe vão na alma. “Não os quero preocupar,” diz.
Com muitas saudades da Nigéria
Está a viver em Portugal e depois de muita luta, muitos contactos feitos junto de faculdades para avançar com os estudos, conseguiu matricular-se na FMUL, mas porque há sempre um preço a pagar, não só perdeu o primeiro ano, como vai perder ainda mais um. “As aulas são dadas em português e temos de aprender português primeiro.” Não quer privilégios e, por isso, pretende seguir todas as aulas no idioma do país. “Há professores que perguntam aos restantes alunos se podem lecionar em inglês, “mas eu não quero isso. Não quero que prejudiquem os outros por minha causa. Tenho de fazer um esforço para aprender.” Fala com um tom tranquilo. Como não o conheci antes, não sei se é abnegação, resiliência ou uma característica da sua personalidade. Está cansado e tem saudades dos seus. Habituado a viver em família, explica que na Nigéria pais e irmãos, 10 ao todo, viviam com tios, tias e mais os primos numa grande casa. Agora sente-se sozinho e embora esteja agradecido de ter escapado à guerra, pergunta-se se valeu a pena. Nessas alturas, recorda-se de um homem que é para ele uma inspiração: Ben Carson. “É um neurocirurgião de origem africana que passou muitas dificuldades para se formar. Hoje é conhecido pelo seu mérito e eu inspiro-me muito nele.” Admite ter “fome de conhecimento” e isso dá-lhe garra para continuar apesar das muitas saudades da família, amigos e do seu país a quem sonha regressar já formado.
Dora Estevens Guerreiro
Equipa Editorial