A primeira escolha que colocou nos acessos ao Ensino Superior foi a Universidade Nova. Não há razão para não o referir. A poucas horas do processo fechar, alguma coisa lhe disse que estar integrada num Campus com um hospital, faria toda a diferença. Foi então que subitamente mudou a escolha do seu destino. Submeteu a candidatura ao Ensino Superior para a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Se começarmos a contar a história assim, dificilmente diríamos que algo falhou no caminho da Catarina.
Menina das sete habilidades, tirou cursos de costura, aprendeu flauta transversal, desenvolveu o gosto pela poesia. É apaixonada pela execução de design.
Nem tudo correu como planeou. Com os pais ligados à área de gestão, e só uma tia como enfermeira, sabia convictamente que seria a Saúde o seu foco de empenho.
Os exames decisivos, os do 12º ano não refletiam a sua vontade de ir para a área de Saúde. Talvez não para Medicina. Hesitou entre Nutrição e a Medicina, mas faltava algo no seu argumento final para se decidir e que não seria só a nota final.
A primeira vez que contactou com aquela que foi a sua casa, foi no Dia do Candidato, estava ainda a Catarina no 11º ano. Conheceu o Hospital de Santa Maria e recorda o seu agora amigo Marco Tomaz, mentor que a recebeu e que termina o 6º ano do Mestrado Integrado em Medicina. Daquilo que absorveu e viu, a Catarina acabou por ficar curiosa com o curso de Nutrição. Como a ideia continuava a borbulhar e porque tinha mais um ano ainda para decidir foi, na altura já no 12º ano, ao Dia Aberto da Universidade Nova. Dessa visita faltou-lhe claramente o impacto do Hospital e nesse vazio veio nova resposta. Candidatou-se a Nutrição em primeiro lugar, nas duas Faculdades de Medicina de Lisboa, só depois referiria Biologia e só em 4º lugar Farmácia. "E foi mesmo onde eu fiquei!", conta-me sempre com um sorriso e estala as mãos em ênfase do que acabara de me contar e que ninguém esperaria ouvir diante de tal entusiasmo. Tantos planos e entrara naquele que não planeara acontecer, Farmácia.
Não correu tudo sempre bem. A própria assim o explica e insiste ao longo da nossa conversa, "tudo se passou como um acaso que depois nada foi acaso". Curioso exercício este de quem falha o primeiro objetivo e o conta de forma gloriosa. Generoso esse gesto de expor o que correu menos bem e de nada a deixar melindrada. Verdadeira exposição de crescimento.
Como uma prova que só termina como alguém se dá por vencido, a Catarina decidiu ir à segunda ronda. Desafiava-se assim na 2º fase de candidaturas. Os resultados seriam mais desafiantes, se por um lado tinha uma nota final mais elevada, proporcionalmente as vagas nacionais também reduziam, passando apenas a duas. Foi precisamente esse o momento que hoje lhe dá o título a este texto. A Catarina seria uma das duas selecionadas para a 2ª fase, com entrada direta na Faculdade de Medicina, em Ciências da Nutrição.
Passaram quatro anos e hoje vejo a Catarina a terminar a Licenciatura e com um tubo às costas onde transporta um póster que foi apresentar a Viena, sozinha, a um dos maiores congressos da sua área.
A esta distância da sua experiência, compreende que os aparentes enganos não o são vistos como tal. Hoje tudo lhe faz sentido ter acontecido precisamente da forma como foi.
Destaca a empatia criada num grupo que se reduziu a 18 finalistas. Mas fala igualmente sobre os professores, espelho de heróis em quem "projetávamos aquilo que quereríamos vir a ser".
Defensora transparente do árduo trabalho desenvolvido pelo Presidente do Conselho Pedagógico, o Prof. Joaquim Ferreira, Catarina fez parte do grupo dos discentes que votaram em uníssono contra algumas decisões do CP. Acredita que falar a uma só voz é trabalho de equipa e não atitude pouco madura, mas isso não invalida admirar as pessoas individualmente.
"O Nutricionista faz diferença"
Sabia à partida que a parte clínica era condição inerente à sua escolha académica, igualmente as dinâmicas de trabalho de equipa. "O Nutricionista faz diferença", diz-me com uma vida no olhar que me faz acreditar que vê tudo com toque de magia. Não é da boca para fora dizer algo assim, equilibrar os nutrientes certos a alguém que está doente é condição urgente.
Sempre aclamou o conceito de estudar num campus inserido dentro de um hospital, algo que a pandemia não lhe trouxe vantagem nessa interação.
O primeiro contacto em hospital e a perceção do que é ser Nutricionista, absorveu com Inês Asseiceira, com quem esteve na Neonatologia. Passou depois pelos Cuidados Intensivos com Ana Brito Costa onde conheceu doentes cuja continuidade de vida não estava ameaçada. Sempre com emoções controladas e sede de contactar com o mundo real, terminou a sua ronda de estágios no IPO, convicta que gostar da profissão e cuidar do doente, pede por vezes que aceite a partida como alívio de uma dor sem cura.
Comunicava com os doentes do IPO por gestos, uma vez que aqueles com quem contactava tinham cancros na cabeça e pescoço. Basta conhecê-la um pouco apenas para saber que não dispensa o toque, é-lhe característica notada pelos mais velhos e contudo gostaria de não prescindir do gesto.
Definir a Catarina é dizer que é uma cuidadora da parte alimentar, querendo descobrir, em especial dentro da área dos Cuidados Intensivos, abordagens ainda não muito estudadas sobre as formas de alimentação que possam ter maior cuidado nutricional e estimando as necessidades calóricas das pessoas doentes. "O cuidado não pode estar limitado, temos de ter ferramentas para saber que nutrientes dar", explica-me alguém que gosta do desafio de ter doentes novos todos os dias, podendo assim explorar uma área de descoberta e aprendizagem.
O GAPIC e a Investigação
Recorda-se que no Dia Aberto se falou de Investigação. Foi em dezembro, acabada de chegar à Faculdade (pela 2ª fase em outubro) que assistia a mais um Dia da Investigação. Conheceu Ana Espada de Sousa, na altura a coordenadora, que a incentivou a fazer investigação. Desafiante nos caminhos que quer traçar, Catarina abria assim nova porta, fazendo com que se mudassem os regulamentos para que os alunos de Nutrição pudessem também submeter candidaturas. Assim aconteceu. No 2º ano de licenciatura a Nutrição já se poderia candidatar às Bolsas GAPIC. No fim do 2º ano a Catarina pedia ajuda à sua coordenadora de LCN - Catarina Sousa Guerreiro - para seguir um caminho de investigação. O desafio não podia ser mais aliciante, "escolhe aquilo que gostarias de abordar e eu ajudo-te". Seria na Fundação Champalimaud, através de Marta Carriço que seguiria o seu primeiro caminho das descobertas. Aí sedimentou o seu forte interesse pela área da Oncologia. Com um programa já a decorrer desde 2016 na Fundação, sobre o risco de desenvolver cancro – Oncorisco - ajudou a analisar dados e a organizá-los de forma a perceber se os participantes (saudáveis) teriam propensão para ter cancro e inflamação. "Antes de ir para a Fundação estudei como poderia eu avaliar a inflamação, pois era preciso objetivar, por exemplo através de uma pontuação, o que era considerado ou não inflamação. Encontrei vários estudos que referiam o Infla Score e que observavam assim a população". Foi com um novo universo de pessoas que aplicou o mesmo score, das mil pessoas já seguidas, 100 tinham análises clinicas que permitiam estudar o impacto do estilo de vida (composição corporal, exercício físico, dieta, tabaco e álcool) e a inflamação sérica, considerada chave no desenvolvimento de cancro.
Esse estudo viria assim a confirmar que sim. Havia expressão. " A adoção de um estilo de vida menos saudável parece contribuir para um estado inflamatório inicial, evidenciado nas análises clinicas, e que tem vindo a ser relacionado com o desenvolvimento de cancro. Como tal, a avaliação do estilo de vida é fundamental numa estratégia preventiva de cancro”.
Baseada na literatura existente e corelacionando com as suas próprias pesquisas, a Catarina percebeu que o sedentarismo, maus hábitos alimentares e consumo de substancias tóxicas como o álcool e tabaco, pode ser estatisticamente significativo, havendo um padrão característico de maus resultados.
Foram precisamente estes dados, expressos através de um poster, que a Catarina levou para Viena, numa comparticipação orgulhosa do GAPIC.
O acontecimento merece que se conte melhor a história.
A viagem sozinha até Viena com um poster às costas
Todos os anos acontece um encontro de Nutrição da entidade que emite as guidelines seguidas pelos Nutricionistas, a European Society for Clinical Nutrition and Metabolism. Em abril Catarina arriscava tudo, submetendo o seu abstract, com breve resumo para a organização do Congresso. O seu resumo captou atenções e Catarina era assim chamada para ir apresentar o póster no Congresso, partilhando palco com outros autores.
Partiu dia 1 de setembro. Sozinha e sem rede. Regressou feliz e orgulhosa dia 9. Conta-me que aproveitou para se apresentar aos outros pares e criar nova networking. Uma das pioneiras da Licenciatura de Ciências da Nutrição e com diploma de mérito como melhor aluna do seu ano de Nutrição, havia quem por ela parasse ao ver o símbolo da Faculdade de Medicina de Lisboa. O primeiro impacto não lhe foi fácil de assimilar, expansiva e sempre na companhia de alguém, via-se sozinha e cuidadora exclusiva de si própria. Não falhou o papel, abriu-se ao mundo e representou o seu próprio país, sem cerimónias perante a sua curiosidade. Não é por acaso que me diz que fica pior se não tentar, do que tentar e correr mal.
Talvez ser a irmã mais velha de dois irmãos, irmãos gémeos, explique a rapidez com que decide caminhos e age para os trilhar. Cuidadora. É o que é por excelência. Vive apenas com a mãe, é filha de pais separados. Habituou-se sempre a ter os dois por perto, até que o pai teve de deixar Lisboa e abraçar novo desafio profissional a norte. Das semanas divididas com cada um, afastar-se do pai fisicamente, logo num período que antecedia a pandemia e que lhe feriu as rotinas. Feriu a de todos, por certo. Talvez tenha perturbado os sucessos habituais das notas da Catarina, como a própria diz, como um "mal" que parece anunciar uma falha, veio um presente transformado em oportunidade, conhecer a Nutrição como o caminho de vida.
Da escolha da Faculdade recebeu outro presente que lhe ficará além do campus, alguém que descreve com um olhar a brilhar e que a inspira a uma erudita poesia que optou por não expor.
Sempre que pisa os corredores pergunta a si própria com alguma nostalgia se será a última vez que entrará na Faculdade. Gostava de ser Professora em Nutrição, conta-me. Nesse percurso mais da academia pondera seriamente fazer um Doutoramento. Quem sabe não seja mais um promissor caminho que tem para percorrer. Uma coisa é certa, em dezembro regressará para apresentar o seu poster aos novos alunos GAPIC que a vão conhecer.
Para já segue-se o estágio à Ordem dos Nutricionistas.
Quando lhe pergunto se está ansiosa por respostas certas no que toca ao próximo patamar, diz-me com graça que, apesar de saber que temos de lutar pelas metas, "aquelas duas vagas guardadas, recordam sempre que algo certo surge, na altura exata, é só preciso ir trabalhando para isso".