Considera que uma sociedade se torna mais rica por incluir e reconhecer pessoas de diferentes origens culturais, linguísticas e religiosas?
Gosta de estar e/ou trabalhar com pessoas com diferentes perspetivas, visões, práticas?
Procura saber mais sobre uma cultura ou religião diferente da sua, seja por exemplo lendo, viajando…?
Reconhece situações em que possa ter feito um comentário ou ter tido uma atitude ou comportamento baseado num estereótipo ou preconceito sobre determinada pessoa / grupo?
Costuma demonstrar aceitação de valores, crenças ou formas de agir de outras pessoas, mesmo que lhe pareçam estranhas, tentando colocar-se no lugar delas?
Se respondeu tendencialmente “sim” às questões anteriores, está a dar importantes passos para continuar a desenvolver as suas competências interculturais.
A competência intercultural é um elemento-chave na construção de uma sociedade democrática e socialmente coesa. É uma das competências altamente valorizadas no mercado de trabalho, sobretudo em profissionais de saúde, de modo a que sejam capazes de reconhecer as suas próprias normais culturais, compreender a forma única do paciente ver / pensar / sentir determinados assuntos e, com base neste conhecimento, ajustar comportamentos e práticas que maximizem os cuidados prestados.
A interculturalidade implica, por isso, compreender a natureza pluralista da nossa sociedade e do mundo, e a riqueza das relações entre diferentes culturas. Implica perceber que noções de tempo, sistemas de valores, crenças, comunicação verbal e não verbal, a forma como lidamos com a morte, entre tantos outros aspetos, podem ser distintos entre culturas. Ao conhecer esta pluralidade, mais facilmente será possível ultrapassar os desafios que possam surgir nas interações com pessoas percecionadas como culturalmente diferente de nós.
Muitos dos desafios encontrados numa situação intercultural, alicerçam-se em estereótipos e preconceitos, que nos impedem de olhar a pessoa para além da categoria / rótulo criado para a mesma, levando-nos a fazer generalizações ou a desconsiderar informação que venha contrariar a ideia inicialmente tida.
Facto é, todos nós, em algum momento das nossas vidas, criamos estereótipos ou desenvolvemos preconceitos relativamente a determinados grupos.
Um dos grandes perigos dos estereótipos e dos preconceitos são os comportamentos discriminatórios, que podem daí advir. Insultar, agredir ignorar, impedir o acesso, desfavorecer, ou outro qualquer tipo de tratamento desigual por motivos de cor da pele, origem étnica ou cultural, nacionalidade ou religião, são comportamentos discriminatórios e podem ser considerados crime ou contraordenações (Caetano, 2021).
Como promover esta competência chave?
A competência intercultural não é inata, desenvolvendo-se ao longo da vida. Precisa, por isso, ser ensinada e praticada.
Passos importantes a dar [1]:
- Apostar no autoconhecimento – ter consciência dos nossos próprios valores, atitudes, conhecimentos e comportamentos ao nos confrontarmos com uma pessoa, percecionada como culturalmente diferente de nós.
- Reconhecer e valorizar as diversidades culturais e perceber que a cultura tem um impacto na identidade, nos comportamentos e nas atitudes dos indivíduos e dos grupos.
- Conhecer especificidades culturais sobre diferentes culturas (por ex.: viajar para zonas culturalmente diversas, aprender uma língua estrangeira, interagir com membros de outras culturas, pesquisar sobre aspetos históricos, artísticos, gastronómicos de um país ou localidade)
- Desconstruir estereótipos e preconceitos
- Preconceitos e estereótipos todos temos
- Perguntar a si próprio "Que estereótipos e preconceitos tenho?". Este reconhecimento não é fácil, mas essencial na relação.
- Cuidado com expressões como "Todos são"
- Prestar atenção à linguagem que usamos (ex.: expressões, anedotas ou generalizações). Evitar expressões como "os africanos são...", "os refugiados querem todos..."
- "Muito mais é o que nos une!"
- Evitar uma postura “nós” vs “eles”. Centrar-se nas semelhanças pode ajudar a potenciar a relação.
- Desenredar-se de ideias pré-concebidas
- Verificar factos, usando diferentes fontes de informação para aprender sobre as perspetivas de diversos grupos-alvo nas suas próprias vozes.
- Ser um “detetive cultural”
- Não assumir algo sobre uma pessoa. Abrir espaço para o diálogo, perguntar, procurar saber mais e conhecer as histórias de vida e as razões por detrás dos comportamentos / ideias / opiniões…
- Preconceitos e estereótipos todos temos
- Praticar 6 atitudes e comportamentos no dia a dia:
- Intencionalidade - querer descobrir o outro / encontrar pontos de encontro;
- Empatia - reconhecer a individualidade e a identidade de cada pessoa;
- Descentramento – mostrar curiosidade, abertura para compreender, e capacidade de tomar perspetiva da outra pessoa;
- Tolerância à ambiguidade – face à diferença (de opiniões / comportamentos / …) mostrar tolerância para que se possa ser capaz de lidar com a diferença de forma construtiva.
- Humildade cultural – assumir que não sabemos tudo sobre os outros e estar aberto para aprender;
- Ação – Dizer “não” à discriminação é a nossa responsabilidade. Importa, por isso, refletir sobre estas questões e criar procedimentos para prevenir e lidar com situações de discriminação.
[1] Caetano (2021)
Uma nota final…
Foi a pensar na urgência destas reflexões, e na necessidade de criar espaços de diálogo formal e informal sobre estas questões, que decorreu a 4 de abril, o workshop “Interculturalidade: Onde está?”, integrado no ciclo de workshops “Em prol do bem-estar psicológico: ser agente de mudança”, e que teve a dinamização de Henda Vieira-Lopes, psicólogo que, ao longo dos últimos 20 anos, tem trabalhado em torno de temas como a Multiculturalidade, Racismo, Masculinidade, Negritude e Espiritualidade.
É com as palavras de Henda Vieira-Lopes (2022) que terminamos esta rubrica:
“Para a promoção da sensibilidade intercultural, é importante que procuremos ativamente ter uma atitude de permanente autocrítica e abertura ao diálogo cultural. Perceber que não há manuais, nem linhas certas, o que há é uma postura de abertura, diálogo e curiosidade com respeito. As soluções não são minhas, mas nossas, pois sem o outro não podemos construir em conjunto” (Henda Vieira-Lopes, 2022)
O que a FMUL anda a fazer neste âmbito?
Foi constituída uma equipa técnica para os Assuntos da Igualdade Género, Inclusão e Não Discriminação (Despacho 20-2022, 28 de março de 2022)
Quer pensar mais sobre o impacto da discriminação?
Espreite o Vídeo "Acontece todos os dias". 10 relatos sobre discriminação em Portugal
Para saber mais sobre o tema…
Curso e-learning gratuito “Competências para a Interculturalidade” promovido pelo INA - Instituto Nacional de Administração através da Plataforma NAU (Caetano, 2021)
Contributo científico OPP - planos de acção da estratégia nacional para a igualdade e a não discriminação 2018-2030 – portugal + igual
Website Comissão para a Igualdade e Contra a Discriminação Racial (CICDR) [conteúdos vários e registo de denúncias]
Outras referências
Anand, R. (2004). Cultural Competency in Healthcare: A Guide for Trainers. National MultiCultural Institute.
Hirji, Faiza & Karim, Karim. (2009). Race, Ethnicity, and Intercultural Communication. Canadian Journal of Communication, 34 (4), 543-546.
Miranda, M. & Vieira-Lopes, H. (2021) Terapia Familiar com Famílias Culturalmente diversas. In M. Pereira, & M. P. Miranda (Ed.). Manual de Terapia Familiar (pp 127-138). Pactor
Mikeladze, Madona. (2016). Intercultural communication and ethnic identity issues. In International academic conference: Guidelines in academic research and teaching of ethnology and anthropology
Carla Vale Lucas
Gabinete de Apoio Psicológico