Nos anos 20 do século passado verificaram-se profundas alterações sociais, económicas e culturais, sobretudo nos EUA e na Europa, como consequência de vários acontecimentos ocorridos na década anterior, levando-nos a crer que após a pandemia do Covid-19 (que ainda está presente), iremos viver “os loucos anos 20” do século XXI, mas desta vez a nível mundial.
No início do século XX, após ter terminado a I Guerra Mundial (1914-1918) que se manifestou de forma avassaladora (resultante de um vasto desenvolvimento do armamento devido aos avanços tecnológicos onde pereceram cerca de 9 milhões de soldados) e da Gripe da Pneumónica (1917-1918) que vitimou mais de 50 milhões de pessoas, foram determinantes para que na década de 20 do século passado se verificasse uma enorme modificação nas sociedades americana e europeia, onde as populações procuravam esquecer o sofrimento e as perdas, tencionavam de forma eufórica viver a vida, a ânsia de socialização, por vezes excessiva, daí a designação utilizada de “loucos anos 20” ou de “frenéticos anos 20”.
Atualmente, apesar de não estarmos a assistir a qualquer guerra bélica, estamos a testemunhar há cerca de ano e meio, uma outra forma de guerra, a Pandemia do Covid-19, que se alastrou por todo o mundo, causando até à data cerca de 3,46 milhões de vitimas mortais e um enorme retrocesso em vários aspetos, principalmente a nível económico e social, situações que ainda hoje se verificam apesar de estarmos numa fase avançada de vacinação, a qual nos irá possibilitar mais rapidamente o acesso a uma vida normal.
A partir do início dos anos 20 do século passado, os Estados Unidos da América tornaram-se numa das maiores potências a nível mundial com um desenvolvimento económico sem precedentes e nada voltaria a ser igual. No entanto, no final dessa década o progresso anteriormente conseguido sofreu uma acentuada queda depois de se ter verificado uma quebra na Bolsa de Valores de Nova Iorque, que levou a um novo ciclo de escassez.
Os conhecidos “loucos anos 20” caraterizaram-se por um período fascinante e exuberante devido ao enorme progresso tanto ao nível social, económico, cultural, científico e nas artes.
Pela primeira vez as famílias tiveram a oportunidade de adquirirem e usufruírem intimamente de novas invenções como o telefone, o automóvel ou o rádio.
Surgiu uma nova cultura, houve um maior número de pessoas a saber ler e escrever. O livro tornou-se mais popular, apareceram novos géneros literários, os livros de aventuras, o romance policial, o romance “cor de rosa”, a banda desenhada com os personagens Tintin e Mickey. Foram publicados novas jornais e revistas, onde eram discutidos os mais variados temas como entrevistas, contos ou conselhos práticos.
Nessa época apareceram as grandes cadeias da rádio como a NBC e BBC. Surgiram as grandes produtoras cinematográficas e o filme sonoro. Nesta área afirmavam-se Clara Bow e Charles Chaplin, e apareceu o primeiro personagem animado, o Gato Félix.
Surgiu o jazz como novo estilo de música, sendo os Blues um dos ritmos mais conhecidos. O Tango, Foxtrot, Charleston e o Swing, eram os novos estilos de dança e na arquitetura evidenciava e popularizava-se a Art Déco. Ainda no sector da arte apareceram vários movimentos como o dadaísmo com Marcel Duchamp e o surrealismo de Salvador Dali.
Houve um grande impulsionamento no desporto, principalmente no futebol e no boxe, tendo surgido novas modalidades como os rallis de automóveis e as corridas de cavalos.
No plano científico houve enormes descobertas tanto na astronomia, na física, a teoria da relatividade de Einstein, a psicanalise de Freud e na medicina com a descoberta da penicilina de Fleming.
A classe média aliada ao desenvolvimento dos meios de transportes e da publicidade, criaram novos gostos, novas modas, novos hábitos e prazeres como o de realizar viagens lúdicas que favoreceram o incremento de outras infraestruturas e serviços como as agências de viagens, guias turísticos e postais ilustrados.
Socialmente, houve uma maior emancipação da mulher retratada através da aquisição do direito ao divórcio, ao voto e a ocupar postos de trabalho que anteriormente eram exclusivamente masculinos.
A mulher começou a pensar e a agir de modo diferente, criando novos hábitos. Começou a fumar, a frequentar bares, cabarés e a dançar nesses locais até de madrugada. Abandonou o vestuário comprido e o espartilho, começou a usar roupas mais flexíveis, vestidos curtos e decotados, a usar maquilhagem que sobressaísse a tez branca e o corte de cabelo à la garçonne.
Coco Chanel, estilista e empresária francesa, trouxe uma lufada de ar fresco à moda feminina (saias e vestidos mais curtos, calças largas) dando a possibilidade de se moverem com maior graciosidade. Em 1926 criou o imortal vestido preto como símbolo de elegância.
Em 1920 realizou-se em Genebra, a primeira Assembleia Geral da Liga das Nações, antecessora da Organização das Nações Unidas com o objetivo de encontrar estratégias para proteger os povos das heranças (como a fome, o sofrimento, a miséria) deixadas pela I Grande Guerra e assegurar a paz.
Nesta década surgiram as primeiras preocupações, que ainda hoje estão na ordem do dia, passados já cerca de cem anos, como as alterações climáticas e a crise de refugiados.
Acerca desta época, F. Scott Fitzgerald (1896-1940) no seu ensaio “Echoes of the Jazz Age” publicado em 1922, afirmou “Foi uma era de milagres, uma era de arte, uma era de excesso e uma era de sátira”.
Ao contrário do que aconteceu noutros países que imitavam tudo o que era sucesso em Paris, Portugal como país conservador e tradicional que era, quaisquer alterações tinham sempre menor impacto apesar de se ter adaptado a esta nova forma de viver, muito à sua maneira.
Perante uma nova realidade houve a necessidade de se criarem novos espaços de diversão, de ver espetáculos, de beber, dançar e jogar. Para além das novas músicas também se ouvia o fado, as sevilhanas, a valsa, música de origem cigana onde eram ainda incluídas bailarinas, números de magia, ventriloquismo e até striptease.
Em Portugal, existiam vários locais de divertimento (na maioria das vezes interditos à mulher) como cabarés e bares, onde eram consumidos champanhe e cocaína, ao som de Jazz.
Foram vários os acontecimentos que ocorreram nesta década que levaram a novos estilos de vida e a novos status sociais, numa altura em que a esperança média de vida para o sexo masculino era de 36 anos e de 40 para o sexo feminino; os casamentos diminuíram e os divórcios aumentaram; eram poucas as mulheres que frequentavam as universidades; iniciou-se com alguma regularidade a aviação comercial; Alves dos Reis ficou conhecido como o maior falsificador de todos os tempos, conseguindo enganar até mesmo o Banco de Portugal; apesar de o número de automóveis ter quase quadruplicado, o nosso país atingiu a maior taxa de inflação de sempre e, nessa altura, o único meio de a combater foi imprimir dinheiro de forma descontrolada, à revelia dos governos e do Parlamento; o general Norton de Matos assumiu o cargo de Alto Comissário da República em Angola; o livro 'Nome de Guerra' de Almada Negreiros, foi um marco na literatura portuguesa; em 1920 nasceu Amália Rodrigues, a fadista portuguesa mais conceituada; Margarida Bastos Ferreira, com 20 anos de idade, foi a primeira a adquirir o prémio de miss Portugal, tendo representado o país em maio de 1927, no concurso de Miss Universo em Galveston no Texas.
No final da década 20 realizou-se a primeira Volta a Portugal em Bicicleta e com a realização dos Jogos Olímpicos de 1928, o futebol adquiriu um status sem ímpar perante os outros desportos.
Atualmente, face à crise pandémica do Covid-19 que tem afetado a todos de uma forma global, é comum questionarmos o que acontecerá, qual será o comportamento dos indivíduos e como será a recuperação tanto social como económica pós-pandemia, questões estas que estão a suscitar vários estudos.
A Epson, o maior fabricante mundial de projetores utilizados para “criar ambientes experimentais envolventes e interativos para eventos”, solicitou um estudo a nível europeu, de acordo com um psicólogo reconhecido e especialista no impacto das pandemias no comportamento social, tendo revelado que ”quando as medidas de confinamento foram levantadas haverá uma forte recuperação no setor de eventos”, “os europeus vão entrar numa vaga de entusiasmo pós-pandemia de eventos organizados, como festivais, concertos, entretenimento ao vivo e atrações turísticas” e que a “procura por eventos será ainda mais forte após a pandemia do que antes do início das restrições”. Este estudo revela ainda que a grande maioria das pessoas estão desejosas de retomar as suas vidas sociais que tinham antes da pandemia, pretendem participar em mais eventos logo que o confinamento seja levantado porque a “vida é curta”, procurando “recuperar o tempo perdido”, salientando que são “bons para a alma” e que trazem felicidade.
Num inquérito realizado pelo Professor Steven Taylor (um psicólogo que estudou o impacto das pandemias no comportamento social humano) a 2500 consumidores europeus, concluiu-se “que a esmagadora maioria das pessoas estão ansiosas por retomar as suas vidas sociais pré-pandémicas, o que inclui participar em eventos ao vivo”, pelo fato “das pessoas serem resilientes e que a maioria irá recuperar para os seus níveis de socialização pré-pandemia, independentemente de como se estão a sentir neste momento” e que “As pessoas vão querer sair e socializar e esta mudança vai acontecer rapidamente.”
Também, o Vice-presidente de Sistemas de Projeção Profissionais na Epson Europa, Neil Colquhoun, acrescentou: “A indústria dos eventos precisa de se preparar para um aumento sem precedentes da procura assim que o confinamento terminar. É provável que a recuperação seja ainda mais forte do que as pessoas imaginam.”
Para o epidemiologista e sociólogo Nicholas A. Christakis, diretor do Human Nature Lab da Universidade de Yale nos EUA, crê que a partir de 2024 deverão “iniciar-se os “loucos anos 20 do século XXI”, ainda que o caminho de recuperação seja longo”. Para este especialista que compara a pandemia a um tsunami, indica-nos que só no final de 2021 ou no início de 2022 se atinja a imunidade de grupo quer seja pela vacinação quer seja por infeção natural e que só para o fim de 2023 seja possível alguma recuperação tanta ao nível social, económico e psicológico.
Este especialista defende que só em 2024 é que se iniciará “os loucos anos 20 deste século”, onde as pessoas por terem estado confinadas durante muito tempo “vão procurar incansavelmente interações sociais em clubes noturnos, restaurantes, bares, eventos desportivos, desfiles políticos, concertos..., podemos esperar alguma libertinagem sexual e gastar dinheiro”.
Nicholas A. Christakis acredita que só a longo prazo a vida voltará ao normal, mas que certas mudanças irão ocorrer na nossa maneira de viver como por exemplo “Trabalhar de casa vai continuar para muitas pessoas – as empresas vão constatar que fica mais barato, haverá funcionários que não vão querer perder tempo em transportes. As reuniões vão ser mais virtuais; a indústria das viagens de negócio e da hospitalidade vai mudar; coisas como entregas por drone vão tornar-se mais populares; vacinas com tecnologia ARNm terão um papel maior na medicina”.
Também a consultora britânica Oxford Economics num estudo que realizou recentemente defende que os consumidores europeus estão "ansiosos por começar a gastar depois da reabertura da economia, nomeadamente em lojas e restaurantes”. Após mais de um ano de confinamento onde o consumo sofreu uma enorme queda como consequência dos reduzidos gastos familiares, este estudo sugere ainda que após o desconfinamento as famílias estão dispostas a retomar os gastos sem quaisquer restrições.
Bibliografia consultada:
Um estudo europeu prevê uns novos “loucos anos 20” no pós‑pandemia. Disponível em : https://www.epson.pt/insights/article/um-estudo-europeu-preve-uns-novos-loucos-anos-20-no-pos-pandemia [Acedido em 20-05-2021]
Loucos anos 20”. Disponível em: https://pt.slideshare.net/jorgediapositivos/loucos-anos-20-1372506 [Acedido em 11-05-2021]
Os Loucos Anos 20: 100 Anos Depois. Disponível em: https://www.natgeo.pt/historia/2020/01/os-loucos-anos-20-100-anos-depois [Acedido em 11-05-2021]
A pandemia e os novos loucos anos 20: onda de consumismo e muito mais, é o que se espera. Disponível em: https://www.idealista.pt/news/financas/economia/2021/04/21/47041-pos-pandemia-trara-os-novos-loucos-anos-20. [Acedido em 11-05-2021]
Lurdes Barata
Área de Biblioteca e Informação
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