No dia 8 de março comemorou-se uma vez mais o Dia Internacional da Mulher, quando há mais de seiscentos anos, as mulheres deram início a manifestações contra a submissão a que estavam sujeitas ao longo de séculos pelos seus parceiros masculinos e a lutarem pelos seus direitos enquanto seres humanos inseridos na sociedade.
A mulher foi desde sempre alvo de distinção, muitas das vezes subordinada pelo homem, de acordo com as várias culturas e sociedades, que muitas vezes se caraterizou por machista.
Julga-se que nas sociedades primitivas, consideradas de matrilineares (a descendência era definida pela linhagem materna), as mulheres eram consideradas seres superiores pelo facto de terem a capacidade gestacional, uma vez que o ato sexual não era conhecido como fator responsável pela reprodução. As tarefas eram distribuídas de acordo com a força física e a responsabilidade sobre as crianças era atribuída ao coletivo.
Quando o homem deixou de ser coletor e descobriu a agricultura, a domesticação de animais e o pastoreio, os vínculos familiares e sociais alteraram-se. Nessa época o homem entendeu que o nascimento dos filhos não dependia só da mulher, mas sim do casal. Empenhou-se em juntar animais e propriedades, de forma a deixar herança aos seus filhos.
Estudos e vestígios recentes levam a crer que a mulher tinha uma função ativa na caça, no transporte dos animais para fins alimentares e colaboravam no corte dos mesmos.
No decorrer dos séculos, a imagem da mulher era sinónimo de serva, enquanto que ser homem significava ser livre. As funções predominantes da mulher eram a reprodução, o cuidar do lar e a educação dos filhos.
A família no antigo Egito, caracterizava-se por uma organização patriarcal. Dependendo da sua classe social, a mulher podia participar na religião e na política. Nesta sociedade, tanto homens como mulheres chefiaram o povo egípcio, e a existência de divindades de ambos os sexos tinham as mesmas qualidades e poderes.
Na Grécia, onde nasceu a democracia, as mulheres não tinham direito à cidadania. Tinham ao seu cuidado a preservação do lar, o cuidado dos filhos e dos mais fracos, como os de mais idade, doentes e incapacitados. Era-lhes atribuído um lugar na residência, o gineceu, onde estas permaneciam com as crianças e os criados, só podiam circular nas outras divisões da casa para realizarem arrumações e limpezas. As crianças do sexo masculino eram retiradas às mães a partir dos sete anos, para treino militar em Esparta. Estava vedado às mulheres várias atividades como as artes, a filosofia ou a política.
Também no Império Romano estava institucionalizado o páter-famílias. As mulheres, filhos e escravos, estavam sob o poder absoluto do homem. As mulheres não tinham direito à propriedade, nem acesso à participação na política ou à vida pública.
Na época medieval as mulheres eram tratadas de modo submisso só pelo simples fato da sua condição de serem mulheres, exceto em caso de viuvez em que tinham o direito à propriedade, tendo a possibilidade de assumir a chefia da família. A sua existência resumia-se ao trabalho, ao sofrimento, à morte, ao controlo e aos castigos recebidos.
O filósofo grego Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) referia que a submissão da mulher ao homem resultava da superioridade da autoridade masculina perante os desejos do casal. A mulher devia cumprir o papel de mãe na educação dos filhos. Dominadas pelo homem, as mulheres não poderiam alcançar as suas ambições, nem escolher o seu relacionamento com os outros.
Na Idade Média surgiram na Europa e na América perseguições contra as mulheres conhecidas como “caça às bruxas”. Muitas mulheres por terem-se revoltado contra o que era “tradicional” - as sociedades revoltavam-se contra elas, apelidando-as de feiticeiras - sofreram agressões e perderam a vida na fogueira.
Nos finais dessa época, apesar dos interesses quotidianos deambularem de acordo com as conveniências masculinas, surgiram novas legislações que referiam também o círculo feminino, no entanto determinavam muitas restrições aos direitos das mulheres, tanto na vida privada como social, notando-se que nessas legislações era evidente a inferioridade das mulheres perante os homens.
Nos finais da Idade Média, com a finalidade de um crescimento da economia urbana, surgiu um novo modelo em relação ao trabalho. Neste contexto, as mulheres foram inseridas nesse projeto assumindo um papel muito importante no desenvolvimento das cidades, conciliando com as tarefas que já anteriormente lhes eram atribuídas.
Apesar de se ter despontado a oportunidade de o núcleo feminino conquistar a independência social e profissional, ainda havia várias barreiras impostas tanto no campo politico, económico como das mentalidades. Mantinha-se o pensamento que a formação da mulher tinha como finalidade a economia doméstica e o ambiente familiar, não havendo a oportunidade de obter uma formação profissional ou científica.
Do século XIV a XVI, a mulher não foi destituída do trabalho, foi inserida mas em condições muito precárias. As que exerciam alguma atividade (contratadas para tarefas domiciliárias ou com ocupações no ramo da confeção) como forma de sobrevivência, eram desprestigiadas. O trabalho feminino continuava a ser desvalorizado, o que levou à exploração de mão-de-obra feminina, manifestando-se através de um reduzido pagamento em comparação ao dos homens.
Nos finais do séc. XV, o inquisidor Jacques Sprenger, publicou o “Manual da Caça às Bruxas” onde fazia referência aos textos sagrados que descreviam a criação da primeira mulher, que por ter sido formada a partir de uma costela defeituosa de Adão, era considerada um ser vivo imperfeito.
Com a Revolução Industrial (na 2ª metade do séc. XVIII) e a evolução do capitalismo, vieram novas mudanças para as mulheres. Surgiram novas possibilidades de trabalho, mas também novas formas de opressão e exploração. Os contratos eram realizados pelos homens chefes de família. As tarefas realizadas pelas mulheres eram confirmadas pelos homens e eram estes que recebiam o pagamento, tornando por isso impercetível a participação dos menores e das mulheres no mercado de trabalho.
Contudo existem registos de várias mulheres que ao longo da história e em vários países, exerceram profissões em muitas áreas científicas, que até então eram consideradas masculinas.
Por exemplo, no antigo Egito, existiu Hatexepsute, um faraó médica que planeava expedições com a finalidade de descobrir novas plantas medicinais.
Theano, aluna grega, que mais tarde casou com Pitágoras, foi autora de livros sobre Matemática e Física.
Também Hipátia, viveu na época de 370 d.C. Foi a inventora do densímetro, ficou conhecida como a primeira matemática da história, estudou Matemática, Astronomia e lecionou Matemática e Filosofia em Alexandria.
Na Grécia, Platão consentia que as suas aulas fossem frequentadas por alunas, porém tinham de se vestir com roupas masculinas. Em muitas cidades gregas existiam médicas e cirurgiãs, no entanto em Atenas muitas mulheres foram acusadas de realizarem abortos, tendo por isso surgido uma lei que as proibiram de praticar Medicina e Ginecologia.
Eric Sartori escreveu no seu livro L’Histoire des grands scientifiques français, que durante o período de 300 a.C., Agnodice, descendente de uma família nobre grega, vestiu-se de homem para ir estudar para Alexandria. De regresso à Grécia, praticou medicina, denunciando a sua identidade somente às suas pacientes. Esta médica tornou-se muito popular o que revoltou os seus colegas. Foi condenada à morte, no entanto foi salva no dia do julgamento graças à imposição de centenas de mulheres atenienses.
Na Idade Média, os mosteiros eram instituições dedicadas também à instrução, aceitavam elementos femininos tendo-se destacado na história das cientistas, como a abadessa de origem alemã Hildegarde Von Bingen que entre 1151 e 1158, descreveu trezentas plantas, minerais e metais com indicações terapêuticas, dando origem a uma enciclopédia farmacêutica.
Em Salerno, Itália, por essa mesma altura, existia um centro médico que se distinguia por acolher tanto mestres como estudantes femininas. A mais famosa foi Trotula, ginecologista e obstetra que escreveu dois tratados médicos sobre a saúde da mulher.
Nos séculos XIV e XV, apesar de ter existido uma enorme expansão de universidades em todo o continente europeu, que contribuiu para uma enorme riqueza tanto a nível social como cultural, como referiu a historiadora francesa Eliane Viennot no seu artigo Les intellectuelles de la renaissance, a transmissão desses valores estava ainda restrita aos homens, afastando as mulheres. Atualmente alguns especialistas tomaram conhecimento através de obras escritas por Aristóteles que indicavam que o género feminino era inferior ao masculino, sistema que permaneceu até ao século XIX.
Sabe-se que no início do século XVIII, elementos femininos de origem nobre sueca e inglesa estudavam e produziam conhecimento, entre elas Elisabeth da Boêmia e a rainha Cristina da Suécia.
Em meados de 1700, na Alemanha, Marie Winkelmann Kirch descobriu um cometa e escreveu importantes tratados enquanto trabalhou ao lado do marido. Após a morte deste, a Academia de Berlim declinou-lhe o cargo de astrónoma. Anos depois, o mesmo cargo foi oferecido ao filho dando oportunidade a Marie Kirch de se tornar sua assistente.
Na França, as mulheres das classes mais elevadas frequentavam cursos privados e reuniam-se em salões onde debatiam questões literárias, filosóficas e científicas. Estes encontros terminaram com a chegada da Revolução Francesa e com os ideais de Rousseau que afirmava com convicção a inferioridade e submissão feminina.
Na sua obra Emílio ou da Educação, publicada em 1762, Jean-Jacques Rousseau escreveu “Preferirei ainda cem vezes mais uma mulher simples e pouco instruída a uma mulher culta e pedante que viesse estabelecer em minha casa um tribunal de literatura do qual se faria a presidente. Uma mulher pedante é o flagelo do marido, dos filhos, dos criados, de todo mundo. Da sublime altura de seu gênio, ela desdenha todos os seus deveres de mulher”.
O britânico Charles Darwin (1809-1882) naturalista, geólogo e biólogo, admitia que “Para que a mulher atingisse o mesmo nível que o homem, ela deveria, quando quase adulta, ser treinada para a energia e perseverança, e ter sua razão e imaginação exercitadas ao máximo”. Na sua obra A Origem do Homem, sugeriu “que as mulheres precisariam de um esforço extra para atingirem a capacidade intelectual supostamente inerente ao homem”.
No início do século XIX, foram inúmeras as mulheres que apesar de se manterem autodidatas e usufruírem de aulas privadas, contribuíram muito para a produção e desenvolvimento científico como Émilie du Chatelet, colaboradora de Voltaire e tradutora de Newton para a língua francesa, publicou inúmeros trabalhos que favoreceram o desenvolvimento da física teórica.
De origem francesa Sophie Germain, aprendeu sozinha Matemática e usava um nome masculino para poder corresponder-se como outros matemáticos. Foi premiada pelo Institut de France. Um dos grandes matemáticos do seu tempo Carl Friedrich Gauss recomendou-a para um grau de doutor honorário da Universidade de Gottingen, mas Sophie Germain faleceu antes que essa honra lhe fosse concedida.
Marie-Anne Paulze, que casou com Lavoisier, traduziu várias obras de químicos ingleses e escreveu várias críticas que proporcionaram muitos avanços na química.
Marie Curie, de origem polaca, conhecida como a “mãe da física moderna”, foi uma das poucas cientistas reconhecidas ainda em vida. Tornou-se a primeira mulher a receber o prémio Nobel da Física., atribuído em 1903. Em 1911 foi agraciada com o Nobel da Química, tornando-se a primeira pessoa a conquistar o prémio duas vezes.
Ainda no século XX algumas das descobertas realizadas pelos homens são reconhecidas e se sobrepõem às das mulheres, como exemplo o caso de Lise Meitner, nascida na Áustria e conhecida como a Marie Curie alemã. Estudou radioatividade, colaborou na descoberta da fissão nuclear, termo que publicou juntamente com Otto Hahn, seu sobrinho e colaborador, na revista Nature, em 1939. No entanto, só Otto Hahn foi premiado em 1944, com o Nobel da Química.
Juana Miguela, especialista argentina em Entomologia, descreveu 11 espécies de mosquitos até então desconhecidos. Apesar de ter sido recomendada pelo seu professor, recusaram-lhe o cargo de docente de Zoologia, na Faculdade de Ciências Exatas e Naturais da Universidade de Córdoba, em 1920.
A mexicana Isabel Ramirez e a norte-americana Zélia Nutal, que viveram no México no princípio do século XX, foram marginalizadas pela comunidade científica e apenas nos anos 2000 é que as suas pesquisas foram reconhecidas.
Ainda assim, houve mulheres que foram agraciadas pelas suas descobertas como Florence Rena Sabin, cientista e médica norte-americana que estudou os sistemas linfático e imunológico do corpo humano. Foi a primeira mulher a ganhar o título de “primeira-dama da ciência americana” e uma cadeira na Academia Nacional de Ciências do EUA, em 1925.
Também a médica Virginia Apgar, especialista em anestesia, descobriu que algumas substâncias que eram usadas como anestésicos durante o parto prejudicavam os bebés. Criou a Escala de Apgar, que foi elaborada na década de 1950, exame que avalia recém-nascidos nos primeiros momentos de vida.
A bioquímica Gertrude Belle Elion que nasceu no Canadá, criou medicamentos para atenuar os sintomas de leucemia, herpes e HIV/Aids. Em 1988 recebeu o prémio Nobel de Medicina.
Até ao século XIX verificou-se que um grande desenvolvimento intelectual do homem, enquanto as mulheres mantiveram-se estagnadas. Não existem registos femininos que tivessem frequentado uma universidade. A profissão de parteira, atividade que tinha sido atribuída às mulheres foi substituída pela obstetrícia, especialidade destinada exclusivamente aos homens.
Esta atitude e a inferioridade a que as mulheres eram submetidas levaram a que começassem a contestar a desigualdade de género principalmente no acesso ao trabalho e à educação, procurando obter a mesma liberdade e as mesmas oportunidades que os homens usufruíam.
Em 1404, a escritora francesa Cristine de Pizan (1364-1430), considerada uma das primeiras feministas, publicou “O livro da Cidade das Senhoras” onde defendia uma educação igual para ambos os sexos.
Por altura da Revolução Francesa foram várias as mulheres que lutaram e se manifestaram contra estas situações. Olympe de Gouges, de origem francesa, revoltada com a submissão das mulheres nas sociedades machistas apresentou a “Declaração dos Direitos da Mulher” com a intenção de terminar com os privilégios que fossem exclusivos aos homens.
Olympe de Gouges acusada de ter abandonado os “benefícios do seu género e tentar ser um homem de Estado” foi condenada à morte e morreu na guilhotina, em 1739.
A partir do século XVIII, com o Iluminismo, verificou-se um movimento que se distinguiu por um aumento de valorização da intelectualidade feminina. Evidenciaram-se por esta altura, Mary Montagu e a Marquesa de Condorcet, duas educadoras com textos e ideias pró-defesa do direito da mulher à educação.
Em 1785, em Middelburgo (Países Baixos), foi fundada a primeira Sociedade Científica para Mulheres. As universidades começaram a permitir o ingresso de mulheres em alguns cursos, exceto os de medicina e direito.
As mulheres francesas não se resignaram, continuaram a lutar e alcançaram várias vitórias como o direito ao voto. Nesta época o movimento feminismo adquiriu grande impulso e passou a ser considerado como uma ação política e organizada, com a finalidade de reivindicar os direitos das mulheres perante aos obstáculos que lhes colocavam, passando a estar envolvido na luta das mulheres.
Na Inglaterra o feminismo foi assinalado pelas críticas que a escritora Mary Wollstonecraft teceu sobre os pensamentos de Jean-Jacques Rousseau. Este afirmava que existiam dois mundos, o mundo externo onde pertencia o homem, enquanto a mulher pertencia ao mundo interno e que por isso devia estar sempre ao serviço do homem. Mary Wollstonecraft criticou as diferenças que eram atribuídas entre homens e mulheres, quanto à inteligência e caráter. Como a educação dada aos elementos femininos era considerada inferior, sugeriu que as mulheres passassem a ter as mesmas oportunidades de formação intelectual e física que os homens.
O mesmo se passava nos EUA. Quando comentavam a igualdade entre os homens, apenas se referiam aos elementos do sexo masculino e excluíam não só as mulheres, mas também os índios, os negros e os homens de baixos rendimentos.
Em Portugal, as primeiras atitudes ativistas, o derrube de preconceitos e a tentativa de novas conquistas no meio feminino foram realizadas por Carolina Beatriz Ângelo.
Carolina Beatriz Ângelo nasceu na Guarda em 1878 e faleceu em Lisboa em 1911. Com a idade de 25 anos concluiu o curso de Medicina na Escola Médico-cirúrgica de Lisboa. Mulher corajosa, foi ativista e sufragista. Foi a primeira mulher a praticar cirurgia no Hospital de S. José.
Em 1907 integrou o Grupo Português de Estudos Feministas que se opunha à participação da Igreja na vida pública e defendia a lei do divórcio. Neste mesmo ano, formou com Ana Castro Osório, Adelaide Cabete e Maria Veleda, a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas. Em 1908 liderou o Movimento Feminista Português que defendia a luta pela igualdade de géneros.
Foi a primeira mulher portuguesa a exercer o direito de voto. Depois da Revolução de 5 de outubro, o código eleitoral atribuía algumas condições para o direito a voto ”todos os portugueses maiores de vinte e um anos, à data de 1 de maio” de 1911, “residentes em território nacional, que sabiam “ler e escrever” e eram “chefes de família”. Carolina Beatriz Ângelo achava que reunia todas essas condições, possuía um curso superior e na sua posição de viúva era chefe de família. Depois de ter solicitado que fosse incluída nos cadernos eleitorais, o seu pedido foi recusado tanto pela Comissão de Recenseamento como pelo Ministério do Interior. No entanto uma decisão judicial (dirigida pelo pai de Ana Castro Osório) foi-lhe favorável.
Por ter sido a primeira mulher portuguesa a votar nas eleições para a Assembleia Nacional Constituinte, este acontecimento foi noticiado em toda a imprensa europeia.
Só nos primeiros anos do século XX terá surgido a ideia de se fundar no nosso país um Conselho Nacional Feminino quando Carolina Michaëlis de Vasconcelos apresentou Sophia Sanford, tesoureira do Internacional Council of Women (a mais antiga organização americana feminista internacional, fundada em 1888) à escritora Olga de Morais Sarmento. No entanto, só em 1914 foi fundado o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, como uma das ramificações da organização americana (a qual já tinha outros Conselhos a nível mundial). Adelaide Cabete (1867-1935) médica e ativista, foi nomeada presidente, função que exerceu até 1935 e Carolina Michaëlis foi convidada como presidente honorária.
O Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas foi a organização feminista portuguesa mais duradora no século XX, desde 1914 até 1947, quando o Estado Novo ordenou o seu encerramento. Esta organização que se debatia por “igualdades justas e humanas”, teve uma ação extraordinária na luta da emancipação da mulher, desde os inícios da sua fundação, numa altura em que as ativistas se queixavam dos discursos críticos e antifeministas que presenciavam, e do tempo que despendiam a explicar o que não era o feminismo em vez de anunciarem o que realmente defendiam.
Numa época em que para uma mulher poder viajar tinha de ter autorização do marido, Adelaide Cabete, viúva, dispondo de passaporte diplomático, participou em vários congressos em representação do governo português, como por exemplo no Congresso do Conselho Internacional das Mulheres que se realizou em Washington, em 1925.
A participação e os vários temas discutidos nos congressos, os laços de amizade e os contatos criados entre as ativistas de instituições congéneres de outros países (Conselho Nacional das Mulheres Francesas, Federação Brasileira pelo Progresso Feminino ou o Conselho Nacional das Mulheres do Uruguai) influenciaram Adelaide Cabete para “a luta pelos direitos políticos, cívicos, económicos, educacionais e laborais das mulheres em Portugal”.
O Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas assim como outras associações femininas existentes em Portugal eram constituídas essencialmente por elementos femininos que exerciam profissões reconhecidas como médicas, enfermeiras, advogadas, professoras, farmacêuticas, escritoras, artistas, mas também donas de casa.
Influenciada pelo Conselho Internacional das Mulheres, a organização portuguesa liderada por Adelaide Cabete organizou várias associações portuguesas com a missão de beneficência, humanitária e na defesa dos direitos profissionais.
No decorrer dos 30 anos seguintes foram criadas 24 associações que apoiaram diversos setores: assistência ao parto, apoio à maternidade, treino profissional para raparigas desfavorecidas, atribuição de bolsas, empréstimo de livros a alunos pobres, atribuição de vestuário e calçado, na luta contra o alcoolismo, entre outros.
Em 1924, o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas (CNMP) realizou o Congresso Feministas e de Educação. Este encontro foi amplamente noticiado na imprensa evocando a revolta das mulheres portuguesas quanto às condições de vida em que viviam. A publicação Alma Feminina (órgão de propaganda do CNMP que iniciou com o título Boletim Oficial e terminou a sua publicação como A Mulher) descreveu a posição feminista do então Presidente da República, Manuel Teixeira Gomes, quando esteve presente naquele encontro, e por manifestado a sua admiração por as mulheres em Portugal ainda não gozarem do direito de voto.
Durante a década de 1920, o CNMP teve uma extensa atividade na luta contra as desigualdades de direitos e ao direito de salários iguais entre homens e mulheres, os direitos civis das mulheres no casamento, condições especiais destinadas a mulheres grávidas e que amamentavam, a alfabetização e formação profissional para as raparigas, em oposição às dificuldades que lhes eram impostas pelo governo da I Republica, de Sidónio Pais, a ditadura Militar e mais tarde do Estado Novo.
Com este novo sistema de governação em Portugal, que estava em oposição aos ideais feministas, sobretudo pelas suas lutas pela democracia, e questionado com o rumo que o CNMP poderia enveredar depois de Maria Lamas (1893-1983) assumir o cargo de presidência, optou por extinguir o Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, no ano de 1947.
Nos anos que se seguiram, muitas mulheres formaram vários movimentos (contra o autoritarismo do Estado Novo) incorporados nas campanhas de candidaturas em oposição às eleições, cujas intervenções tinham o propósito de derrubar o regime e instituir a democracia parlamentar.
Entre os muitos movimentos que se organizaram podemos referir a Comissão Feminina do Movimento de Unidade Democrática (MUD) em 1945, Movimento Nacional Democrático Feminino do Movimento Nacional Democrático que funcionou entre 1949-1957, a Comissão Feminina Eleitoral da Candidatura de Humberto Delgado em 1958 ou o Núcleo Feminino da Comissão Eleitoral de Unidade Democrática-CEUD em 1969.
Nestes grupos, uns iam sendo criados à medida que outros eram extintos, houve mulheres (como Maria Isabel Aboim Inglez no Movimento de Unidade Democrática em 1945 e Maria Lamas e Virgínia Moura, no Movimento Nacional Democrático em 1949) que se destacaram em alertar para os obstáculos e situações de desigualdade entre géneros que enfrentavam diariamente tanto em ambiente familiar, no trabalho, na assistência social ou na participação politica. As suas reivindicações abrangiam tanto a esfera económica, social e moral da mulher, onde esta tem o dever de incentivar e de colaborar com os seus pares masculinos quaisquer que sejam as suas crenças religiosas, politicas ou sociais.
Fig.28 - Maria Isabel Aboim Inglez
Fig.29 - Virgínia Moura
Embora se tenha verificado atos de desigualdades e descriminações contra as mulheres, também se constatou a participação destas no setor politico que contribuiu para a realização das suas ambições, de uma forma mais igualitária de géneros. A presença das comissões eleitorais femininas nas listas oposicionistas da CDE (1969) e da CEUD (1969) foram o impulso para que depois da Revolução de Abril, em 1975, se verificasse uma sólida presença feminina na Assembleia Constituinte.
Com a queda do Estado Novo, em abril de 1974, a mulher emancipou-se, conquistou o direito ao voto, abriram-se novos horizontes em termos profissionais, ocuparam lugares que eram exclusivos à esfera masculina e foram quebradas muitas das barreiras que até então não lhes eram permitidas, apesar de ainda hoje em dia, já passados mais de quarenta anos existirem muitas demonstrações de desigualdades de género.
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Lurdes Barata
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