"Enquanto estamos vivos, não podemos escapar de máscaras e nomes. Somos inseparáveis de nossas ficções – nossas feições”.
Octavio Paz, (1914-1998), escritor e poeta mexicano
A máscara tem sido utilizada desde os tempos ancestrais sob as mais diversas formas, de diferentes materiais e com intuitos distintos. Atualmente é utilizada por todos nós, neste tempo de pandemia, como proteção sanitária.
Há um ano atrás seria difícil de imaginar termos de sair à rua de boca e nariz tapados. Apesar da máscara já ser utilizada há muito tempo atrás como objeto preventivo de várias doenças contagiosas que devastaram nas últimas décadas a região mais oriental do Globo e como proteção face ao alto nível de poluição em vários países asiáticos como a China.
Após alguns meses de confinamento no início deste ano, a máscara tornou-se subitamente, nos países do Ocidente, num dos acessórios imprescindíveis e preventivos, para além do álcool-gel, protegendo-nos do mais recente coronavírus para que possamos regressar à normalidade, o melhor possível. A pandemia da Covid-19 fez do uso da máscara uma prática global.
Este novo meio de combate ao contágio tornou-se rapidamente, para além de um protetor sanitário, num acessório de moda. Muitos fizeram máscaras em tecido e de forma artesanal depois de terem consultado alguns dos vídeos disponibilizados na internet. Também os estilistas incluíram nas suas coleções, máscaras de várias cores e modelos, como aconteceu nas passarelas da ModaLisboa, no início de fevereiro deste ano.
Desconhece-se a proveniência da palavra máscara. Alguns acreditam que seja originária do latim antigo (“masca” ou “mascus” que significa “espectro”), do árabe (“maskharah” sinónimo de "palhaço" e de "disfarce" e do verbo sakhira, "ao ridículo"), ou ainda do hebreu (“masecha” que quer dizer “ele zombou, ridicularizou”).
Outra versão refere que a palavra portuguesa “máscara” veio da palavra italiana maschera (o che lê-se quê). Esta palavra expandiu-se por toda a Europa, incluiu-se em muitas línguas como por exemplo no inglês “mask”, ou no polaco “maska”.
O uso da máscara é uma das mais antigas práticas humanas, utilizada por inúmeras civilizações ao longo da História o que permitiu que fossem efetuadas experiências na imaginação humana. Considerada como um objeto sagrado, tinha funções distintas, cada máscara tinha um propósito diferente e na maioria das vezes era considerada como um símbolo para a organização social, a noção do bem e do mal e ainda da vida e da morte.
De acordo com a sua origem existem vários tipos de máscara e cada uma delas com uma funcionalidade própria, embora tenha sempre um caráter simbólico. A máscara representa sempre alguma coisa para alguém e pode ser melhor entendida pelos indivíduos que pertencem à mesma cultura.
Registos arqueológicos que chegaram até nós, demonstram a utilização de máscaras em pinturas rupestres, utilizadas talvez para que uma entidade superior intercedesse para que a prática da caça fosse de sucesso, mas também como ritos de passagem, rituais mágicos, comunicação com os deuses e antepassados, liberdade de expressão ou comportamentos de entretenimento. O uso das primeiras máscaras pelo homem primitivo terá ocorrido em 9.000 a.C.
Oriunda dos vários continentes desde a Ásia, África, Europa, América ou do Antigo Egito, a máscara esteve sempre presente nas várias culturas e exerceu diversos papéis ao longo da História e propiciou o futuro das sociedades levando-as a dissociar o bem do mal, o sagrado do profano, ou a vida e a morte. Eram ornamentadas com diversos materiais desde conchas, madeiras, metais, peles, tecido ou palha de milho.
Na China, as máscaras eram utilizadas para afugentar os maus espíritos, enquanto que no Antigo Egito e na Grécia, as máscaras eram colocadas no rosto do falecido de modo a orientá-lo na passagem para a vida eterna.
Eram construídas com tecido, gesso e logo de seguida eram pintadas. Para as pessoas mais importantes eram utilizados metais preciosos como o ouro e a prata.
Temos como exemplo o mais célebre faraó Tutankhamon (1350 a.C.), tinha a mais rica máscara funerária que o transportaria para a eternidade de boa saúde e confiante.
Na Grécia antiga surgiram as máscaras teatrais durante as festividades de Dionisio, deus do vinho e da fertilidade. Demonstravam uma expressão exagerada da natureza de cada personagem. Eram utilizadas em rituais de drama e projetadas num tamanho que permitisse ampliar a presença do ator assim como da sua voz através de um dispositivo como um “megafone”.
O teatro japonês No, um misto de canto, pantomima, música e poesia, é caraterizado por 125 variedades de máscaras, constituindo cinco tipos. Feitas em madeira, envernizadas, douradas e pintadas, de acordo com as caraterísticas das personagens, como a violência ou a honestidade.
No Bal Masqué (tradicional baile de máscaras europeu) era obrigatório o uso de máscara. Os cortesãos mascarados faziam brincadeiras, transbordando os seus impulsos e libertando-os das normas sociais.
Também os esquimós, no Alasca, suponham que cada criatura tinha uma dupla existência e podiam mudar para forma de homem ou animal, bastando querer. As suas máscaras eram feitas de duas faces, uma de ser humano e outra de animal. Durante as festividades a máscara exterior era levantada mostrando a outra máscara.
Durante a Idade Média o uso da máscara passou a ser um objeto de caráter profano, só utilizada para homenagear outros deuses, estava ligada a manifestações populares fora do cristianismo, ressurgindo no final da Idade Média, principalmente em Itália, onde as máscaras de Veneza passaram a ser peças decorativas. Eram usadas pelos “Bobos da corte” e tornaram-se na principal fonte económica da região. Mais tarde, as máscaras transformaram-se em personagens da Commedia dell’arte, como Arlequim, Pulcinella, Pierrot e Colombina.
Este teatro popular improvisado, era realizado nas praças públicas onde ridicularizavam os costumes dos nobres da época. Posteriormente, essas personagens inspiraram o Carnaval Veneziano que duraria até ao final do séc. XVIII. Com a queda da República de Veneza, a tradição caiu em desuso e acabou mesmo por desaparecer.
Várias criações artísticas sob diferentes formatos e funções, tiveram origem na máscara, como no cinema, no teatro, em rituais religiosos e em festas como o carnaval de Veneza (Itália), como a tragédia e a comédia que marcaram alguns pintores de renome, nos primeiros anos do século XX, como Pablo Picasso, George Braque, Henri Matisse ou André Derain, mas foi o teatro a arte que mais explorou a magia das mascaras.
Ainda nos dias de hoje utilizamos máscaras em algumas festas como no Halloween e no Carnaval. No Brasil, os índios imploram aos deuses boas colheitas com enormes máscaras de palha. Também em Portugal, na região de Trás-os-Montes, o chocalheiro veste a máscara do diabo e faz o seu peditório porta a porta. O uso das máscaras está relacionado com a religiosidade e nos assuntos como a exploração dos mais pobres, representando os exploradores e os oprimidos.
Ao longo dos séculos houve sempre a necessidade de, em determinados momentos, proteger a região da cabeça onde se situam os principais sentidos do homem como a visão, a audição e a comunicação. Temos como exemplo os óculos do aviador ou as máscaras que protegem contra as doenças. Já na Europa o cavaleiro medieval dispunha de capacete que protegia a cabeça durante os combates. Também os soldados japoneses tinham máscaras que revelavam qual a linhagem a que o cavaleiro pertencia.
O professor da Universidade de St. Andrews na Escócia e especialista em história das máscaras médicas, Christos Lynteris, conta que pinturas da época renascentista (entre 1300 a 1600) mostram pessoas cobrindo o nariz com lenços para evitar doenças. Também obras de arte, de origem francesa, que por altura de 1720 quando alastrava a peste bubónica, mostram pessoas e coveiros manuseando corpos com um pano em volta do rosto.
A máscara usada nos tempos ancestrais sofreu uma mudança espantosa comparada com a máscara utilizada no combate à peste negra ou peste bubónica, que assolou a Europa e a Ásia entre os séculos XIV e XVIII, e que matou 200 milhões de pessoas.
Nessa altura o traje médico era adaptado de acordo com os conhecimentos que iam obtendo. Consistia num sobretudo de couro da cabeça aos pés, luvas de couro, calças, botas e um chapéu de abas largas. A máscara com formato de pássaro, foi desenvolvida pelo médico francês Charles de Lorme, com base numa teoria da Grécia Antiga que referia odores desagradáveis, ou “ar ruim”, como aquele de carcaças apodrecidas ou alimentos que causavam doenças. Era constituída com óculos circulares de vidro grosso e dois pequenos orifícios no enorme bico onde eram colocadas palha e várias ervas aromáticas, com a finalidade de filtrar o ar e evitar que o médico contraísse a doença. Pensava-se erradamente que ao protegerem-se do cheiro, protegiam-se também da doença. Estas máscaras, tornaram-se bastante populares desde a sua invenção e ainda são utilizadas no cinema, literatura e jogos de vídeo.
Ao longo dos séculos XVIII e XIX, verificou-se a inexistências das pragas que infligiram as populações nos séculos anteriores e desapareceram também o uso das máscaras.
Tanto Plínio, o Velho, como Leonardo da Vinci, entendiam que a inalação de certas partículas e poeira transportadas pelo ar poderia ser prejudicial.
Nos finais do século XIX, em 1897, Paul Berger de origem francesa, ao descobrir que a saliva poderia conter bactérias causadoras de doenças, tornou-se num dos primeiros cirurgiões a utilizar a máscara facial durante uma cirurgia.
A utilização da máscara não tinha como intenção a proteção dos médicos, ou dos doentes por possíveis infeções, mas para evitar que gotículas se espalhassem ao espirrar, ou tossir durante as cirurgias.
A máscara utilizada por Berger era presa por cima do nariz e feita de seis camadas de gaze, e a borda inferior era costurada no topo do seu avental de linho esterilizado. No entanto, haveria de passar várias décadas para os médicos começarem a usar máscaras faciais.
Uma demonstração importante da criatividade da classe médica portuguesa foi a invenção da máscara profilática, criada pelo médico Afonso de Lemos em 1899, para os médicos e os enfermeiros usarem na observação e tratamento dos doentes durante a peste bubónica. Só em 1918, durante a epidemia de gripe, as máscaras faciais foram divulgadas e iniciadas a sua utilização.
Durante cerca de 50 anos os médicos lutaram contra o uso de máscaras. Em 1905, a médica Alice Hamilton publicou um artigo no Journal of American Medical Association, onde criticava a não utilização de máscaras pelos médicos durante as operações, mesmo nas escolas médicas mais desenvolvidas.
Também o médico britânico Berkeley Moynihan, num dos seus livros publicado em 1906, defendia o uso de máscaras faciais e condenava os médicos que trabalhavam sem máscaras. No seu livro dizia que “… a bactéria expelida da boca de uma pessoa é pior que o pior esgoto de Londres”.
O uso das máscaras faciais popularizou-se após uma praga terrível que ocorreu na Manchúria (norte da China), na primeira década do século XX. Teve uma taxa de mortalidade de 100% em 48 horas e causou 60.000 vítimas em quatro meses. Wu Lien-teh, médico chinês educado em Cambridge, foi chamado à região para analisar a situação, ordenando que todos os médicos, enfermeiros e até funcionários do cemitério usassem máscaras faciais, após a realização de uma autópsia, onde afirmou que a doença não era transmitida por pulgas, como se julgava, mas sim por via aérea.
A comunidade médica ridicularizou Wu por esta iniciativa. Utilizando as máscaras cirúrgicas utilizadas na Europa, Wu melhorou-as ao adicionar mais camadas de material com filtro. Apesar de outros médicos começarem a desenvolver as suas próprias mascaras, as de Wu Lien-teh evidenciaram-se após vários testes, como a que mais protegia das bactérias, considerada a mais barata porque os materiais utlizados estavam mais facilmente disponíveis. Perante estas caraterísticas, a produção das máscaras de Wu disparam e através da imprensa tornaram-se populares em todo o mundo. Tornaram-se num símbolo de progresso científico sendo utilizadas por médicos, no exército e pela população em geral.
Quando em 1918 surgiu a erradamente dominada “gripe espanhola”, as máscaras de Wu ganharam uma enorme importância, ficaram mundialmente conhecidas e auxiliaram a que a epidemia não se alastrasse, apesar do número de vítimas ter sido elevadíssimo.
Durante a primeira metade do século XX foram desenvolvidos vários estilos de máscaras que por norma eram feitas de gaze de algodão com armação em metal.
Na década de 60 as máscaras descartáveis tornaram-se muito populares. Em 1972, Peter Tsai inventou a máscara respiratória N95, duplicando a sua capacidade em 2018 e que tem sido uma das mais utilizadas até aos nossos dias. Presume-se que esta máscara seja inspirada numa outra inventada por Wu Lien-teh, que esteve muito perto de ganhar um Prémio Nobel.
Face ao momento histórico que atualmente estamos a viver, os museus de todo o mundo iniciaram logo no início da pandemia o trabalho de “guardar o presente”, para que futuramente hajam exposições que permitirão ser admiradas por pessoas que não tenham vivido esta experiência, ou que possam recordar.
Os museus, como “guardiões da memória”, não se limitam a reunir objetos de uma realidade, mas também a recolher testemunhos das pessoas que a viveram, imagens, algumas delas através de drones, mostrando cidades desertas, filmagens ou fotografias, de modo a que seja possível a reconstituição de uma época, usufruindo de recursos tecnológicos que permitem a gravação da memória seja muito fiel à realidade.
Alguns museus internacionais estão a acolher doações da população, como desenhos do arco-íris ou de chamadas efetuadas através da plataforma Zoom. Foi oferecido ao Museu Nacional de Colónia uma representação do coronavírus em croché.
Foi criado em França o Instituto Covid-19 Ad Memoriam com o objetivo de recolher depoimentos orais da população, para que seja possível fazer uma reflexão coletiva dado que os investigadores afirmam que um dos efeitos da pandemia é “uma grande rutura antropológica”.
Nos EUA, o Museu Autry possui uma coleção de perto de 200 itens, entre os quais “o diário de uma criança de 6 anos que, em março, desenhou uma cara tristonha por não poder sair de casa”.
Também em Portugal, no início de março, o Museu da Farmácia em Lisboa recolheu uma zaragatoa oferecida Hospital de São João, no Porto, o primeiro a realizar este tipo de testes. Mas também foram doados o protótipo do primeiro ventilador português, a radiografia do primeiro farmacêutico internado nos cuidados intensivos, a fotografia do novo coronavírus feita por um laboratório português, equipamentos hospitalares, como testes portáteis e viseiras, mas também o discurso do anúncio do estado de emergência por Marcelo Rebelo de Sousa, a 18 de março, ou a máscara caseira doada por Bento Rodrigues oferecida por uma sua vizinha que a fez e deixou-a à sua porta.
O Museu de História Natural e da Ciência da Universidade do Porto, tem já uma coleção sobre a pandemia “Coleção Resposta ao SARS-CoV-2” onde estão incluídas viseiras, testes e máscaras de vários modelos e materiais incluindo uma de cortiça.
O Museu da Saúde do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge em Lisboa também tem em mente uma exposição sobre este tema, mas está ainda apenas pensada. Ficará no seu espólio o material médico que atualmente ainda está a ser necessário e todo o material que seja doado e que se relacione com a pandemia.
Referências consultadas:
- A BREVE HISTÓRIA DA MÁSCARA. Acedido em 09/09/2020 https://canalhistoria.pt/blogue/a-breve-historia-da-mascara/
- Uma breve história das máscaras faciais médicas. Acedido em 09/09/2020 https://gizmodo.uol.com.br/uma-breve-historia-das-mascaras-faciais-medicas/
- Conheça a história de origem da máscara N95, símbolo da pandemia de coronavírus. Acedido em 09/09/2020 https://epocanegocios.globo.com/Mundo/noticia/2020/03/conheca-historia-de-origem-da-mascara-n95-simbolo-da-pandemia-de-coronavirus.html
- Covid-19: Andar de máscara na rua é o novo normal. Acedido em 09/09/2020 https://visao.sapo.pt/atualidade/sociedade/2020-04-17-covid-19-andar-de-mascara-na-rua-e-o-novo-normal/#&gid=0&pid=1
- A história das máscaras. Acedido em 09/09/2020 https://student.dei.uc.pt/~jsilva/movimento/chc/galeria/exposicoes/mascaras/historia.html
- Máscaras, uma proteção com passado. Acedido em 09/09/2020 https://www.jn.pt/mundo/mascaras-uma-protecao-com-passado-11951924.html
- O médico português que inventou a primeira máscara na peste do Porto em 1899. Acedido em 09/09/2020https://observador.pt/programas/convidado-extra/da-fome-da-peste-e-da-guerra-livrai-nos-senhor/
- A ORIGEM DA MÁSCARA. Acedido em 09/09/2020 http://lounge.obviousmag.org/anna_anjos/2013/11/a-origem-da-mascara.html
- Porque usámos máscaras ao longo dos tempos? Acedido em 09/09/2020 https://expresso.pt/cultura/2020-07-05-Porque-usamos-mascaras-ao-longo-dos-tempos-
- De rituais à proteção: história das máscaras ao longo do tempo. Acedido em 09/09/2020 https://ndmais.com.br/saude/de-rituais-a-protecao-historia-das-mascaras-ao-longo-do-tempo/
Lurdes Barata
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