Toda a comunidade da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa está num momento de adaptação. Docentes e funcionários preparam tudo para que, o ano letivo que está a começar, seja, com todas as diferenças e constrangimentos que imperam e que são necessários, o mais normal possível para aqueles que são a razão de existir desta escola, os estudantes.
E enquanto muitos tratam dos preparativos para que, academicamente, tudo seja feito da melhor maneira, há um projeto, o Mentoring, que quer desde o início acolher os novos estudantes de braços abertos, garantindo que não ficam desamparados emocionalmente e psicologicamente.
Encontrámo-nos por Zoom com o novo bolseiro do Mentoring, o João Lopes, estudante do terceiro ano e grande entusiasta deste projeto desde que entrou na FMUL, que acompanha o projeto de perto. Quisemos perceber o que pensa sobre os novos desafios que o esperam no Mentoring e a importância de fazer parte desta iniciativa.
Também entrevistamos Rita Sobral, do Gabinete de Apoio ao Estudante, no qual se insere este projeto, que nos falou dos vários desafios, das ideias de integração entre projetos e de tudo o que tem feito e que desejam realizar neste ano.
João, o que te levou a querer ser um bolseiro do Mentoring?
João: A minha candidatura a bolseiro do Mentoring surgiu da vontade enorme que eu tenho de contribuir para a integração dos nossos alunos na nossa Faculdade, e especialmente, dada a situação atual, com as consequências que todos conhecemos. Também porque acredito que uma integração plena no ambiente académico e social da Faculdade é, sem dúvida, essencial para garantir um percurso académico de sucesso para todos os que passam por aqui. O projeto Mentoring tem um papel no início da vida académica de todos os nossos estudantes e é por isso que é desafiante e que me despertou interesse desde cedo. Como ingressei na comissão organizadora da 6ª edição, fiquei com vontade de continuar. Era importante implementar, na prática, algumas ideias que estavam pensadas para a 6ª edição e que, com o surgimento da pandemia, não puderam realizar-se. Chegou a altura de serem colocadas em prática. Para além disso, se a entrada na nossa Faculdade é uma escolha de cada um dos candidatos, as razões para a sua permanência já têm motivos próprios, muito com base nas atividades que se desenvolvem e com os projetos apresentados e, claro, que é aí que destaco o Mentoring. A FMUL chama alunos pela sua imagem institucional, pelo currículo de excelência, pelo facto de ter docentes com provas dadas nacional e internacionalmente, pelo facto de ser uma instituição secular muito associada ao hospital de Santa Maria. Por outro lado, para os alunos são importantes as atividades extra, bem como aquelas desenvolvidas no projeto Mentoring, que são bastante integradoras e contribuem para o crescimento pessoal e sucesso de cada um. Assim, a minha candidatura a bolseiro deveu-se a isto: poder planear estas atividades e garantir a integração de novos alunos.
Rita: Todos os alunos bolseiros já foram membros da comissão organizadora, e isso mostra o seu empenho, o terem estado envolvidos na organização e no ano a seguir quererem participar já com maior responsabilidade, é uma prova do impacto que este projeto tem.
Essa ideia de continuidade é interessante. João, que novos desafios achas que vais ter?
João: Há uma herança que nós herdamos, porque há muita vontade de inovar, chegar a um público-alvo cada vez maior e garantir que conseguimos integrar sempre os novos alunos. Este ano, e dada a situação atual, o maior desafio será repensar todas as atividades do Mentoring e adicionar outro desafio, que é manter a qualidade do projeto. Uma das lições que poderemos tirar desta pandemia é a nossa capacidade de reinvenção, de pensar, de mudar, para garantir que aquilo que fazemos é bem feito e que as espectativas dos nossos participantes não saem goradas. Acho que o nosso trabalho não resulta só da vontade do coordenador, mas de toda a equipa que é excelente, todos eles muito motivados para fazer a diferença e garantir a qualidade do projeto. Temos a decorrer as últimas sessões do Big Mentory Theory, uma atividade destinada aos nossos mentores, para os preparar para receberem os seus mentorandos, uma atividade exclusivamente on-line, e que era sempre presencial. Isto obrigou-nos a repensar dinâmicas, mas acho que temos conseguido que seja um sucesso. Fizemos um inquérito de avaliação exaustivo, precisamente porque o nosso objetivo é melhorar e temos recebido muito bom feedback no geral, e mesmo se compararmos esta versão on-line com a presencial, noto uma vontade enorme, por parte dos alunos da casa, em receberem os novos. Este ano fechámos as inscrições com 366 mentores, o maior número obtido numa edição do Mentoring. Nesta atividade do Big Mentory Theory, tivemos 180 vagas que esgotaram dois dias antes do prazo, o que demonstra a vontade de garantir aos que chegam a transição do ensino secundário para o superior, especialmente neste ano diferente.
E tu, como pessoa e como estudante, o que sentes que podes ganhar, o que te acrescenta?
João: Acredito mesmo neste projeto e que faz a diferença. Fez diferença na minha vida e foi essa uma das principais motivações. Acredito nesta forma de fazer Mentoring. E como estudante acho que me trará necessariamente uma maior capacidade de gestão de tempo e de equipa, também uma maior capacidade de comunicação, porque o projeto assim o exige. Já como pessoa dá-me uma maior vontade de ajudar e traz-me a satisfação de ter feito a diferença, através de um projeto que me é importante, ajudando a integrar melhor quem chega de novo à mesma casa onde já entrei. No Big Mentoring Theory pedimos sempre testemunhos e há uma frase que destaco: "ser Mentoring é fazer com que os mentorandos se sintam em casa em menos de uma semana”. (Vejam aqui o vídeo dos testemunhos).
Essa frase é impactante e um desafio certamente… E, Rita, em relação ao trabalho do gabinete, que desafios têm sentido?
Rita: O Mentoring, neste momento, está em plena revolução, temos que planear cenários diferentes e o Dia do Mentoring, que sempre planeamos presencialmente, neste momento será com atividades on-line, não sabendo nós ainda que duração terá, mas mantendo os mesmos objetivos: apoiar a integração, ser a primeira casa, o primeiro rosto. Queremos que os novos estudantes venham a fazer parte dos mentores voluntários, inclusivamente, o primeiro email oficial a ser-lhes atribuído é o do mentor. Estamos a preparar várias atividades, o Dia dos Mentores, para fomentar a criação de um espírito de entreajuda ao longo do ano. Até aqui todo este circuito era em teambuilding, com outras atividades integradas, e agora passou para o on-line. Isso traz vantagens e desvantagens. Se no passado nunca teríamos mais de 40 mentores, porque se perdia muito da dinâmica e aparato logístico, agora reforçamos as formações, com comunicação, liderança e gestão de tempo, filmamos testemunhos de mentores para outros mentores. Foi motivador especialmente para quem é mentor pela primeira vez e está sedento de partilhar o que aprendeu no ano anterior, e os nossos mentores estão bastante conscientes da responsabilidade acrescida para este ano. Para além disso, temos os workshops de softskills durante o ano, embora a vantagem on-line é que poderemos convidar pessoas externas e enveredar por outros temas. O dia do Mentoring era um grande dia, estávamos incluídos na semana de introdução, em que mentores e mentorandos faziam peddy paper. Este ano teremos que assumir grupos de dois mentores e dois mentorandos, por isso aquele momento de conhecer colegas novos não vai suceder. Para além disso, temos sempre outro tipo de atividades. Este ano estamos a pensar dar continuidade a algo que começámos no passado semestre, que são os desafios quinzenais, entre mentor e mentorando. Para além disso, o mentor também tem uma função de detetar problemas de integração e outras eventuais fragilidades que nos devem ser alertadas, para agirmos em consonância. É neste ponto que existe depois um trabalho articulado entre nós e o Espaço S.
Os mentores têm um papel de referência para os mentorandos todo o ano e um papel de articulação.
Rita: Sim e há uma linha contínua entre as várias comissões organizadoras. Quero começar a trabalhar o espírito do Gabinete, há o Espaço S, o do Solvin’it e do Mentoring, mas quero criar a família que tem os seus vários grupos.
Falando de família, acham que vai ser preciso outro tipo de atividades mais agregadoras, neste momento com a situação que vivemos?
Rita: No panorama geral há muitos estudantes que têm um foco no estudo fora de casa, havia um certo ritual de estudarem fora de casa e aí podiam fazer grupos de estudo na FMUL, tirar dúvidas. Agora, muitos vão estar obrigados ao confinamento em casa, seja com colegas de casa, seja em ambiente familiar e toda a gestão de tempo pessoal é muito difícil. Esta soft skill de gestão de tempo é muito importante e num dos workshops que estamos a preparar, desafiamos a equipa do Espaço S para reproduzir um workshop que já tinha sido feito de técnicas de relaxamento. “Como vou conseguir arranjar tempo para estar comigo e para me organizar?”, ou “Como é que vou conseguir ser médico sem praticar?” São exemplos de perguntas que vão tornar o ensino clínico um desafio maior. Aqui o papel do gabinete passará pelo apoio psicológico. Temos que preparar um cenário on-line, e se este modelo melhorar, poderemos passar para outro esquema de trabalho. Para já não sabemos, temos de viver com a incerteza e ver os planos a mudarem de um momento para o outro.
João: Pensando nos mentorandos que entram, nós estudantes, vivemos continuamente dentro da Faculdade, muitos das 8h às 20h e isso fomentava um contacto entre todos, fomentava a realização pessoal, os novos amigos e isso facilitava a integração. Com esta transição de muitas das aulas para o on-line, especialmente das teóricas, e mesmo que sejam aulas presenciais, logo depois os alunos têm que se ausentar do campus, porque outros virão ter aulas. As medidas que são criadas para estabelecer maior segurança dos alunos veem, no entanto, diminuído um lado pessoal e de troca, no fundo, o ter amigos, que era “normal” e facilitador da integração, vai estar condicionado. Este é o principal desafio, as relações humanas e lutar para que não saiam empobrecidas. Como no Dia do Mentoring, em que se conhecia pessoas, eu conheci pessoas com quem ainda falo hoje em dia, são contactos que se vão estabelecendo, por isso, não queremos extinguir estas ações. Mesmo em número reduzido será melhor que não ter nada. Vamos facilitar as relações humanas.
Rita: Um dos objetivos do Mentoring é potencializar o networking. Havia várias atividades já organizadas pela AEFML, apoiadas pelo Mentoring que estabelecia contacto, agora está tudo mais restringido, muito focado na sala de aula. Por isso, os mentores terão um papel muito importante e isto faz com que todos tenham muita vontade de proporcionar uma melhor entrada na Faculdade, mas também muito conscientes dos desafios deste momento. O Mentoring é um projeto de referência e que saltou portas. Somos vistos como modelo, temos selo de boas práticas e queremos continuar esse trabalho.
Obrigada a toda a equipa do projeto Mentoring e ao Gabinete de Apoio ao Estudante por todo o trabalho realizado. Caso queiram saber mais sobre as suas atividades, consultem os projetos do nosso Gabinete de Apoio ao Estudante e fiquem a par de todas as novidades.
Sónia Teixeira
Equipa Editorial