Em 31 de Dezembro de 2019, vários casos de pneumonia, por agente desconhecido, foram diagnosticados na cidade de Wuhan, na China. O agente, um coronavírus novo, foi designado de SARS-CoV-2 e é, extremamente, infecioso e propagou-se, muito rapidamente pelo Mundo, com uma taxa de fatalidade muito dependente da idade e das comorbilidades associadas ao envelhecimento (cardiovasculares, renais, pulmonares e diabetes). A taxa de letalidade nas crianças parece ser insignificante, nos adultos jovens ronda 1%, no grupo etário dos 60 anos sobe para 4%, no dos 70 anos aumenta para 9% e acima dos 80 para 18%. Calcula-se que, globalmente, a taxa de letalidade seja de 3%. No entretanto, o número de infetados assintomáticos ou com sintomas ligeiros pode ser muito superior àquele, oficialmente, reportado, o que pode levar à redução da taxa atual de letalidade, que é provisória. Os países que mais testam, como a Coreia do Sul, reportam muito menor taxa de letalidade do que aqueles que testam menos, como a Espanha, o Reino Unido e os Estados Unidos da América, por exemplo.
Na Itália, a taxa de letalidade é muito superior (8,3%) à média global, dado que a maioria dos infetados não são contabilizados, têm uma população relativamente idosa e o sistema de saúde está sobrecarregado com o número elevado de casos. O número reprodutível da infeção (Ro), a que corresponde o número de casos gerado por um único infetado, numa população em que todos os indivíduos são suscetíveis, é estimado de 2-3.
Se bem que se esteja a fazer um grande esforço no reaproveitamento de fármacos (antimicrobianos) licenciados para outras doenças, em particular aqueles com efeitos anti-inflamatórios, como a cloroquina ou a hidroxicloroquina, como solução provisória, as esperanças estão fixadas no desenvolvimento de vacinas.
Quais são os desafios de uma vacina para SARS-CoV-2?
SARS-CoV-2 é um vírus completamente novo para a maioria da população, pelo que não existe imunidade prévia, a não ser que haja reação cruzada ou partilha de antigénios víricos com outras estirpes de coronavírus, que circulam no homem. Ao contrário do que acontece com a gripe sazonal, em relação à SARS-CoV-2 não parece ser este o caso. Sendo, assim, ao contrário do que aconteceu com a gripe pandémica por H1N1, em 2009, em que os fabricantes de vacinas para a gripe sazonal mudaram, rapidamente, da produção da vacina gripal sazonal trivalente para vacinas monovalentes pandémicas, neste caso da SARS-CoV-2 a resposta pode ser mais complexa, dado que não existem vacinas ou processos para a sua produção. Em relação a outros coronavírus, de elevada patogenicidade para o homem, como SARS-CoV-1 e MERS-CoV, no primeiro caso, o processo do desenvolvimento de uma vacina foi interrompido, dada a erradicação do vírus por intervenções não-farmacológicas, quando o número de infetados era, ainda, reduzido (no entretanto, os resultados da fase I dos ensaios clínicos eram encorajadores, dada a segurança e a imunogenecidade demonstradas). Quanto às vacinas para MERS-CoV, estão, ainda, em desenvolvimento pré-clínico e clínico. Nas vacinas para SARS-CoV-1 e para MERS-CoV o alvo é a proteína S do invólucro destes coronavírus, a qual medeia a ligação do vírus aos receptores da célula hospedeira (ACE2, a enzima conversora da angiotensina), seguindo-se a fusão das membranas víricas e endosómica com libertação do ARN vírico, dando-se, então, início à fase replicativa vírica. Pelo conhecimento que se tem do desenvolvimento de vacinas para SARS-CoV-1 e MERS-CoV, a proteína S da superfície do vírus foi considerada o alvo ideal para a vacina para SARS-CoV-2, dado que anticorpos que tenham por alvo esta proteína podem interferir com a sua ligação a ACE2, neutralizando, assim, o vírus.
A tecnologia das vacinas sofreu avanços significativos nas últimas décadas, incluindo uma série de desenvolvimentos em ARN, ADN, vetoriais, recombinantes, inativadas e atenuadas – dentro dos 117 candidatos para vacinas para SARS-CoV-2, o painel inclui todas as 6 plataformas de vacinas (Vacine Centre – London School of Hygiene & Tropical Medicine).
O desenvolvimento de uma vacina envolve várias etapas, sendo, avaliadas, principalmente, a segurança e o efeito protetor, numa primeira fase no modelo animal e, de seguida, em ensaios clínicos, com três fases: I – analisada a segurança num número restrito de voluntários sãos (por exemplo, 40); II – avaliada a formulação e doses e prova da eficácia (por exemplo, em 500 voluntários); III – de novo, avaliada a eficácia e a segurança num número representativo da população (por exemplo, 5.000 indivíduos). Sendo os resultados promissores, segue-se a aprovação pelas agências dos medicamentos (FDA, EMA e OMS), passando, então, para a produção em larga escala e pela distribuição e, finalmente, pela imunização. O desenvolvimento de uma vacina pode demorar meses ou anos, no entretanto, no caso de uma emergência, como foi o caso da gripe em 1909 ou o Ébola e, agora, para SARS-CoV-2, este processo pode ser comprimido ou acelerado para 6-18 meses, não se sabe, tudo depende dos resultados obtidos, quanto à segurança e à capacidade protetora.
Segundo a Organização Mundial da Saúde, para que uma vacina seja desenvolvida e licenciada em caso de epidemia, para administração àqueles com risco elevado para COVID-19, deve ter os seguintes requisitos:
- Sem qualquer contraindicação
- Indicado para todas as idades, incluindo grávidas e lactentes
- Segura e reactogénica (sem efeitos adversos graves)
- Com, pelo menos, 70% de eficácia
- Numa única dose, não mais de duas
- Proteção conferida durante, pelo menos, 1 ano
- De preferência, utilizada por outra via, que não a parentérica (no entretanto é aceitável esta via, desde que garantida a eficácia e a segurança)
- Outros (não necessitar de uma rede de frio, tendo termoestabilidade elevada)
No entretanto, como referido, a maioria das vacinas está em desenvolvimento em fase pré-clínica e, mesmo, com evidência de protetora para o animal, pode não induzir imunidade esterilizante, como aconteceu, nalguns casos, no desenvolvimento da vacina para a SARS-CoV-1. Por vezes, algumas vacinas com vírus vivos (atenuados ou inativados), causaram, no modelo animal, lesões graves pulmonares ou hepáticas, podendo, ainda, potenciar a gravidade da infeção. Assim, há que garantir que as vacinas em desenvolvimento para SARS-CoV-2 são, suficientemente, seguras.
Outro aspeto relevante relacionado com a eficácia da vacina para coronavírus é a possibilidade da redução da resposta imunitária ao longo do tempo. Sabe-se que a infeção pelos coronavírus humanos nem sempre desenvolvem respostas de anticorpos mantidas por muito tempo e a reinfeção com o mesmo vírus é possível após um período prolongado de tempo (mas, penas, num número pequeno de indivíduos e resultando em infeções ligeiras ou assintomáticas).
Os títulos de anticorpos em indivíduos que sobreviveram à SARS-CoV-1 e à MERS-CoV, desvaneceram-se passados 2-3 anos.
As reinfeções são pouco prováveis a curto prazo, mas podem acontecer quando a imunidade humoral vai declinando ao longo dos meses ou dos anos. Uma vacina para SARS-CoV-2 deve superar estes aspetos e garantir uma proteção no cenário do vírus se tornar endémico e causar epidemias sazonais recorrentes.
Dado que os casos mais graves de COVID-19 ocorrem em indivíduos com mais de 50 anos de idade será importante desenvolver vacinas que protejam este sector da população. Infelizmente, os idosos são aqueles que respondem menos à vacinação, pela imuno-senescência. A proteção para esta população pode requerer títulos neutralizantes mais elevados do que para os mais jovens.
Vacinas para COVI-19
O desenvolvimento de vacinas pode demorar anos, porém, em casos de emergência, o processo, de experimentação no modelo animal e as três fases dos ensaios clínicos, podem ser comprimidos e acelerados, correndo, em paralelo, os preparativos para a produção em larga escala da vacina.
Mais de uma centena de candidatos a vacinas, estão em estudo e à data, cerca de uma dezena iniciaram a investigação clínica, fase I, devendo, se a segurança estiver assegurada, passar, no final da primavera para a fase II e, finalmente, a fase III.
Se a vacina preencher todos os critérios de eficácia e de segurança terá que ser sujeita à aprovação das entidades competentes, após o que poderá ser distribuído para a vacinação. Este processo de investigação clínica tem a duração mínima de 6 meses (se o recrutamento de voluntários conseguir cumprir os prazos estabelecidos) e, para ser realista, a vacina poderá, então, estar disponível nos 12-18 meses seguintes.
A aceleração do desenvolvimento da vacina para COVID-19 pode não garantir a segurança suficiente e a eficácia pode não contemplar a população mais suscetível a desenvolver doença grave, como aqueles com mais de 60 anos de idade. Os principais beneficiados poderão ser os mais novos, com a possibilidade de se conseguir a imunidade de grupo, cujo resultado poderá ser o desaparecimento de SARS-CoV-2, desde que a imunidade vacinal seja garantida por período longo de tempo (ainda não se sabe qual é) e que a reinfeção não seja introduzida numa população de hospedeiros suscetíveis. Por outro lado, espera-se que o vírus não sofra mutações de forma a que a imunidade de memória deixe de o reconhecer.
Para esta onda de SARS-CoV-2 não vai ser possível que esta medida de prevenção esteja disponível, mas pode ser útil se ocorrerem novas ondas ou se a COVID-19 se tornar sazonal, como acontece com o vírus da gripe.
Prof. Doutor Francisco Antunes