Hoje é dia Mundial da Doença Inflamatória Intestinal
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fotografia 3 médicos no hospital de dia de gastro
Enfª. Isabel Tavares; Dr. Rui Tato Marinho; Dr. Luís Correia

Vamos falar de Doença Inflamatória Intestinal (DII).

Imaginem o que é ter uma doença crónica que se traduz por diarreia… por vezes com perda de sangue, não raramente com indicação para cirurgia, com febre, com dores abdominais, com lesões perianais (abcessos, fístulas). Dado as suas características, a possibilidade de interferir na vossa vida pessoal e profissional é algo elevada.

E que ainda por cima não tem cura conhecida… Mas sim, passível de controlo.

Em 20% dos casos necessita de terapêutica endovenosa periódica, habitualmente de 2 em 2 meses.

São elas a doença de Crohn e a colite ulcerosa, que afectam de forma mais marcada pessoas em idade jovem/adulto jovem em plena fase activa da vida (20-40 anos).

Cerca de 25.000 portugueses vivem com estas entidades, que aumentam todos os anos.

O nosso Serviço tem disponível uma equipa de elevada performanceliderada pelo Dr. Luís Correia e pela Enfª. Isabel Tavares, que proporciona uma oferta completa na gestão deste tipo de entidade:

Desde a Consulta Externa, passando pelo Hospital de Dia, pela Enfermaria e pela colaboração com a Cirurgia e a Imagiologia, temos vários profissionais diferenciados na área das Doenças Inflamatórias Intestinais (DII). A inovação é constante. Dentro em breve iniciaremos de forma sustentada a ecografia digestiva pelo Dr. Samuel Fernandes. Temos ainda um psicólogo e uma dietista que podem intervir sempre que necessário.

Seguimos cerca de 2500 portugueses e algumas dezenas de cidadãos europeus e de outras áreas do globo, a quem tentamos ajudar de várias formas.

A propósito do dia das DII, decidimos falar-vos destas patologias em geral e em especial no nosso centro hospitalar. Convidámos ainda dois importantes parceiros na abordagem integrada destas patologias, a Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino (APDI) e a Associação Crohn e Colite de Portugal.

rui tato marinho de braços cruzados

 Rui Tato Marinho

 Professor Associado da Fmul;

 Presidente do Júri do mestrado sobre   Cuidados Paliativos;

 Diretor do Serviço   de Gastrenterologia do Hospital de   Santa Maria;

 Presidente da Sociedade  Portuguesa  de Gastrenterologia.

Professor Rui Tato Marinho e uma rapariga nos tratamentos no hospital de dia de gastro

 

As Doenças Inflamatórias Crónicas Idiopáticas do Intestino

As DII constituem um espectro de doenças inflamatórias sistémicas, crónicas, idiopáticas, sem cura conhecida, que afectam primordialmente o tubo digestivo, e em especial o intestino e que têm ampla dispersão fenotípica, entre duas entidades extremas: a colite ulcerosa e a doença de Crohn. Nos casos mais graves têm elevado risco de cirurgia ou de complicações neoplásicas, necessidade de terapêuticas imunossupressoras, e condicionam muito baixa qualidade de vida. Na sua origem está um esquema multifactorial de factores que incluem risco familiar poligénico, factores precipitantes ambiências ainda mal identificados associados ao modo de vida ocidental, uma interface mediada pelo microbioma e uma patogénese imunoinflamatória.

Quando tudo isto se associa e se precipita conseguem provocar, em particular na doença de Crohn, uma grande dispersão de sintomas, onde impera a diarreia e a dor abdominal, mas também, o atraso de crescimento ( nas crianças), ou globalmente, manifestações extra-intestinais (articulares, cutâneas ou oculares, entre outras); são particularmente destrutivas as formas fistulizantes complexas da doença de Crohn, as formas fulminantes de colite ulcerosa ou o cancro do cólon.

Não tendo as DII um marcador diagnóstico, a reunião dos critérios clínicos, laboratoriais, imagiológicos e, sobretudo, endoscópicos com o seu complemento histológico, é em si próprio um dos motivos pelos quais o diagnóstico pode ser tardio e a sua abordagem, mesmo nas formas mais ligeiras, dependente de expertise.

Tratar as DII, e em particular as suas formas mais graves, exige equipas multidisciplinares que sob orientação do gastrenterologista vão acompanhando o doente e a doença nas suas múltiplas manifestações ao longo de uma vida que se pretende longa e em boa qualidade .

Por outro lado, as DII têm sido um dos focos de maior inovação na gastrenterologia, com introdução vertiginosa de terapêuticas inovadoras, biotecnológicas e não só, reduzindo a taxa de cirurgias e de utilização prolongada de corticosteroides, extremamente negativa a longo prazo e um factor de mau prognóstico em si mesmo. Em concreto, a utilização de imunomoduladores como a Azatioprina, embora não alterando a história natural da doença, permitiu reduzir a utilização de corticoides, e o aparecimento dos fármacos biotecnológicos, inaugurado com o Infliximab e os outros anti-TNF e actualmente complementado pelos inibidores da migração leucocitária (como o Vedolizumab) e os inibidores da Interleucina 23 (inaugurados com o Ustecinumab) puseram-nos finalmente no caminho da redução de cirurgias e da modificação da história natural da doença. Muito se espera do aparecimento mais recente das pequenas moléculas orais como os inibidores da Janus-Kinase , iniciado com o Ustecinumab no tratamento da colite ulcerosa.

Mas talvez tão importante como dispor de novos fármacos tem sido o recurso a novas estratégias de tratamento das doenças: conceitos como o de treat-to-targetou de tight control, validação da cicatrização endoscópica em geral, cicatrização histológica na colite ulcerosa  ou cicatrização transmural na doença de Crohn, têm sido as marcas da mudança efectiva na obtenção de resultados. A monitorização por novos biomarcadores laboratoriais (como a Calprotectina fecal) ou imagiológicos, (como a ecografia intestinal), têm permitido perseguir e atingir esses objectivos.

Porque se é verdade que no centro dos cuidados está sempre a pessoa, lição Hipocrática com 2500 anos, também é verdade que os cuidados de saúde se devem basear em boa evidência científica: diagnóstico precoce e atempado e indução da remissão clínica, endoscópica e profunda, de modo a controlar a inflamação e evitar a progressão para as formas desestruturantes e complicadas da doença: as fistulas, as estenoses, as neoplasias, as cirurgias e os estomas. Exactamente porque antes, durante e depois não perdemos de vista a pessoa em qualidade de vida, é essencial reconhecer que esta será muito mais fácil de atingir com o controlo atempado da inflamação através da aplicação rigorosa da boa prática clínica baseada na melhor evidência científica.

 

As DII no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte (CHLN)

No CHLN tentamos ter uma abordagem multidisciplinar integrada das DII, centradas no gastrenterologista e assente em quatro pilares principais: (1) a Consulta de DII, que segue cerca de 2500 doentes, de modo protocolado, com reuniões de grupo dos gastrenterologistas (com os internos em formação) e reuniões mistas com a cirurgia colo-rectal; (2) o Hospital de Dia de Gastrenterologia, baseado na actividade diária de um corpo de enfermagem dedicado especializado, onde se faz o ensino e aconselhamento dos doentes sobre as doenças em geral, se administram as terapêuticas endovenosas de fármacos biológicos e ferro, se faz o ensino das terapêuticas sub-cutâneas, a monitorização protocolada dos níveis séricos de biológicos doseáveis e de calprotectina nas fezes, e o apoio imediato, telefónico e presencial, às múltiplas necessidades dos doentes; (3) a Enfermaria de gastrenterologia, com internamento das formas moderadas e graves das doenças, no seu diagnóstico e descompensações; (4) e a Unidade de Técnicas de Gastrenterologia com a realização dos múltiplos exames endoscópicos diagnósticos, terapêuticos e de vigilância e monitorização que as doenças exigem. Indispensável são também as vias privilegiadas de contacto com as especialidades de Cirurgia Geral, Imagiologia, Anatomia Patológica, Infecciologia, Reumatologia, Dermatologia e o apoio das áreas de Nutrição e Psicologia Clínica.

Com um seguimento de mais de 2500 doentes, dos quais 600 doentes em terapêutica biológica, mais de 6000 consultas de DII, 3020 infusões e 1527 consultas telefónicas de enfermagem realizadas no Hospital de dia, no ano de 2020, o grupo de DII do CHULN orgulha-se da sua actividade e do seu contributo para o controlo destas patologias e para a melhoria da qualidade de vida dos nossos doentes.

homem careca e com óculos

 Luís Correia

 Responsável da Consulta de DII e Hospital de   dia de gastrenterologia do CHULN

 

As associações de doentes APDI

O Dia Mundial da Doença Inflamatória do Intestino comemora-se no dia 19 de Maio e nesse dia o que se pretende é sensibilizar para os obstáculos que estes doentes enfrentam no seu dia-a-dia.

A APDI – Associação Portuguesa da Doença Inflamatória do Intestino, Colite Ulcerosa e Doença de Crohn, é uma associação de doentes com 26 anos de existência que apoia as pessoas que vivem com esta patologia, bem como os seus familiares e todos os que interessam por saber mais sobre a DII.

Relativamente ao relacionamento com os estudantes temos vindo a desenvolver trabalho com estudantes de farmácia e nutrição numa base anual.

Estou a recordar que também já desenvolvemos um projeto com a Faculdade de Medicina do Porto muito interessante que nos permitiu falar com os estudantes, durante 10 minutos, integrado numa aula de cirurgia que abordava o tratamento da DII. Este projeto infelizmente terminou quando o professor da disciplina se reformou.

O que nos surpreendeu foi que enquanto falávamos sobre o trabalho que a APDI desenvolvida junto das pessoas com esta patologia os jovens estudantes de medicina ficavam muito curiosos e interessados, e viam a associação como um bom aliado no futuro para indicar aos seus doentes, ajudando-os a fornecer uma informação sobre a patologia mais adaptada a cada doente e em linguagem acessível à sua compreensão, mas com a qualidade que desejavam.

A aproximação dos estudantes de medicina às associações de doentes promove o humanismo e a compaixão. E “A compaixão é de alguma forma a alma da Medicina”(Papa Francisco).

Para conhecer melhor o nosso trabalho visite-nos em www.apdi.org.pt. Esperamos por si.

Mulher de cabelo curto

 Ana Sampaio

 Associação Portuguesa da Doença   Inflamatória do Intestino (APDI)

 

rapariga no hospital de dia de Gastro a receber tratamento com o auxilio de uma enfermeira

As associações de doentes ACCP

A gestão da Doença Inflamatória Intestinal é complexa e requer um controlo rígido da actividade da doença, monitorização próxima para evitar os efeitos colaterais do tratamento, profissionais de saúde com experiência em DII e uma abordagem holística interdisciplinar. Esta é a visão ideal, o que se deseja do ponto de vista clínico. Contudo, a perspectiva da pessoa com DII vai mais longe do que meramente um tratamento clínico.

Nos últimos anos, assistimos a muitas mudanças positivas na gestão, tratamento e cuidados dos pacientes com DII. O desenvolvimento de normas e orientações neste campo ajudaram a promover estas mudanças. A necessidade de evoluir, de um modelo puramente médico de cuidados para um modelo biopsicossocial nessas doenças complexas, crónicas e debilitantes, está agora a tornar-se mais amplamente aceite e reconhecido.

Basta pensar que o diagnóstico ocorre, por norma, entre os 15 e os 25 anos.  Uma pessoa com DII quer e precisa de um futuro além da doença. Precisa de estudar, fazer ERASMUS, iniciar a sua vida sexual, constituir família, desenvolver a sua carreira profissional e viajar. Ou seja, precisa de ter vida além do hospital e do consultório. Este é um ponto fulcral no futuro dos cuidados de saúde. O profissional de saúde e a pessoa com DII devem trabalhar em conjunto nesse sentido. Por vezes, aquilo que pode parecer algo insignificante para o profissional de saúde, tem um grande impacto no dia-a-dia do doente. Por exemplo, sempre que possível, a possibilidade de fazer tratamento biológico em casa permite à pessoa com DII reduzir o seu absentismo laboral ou escolar, permite maior flexibilidade para viajar em trabalho ou ir de férias, e reduz as deslocações ao hospital.

Para que um modelo biopsicossocial seja cada vez mais a norma e não a excepção, é importante que haja um diálogo constante e franco entre a comunidade de pessoas com DII e os profissionais de saúde. A cooperação entre Associações de doentes com estudantes de medicina é fulcral também na formação dos profissionais de saúde, precisamente para que haja este despertar de ver a pessoa com DII além de um mero quadro clínico.

Mulher com cabelo comprido

 Vera Gomes

 Presidente Associação Crohn Colite Portugal

www.crohncolite.pt

 

Equipa médica do hospital de dia de Gastro

 

Nota: Os autores optaram por escrever os textos com o antigo acordo ortográfico.