“Eu tenho a certeza que a mudança vai acontecer”
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homem em videoconferencia

Diogo Ayres de Campos, Professor Associado da FMUL, Médico e Diretor do Departamento de Obstetrícia do Hospital de Santa Maria, participou no debate que colocou os “Pontos nos ii” - no programa homónimo emitido pelo Porto Canal - e que lançou a discussão sobre a violência obstétrica em Portugal.

A intervenção no momento do parto e o facto de Portugal ter uma das taxas mais elevadas nesse campo deu o mote ao debate, em que Diogo Ayres de Campos evocou a Pirâmide de Maslow em relação ao trabalho de parto. “Primeiro, as pessoas querem segurança. Sem segurança, não há uma experiência positiva no parto. Depois, e uma vez assegurada a segurança, querem ser tratadas com respeito e ser envolvidas no processo. E é nestes aspetos mais complexos da Pirâmide de Maslow da Obstetrícia que temos falhado mais, não só em Portugal, mas em muitas partes do mundo”, declarou, referindo existir no leste e sul da Europa “problemas graves” no que respeita à “humanização e respeito pelas vontades da grávida”.

Assumindo o conhecimento da existência de queixas formais apresentadas à Ordem dos Médicos, Diogo Ayres de Campos partilha que “sempre disse aos profissionais de saúde que queremos evitar queixas, mas queremos sobretudo que haja uma sensação positiva no parto”. Queixas essas que encontram razão de ser, em grande parte, no facto de muitas mulheres reportarem situações em que se sentiram desrespeitadas, pressionadas ou objetificadas no momento do parto.

Uma das realidades que segundo Diogo Ayres de Campos deve ser alterada é “o excesso de intervencionismo com cesarianas e partos instrumentados”, indicando que Portugal tem uma das taxas de intervenção mais elevadas da Europa. “E há excesso de pressa”, acrescentou, sublinhando que “A questão de fundo é o que é que está por detrás disso e, na maior parte das vezes, não estão em causa más intenções, nem falta de interesse pelo que se passa. Está em causa aquilo que as pessoas acreditam ser a melhor forma, porque quando começaram a praticar era assim e elas acabam por fazer aquilo que viram os anteriores fazerem”. A partir deste ponto, o Professor fez uma ressalva pertinente, explicando o porquê de não concordar com a expressão “violência obstétrica”, pois considera que atribui uma “conotação negativa a toda a classe de Obstetras e enfermeiras obstétricas que, de uma forma geral, se preocupa com o bem-estar das grávidas”. “Na maior parte das vezes, o que sucede não é com intenção. Quando nós queremos mudar alguma coisa e usamos expressões que põe as pessoas que estão do outro lado de pé trás, tendemos a não conseguir a convergência de entendimento que pretendemos”, denotou em entrevista ao Porto Canal.

Práticas como indução do parto, episiotomia (incisão cirúrgica feita nos tecidos à volta da vulva para facilitar a saída do feto durante o parto) e toques foram também, tema de conversa por serem apontadas muitas vezes como desnecessárias. E sobre a realização de episiotomias em Portugal, o Professor concorda que há um excesso na prática, contudo não acredita que a solução passe por extinguir completamente a mesma, que deve ser efetuada não para prevenir a laceração, “mas sim quando já há sinais de laceração” para “termos a certeza que a laceração não vai em direção ao esfíncter anal”, frisou.

Diogo Ayres de Campos, que integrou uma comissão internacional em defesa da humanização nas salas de parto, entende que, na maioria dos casos, é “o desrespeito e o tratamento rude que condicionam uma experiência negativa” no parto. “Esse aspeto cultural implica uma autoavaliação e uma mudança de atitudes que leva mais tempo a mudar do que outras coisas que são mais fáceis de alterar numa sala de partos”, sublinhou o Professor no debate televisivo, que contou também com a participação de Catarina Barata, membro da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto.

Porque é através da informação e do conhecimento que se conseguem mudar mentalidades, assista aqui à entrevista em detalhe.