“Quase todas as descobertas em Medicina começam com uma pequena observação no laboratório, depois é preciso interpretar essa observação e, eventualmente, só uma pequena fração consegue ser transformada num medicamento, num tratamento, em algo que realmente ajuda e melhora a vida das pessoas”. Foi, assim, que a Professora Maria do Carmo Fonseca, Vice-Presidente do júri do Prémio Bial, nos trouxe à memória que todas as descobertas científicas contribuem para aumentar o conhecimento humano e melhorar a qualidade de vida da população, “mas há algumas que se destacam por serem particularmente revolucionárias”, referindo-se ao trabalho de Caetano Reis e Sousa, vencedor da primeira edição do Bial Award in Biomedicine 2019.
Foi no Grande Auditório João Lobo Antunes, no Edifício Egas Moniz, que nomes ilustres da nossa ciência e política aplaudiram o Professor Caetano Reis e Sousa e o Dr. Santiago Zelenay pela conquista do novo prémio atribuído pela Fundação Bial. A cerimónia foi presidida pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e distinguiu a investigação liderada por Caetano Reis e Sousa, publicada na revista “Cell” em 2015 (obra na qual participaram 12 autores de 6 nacionalidades distintas), que analisa a combinação da aspirina com uma terapia imunitária para o cancro.
Caetano Reis e Sousa vive e trabalha no Reino Unido, onde tem feito uma brilhante carreira científica, liderando atualmente uma equipa de investigadores no Instituto Francis Crick. O biólogo argentino Santiago Zelenay vive, também, há vários anos no Reino Unido, após ter feito o seu doutoramento em Portugal. “A convergência feliz de um português e um argentino” – nas palavras do nosso Presidente da República – deu origem a uma obra notável não só para a Biomedicina, mas para todos nós.
Numa cerimónia que louvou a Ciência no seu expoente máximo, marcaram presença o Diretor, Fausto J. Pinto, o Presidente da Fundação Bial, Luís Portela, Miguel Guimarães, Bastonário da Ordem dos Médicos, António Fontainhas Fernandes, Presidente do Conselho de Reitores da Universidades Portuguesas, entre muitas outras individualidades.
No discurso de abertura, Fausto J. Pinto enalteceu o trabalho de todos os profissionais na área da investigação científica e clínica, em particular, o trabalho de “excelência” da Fundação Bial na atribuição de “prémios estimulantes para o desenvolvimento científico” em Portugal e além-fronteiras. Tratando-se de um prémio internacional, “é um reconhecimento importante para o reforço do apoio à Ciência, e em particular, à Biomedicina”, sendo esta última uma área de extrema importância “no campus médico e académico”. Destacou a importância atribuída pela FMUL enquanto instituição académica, ao desenvolvimento e investigação científica, sobretudo, “da componente translacional que é fundamental para a aplicação do conhecimento em prol das comunidades”. Aproveitando a ocasião que reuniu alguns dos principais representantes do poder político nacional, Fausto J. Pinto reiterou a importância do apoio às instituições médicas académicas, “o repensar de alguns modelos de gestão para podermos melhorar a nossa performance e sermos, de facto, competitivos nos mais variados níveis, sobretudo nesta fase atual de reapreciação daquilo que são e devem ser os objetivos dos centros académicos clínicos”.
Seguiu-se Luís Portela afirmando que o prémio em questão surge da vontade de honrar o que de melhor se fez a nível mundial na área de investigação em Biomedicina e mais contribuiu para a saúde das populações, nos últimos 10 anos. Adiantou, também, que o sistema de bolsas de investigação criado pela Fundação Bial em 1994, já apoiou cerca de 700 projetos de investigação nas áreas da Psicofisiologia e Parapsicologia, envolvendo cerca de 1500 investigadores de 25 países. Os projetos apoiados têm sido cerca de 21% dos que acorrem à candidatura, selecionados pelo Conselho Científico da Fundação, presidido atualmente pelo Prof. António Damásio e constituído por 56 cientistas de 14 países.“Concorreram a este sistema de apoios à investigação científica profissionais de saúde de 44 países, o que demonstra bem a sua progressiva internacionalização”, frisou. Ao Prémio Bial em Biomedicina 2019 candidataram-se cerca de 40 propostas, sendo que uma das regras estabelece que não podem ser os próprios cientistas a candidatar-se. Já o júri é composto maioritariamente por especialistas internacionais, de múltiplas áreas e representantes de sociedades científicas, revistas médicas e universidades.
Carmo Fonseca não tem dúvidas do enorme potencial da descoberta premiada, que originou vários ensaios clínicos em doentes com diferentes tipos de cancro, mostrando que Portugal “está a jogar na primeira liga da Ciência global”. “Para além da importância de um prémio que projeta Portugal na comunidade científica internacional, a equipa premiada nesta edição é mais um motivo de orgulho para Portugal porque, primeiro, o principal autor, mentor deste trabalho é um colega português, que optou por uma carreira no Reino Unido onde é reconhecido ao mais alto nível entre os seus pares britânicos, e segundo porque um dos elementos principais, mais jovens da equipa, é um biólogo argentino que fez o seu doutoramento em Portugal. Isto quer dizer que as nossas instituições, os nossos laboratórios estão a contribuir a nível internacional para dar formação científica a esses profissionais, que depois podem ir para qualquer parte do mundo como é o caso do Santiago que, neste momento, já é um cientista independente”. Referiu-se, ainda, a este prémio com a ambição “de vir a ser reconhecido, no futuro, como uma espécie de preview do Prémio Nobel da Medicina – a distinção máxima que um cientista pode almejar no reconhecimento pelas suas descobertas – um pré-prémio Nobel que valoriza o potencial de grandes descobertas”.
Por seu turno, enquanto representante da equipa “e co-premiados”, Caetano Reis e Sousa mostrou-se "muito honrado" com a distinção, agradecendo primeiramente ao iMM pela nomeação do trabalho, agora premiado, que apresentou a toda a audiência. Este prémio tem para os seus autores um significado muito maior do que o título que em si mesmo encerra. “É um prémio muito importante, porque é o reconhecimento de um tipo de investigação pré-clínica que, às vezes, não tem o mesmo reconhecimento que a aplicação clínica em si própria, mas que é essencial para que haja progresso hoje em dia na Medicina”, afirmou Caetano Reis e Sousa, reforçando a necessidade de se estabelecer “uma aliança muito profunda entre o que consideramos a ciência fundamental, a investigação básica digamos, e a aplicação clínica”.
Ora, o estudo, intitulado Cyclooxygenase-dependent tumor growththroughevasionofimmunity, incide sobre "a área do controlo do cancro pelo sistema imunitário". O especialista explicou que há uma "grande resposta imunitária contra os tumores que pode ser manipulada do ponto de vista terapêutico" e começou-se a estudar os processos que levam à aquisição de respostas anti-tumorais. O estudo incide sobre as chamadas "imunoterapias dos inibidores de checkpoint", pontos de regulação da resposta imunitária.
Os investigadores começaram a estudar as células dendríticas, procurando descobrir a eventual existência de mecanismos pelos quais as células tumorais podiam, talvez, inibir a atividade das células dendríticas. Através de modelos pré-clínicos, ou seja, ratinhos de laboratório, os investigadores deram conta que tal hipótese era verdade. A última fase do trabalho passou por mostrar que, além de ser possível manipular geneticamente as células tumorais, era também possível manipular a farmacologia, de modo a induzir o mesmo tipo de resposta. “Aí o que testamos foram inibidores de cicloxigenase - enzima para a qual existem vários inibidores, entre os quais a aspirina", refere Caetano Reis e Sousa. "A experiência era muito simples e consistia em combinar a aspirina com estes inibidores de checkpoint. Penso que este trabalho é uma boa demonstração do processo pelo qual uma busca de conhecimento pode levar e, talvez, revelar novas maneiras de alvejar uma determinada doença e poder vir a ter mérito terapêutico”.
Marcelo Rebelo de Sousa entregou os diplomas correspondentes à obra vencedora e no seu discurso enalteceu o trabalho da Fundação Bial, para além do apreço e carinho demonstrado pelos cientistas e todos os colaboradores do projeto vencedor, bem como por toda a comunidade FMUL. “Há 36 anos, uma fundação privada lançar-se na Saúde, nas ciências da vida, nas neurociências, tomá-las como área de ponta, lançar um prémio, começar a apoiar centenas de investigadores e promover iniciativas científicas de excelência […], acreditar-se, então, que tudo isto podia ser realizado e mudar a face da sociedade portuguesa era do domínio do inverosímil, do irreal, da ficção nunca materializada e, no entanto, tudo isto aconteceu, tudo isto passou de ideia a realidade, tudo isto ajudou a mudar Portugal”, começou por dizer, sublinhando que a distinção agora celebrada “realça o salto dado por tantos em Portugal para sairmos da periferia científica ou da periferia do conhecimento como um todo, para desempenharmos um papel ativo na promoção da Ciência de topo a nível mundial, para apostarmos na mudança e na inovação e as colocarmos cada vez mais ao serviço da comunidade, para nos comprometermos com os grandes desafios que se colocam à Humanidade”.
A somar a este gesto de louvor, Marcelo Rebelo de Sousa homenageou o “mérito do apoio ao conhecimento, do apoio à educação, à formação e à mudança de mentalidade” empenhados por Luís Portela, que recebeu, com emoção, as insígnias da Grã-Cruz da Ordem de Instrução Pública. Um ato de gratidão pela Ciência e pela Humanidade, que ficará seguramente na memória de todos.
A Fundação Bial, independente e sem fins lucrativos tem perseguido aquele que é o seu objetivo principal: apoiar a investigação em Saúde através da atribuição de prémios, bolsas e financiamentos para projetos na área das Ciências Médicas. O trabalho desenvolvido ao longo dos seus 25 anos de existência – trabalho esse que teve muitas vezes assinatura de ilustres da nossa Escola – pôde ser contemplado numa exposição itinerante que passou pelo átrio do Edifício Egas Moniz.
E se é agora uma novidade este prémio que distingue o melhor dos melhores trabalhos na área da Biomedicina, não é novidade a vontade da Fundação Bial em incentivar a pesquisa médica e divulgar obras de grande repercussão na área da investigação médica, feito que iniciou há já 36 anos (de forma bianual) através da atribuição do Prémio BIAL de Medicina Clínica, que, nas 18 edições decorridas desde 1984, já distinguiu 102 obras, de 276 autores, entre os quais dos melhores profissionais de saúde portugueses e estrangeiros.
Com os patrocínios da Presidência da República, do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e da Ordem dos Médicos, o Prémio BIAL afirmou-se como um dos maiores galardões na área da Saúde em toda a Europa, reconhecendo e distinguindo a investigação básica e clínica.
Ao longo das edições realizadas, este galardão acompanhou a evolução e as tendências da Medicina, tendo premiado diversos trabalhos no âmbito das doenças civilizacionais, genética, medicina molecular, imagiologia, terapêuticas substitutivas e regenerativas, entre muitos outros.
Em 2017, com o intuito de alargar o âmbito de atuação da Fundação e de reconhecer o que de mais notável e relevante tem sido descoberto na área biomédica, foi criado o Bial Award in Biomedicine. Este novo prémio, no valor de 300 mil euros, destina-se a galardoar uma obra publicada a partir de 1 de janeiro de 2010, de índole biomédica, que traduza um trabalho com resultados de grande qualidade e relevância científica, e conta com o apoio do Presidente da República Portuguesa, do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas e da European Medical Association. “Assim, a Fundação entendeu manter nos anos pares o prémio mais focado na investigação clínica e decidiu criar o novo Bial Award in Biomedicine a ter lugar nos anos ímpares, mais abrangente em termos de ordem científica, mas também em termos geográficos”, explicou Luís Portela.
O novo prémio – Bial Award in Biomedicine – promete seguir o trilho de sucesso do seu antecessor e passará, então, a ser atribuído em anos alternados com o Prémio BIAL de Medicina Clínica, que decorre já no presente ano.
Está prometido para 2021 a segunda edição do Bial Award in Biomedicine, “com um regulamento semelhante ao primeiro, apenas acolhendo algumas sugestões de melhoria feitas pelo júri”, adiantou o presidente da Fundação, manifestando o desejo de “continuar uma discreta, mas eficaz atividade mecenática de apoio e iniciava aos investigadores e profissionais de saúde em Portugal e no Mundo”, contribuindo “simplesmente para um mundo mais esclarecido, mais saudável, mais equilibrado e mais harmonioso”. E é esse, também, o nosso desejo! Hoje e sempre, porque o progresso faz-se a cada dia com conhecimento e cooperação, em prol de uma causa que transcendente a própria Ciência e nos eleva enquanto seres humanos.
Sofia Tavares
Equipa Editorial