No passado dia 17 de fevereiro, a emissão em direto da Antena 1 teve lugar a partir da Aula Magna da Faculdade de Medicina. Esta emissão contou com a participação de individualidades que proporcionaram um espaço de discussão acerca da despenalização da eutanásia.
Em maio de 2018, este tema já tinha sido discutido no Parlamento, no entanto, os diplomas apresentados por alguns dos partidos que defendiam a despenalização da eutanásia, foram chumbados na generalidade. Dois anos passados, o Parlamento português volta a discutir este tema e o país volta a dividir-se.
“Eutanásia: a favor ou contra?” foi um dos muitos debates, promovidos pelos mais diversos canais e suportes de comunicação, que se desenrolaram durante esta semana, de forma a combater a desinformação acerca deste tema.
O debate na FMUL ficou marcado pela dicotomia “a favor/contra” estabelecida entre os dois lados da mesa que ocupava todo o prolongamento do palco da Aula Magna. Os sete intervenientes encaravam o público quase como se de uma aula se tratasse, mas na verdade, estavam a falar para microfones que transmitiam as suas vozes, em tempo real, para todo o território português. A Aula Magna da FMUL foi o epicentro para o debate relativo a um tema tão fraturante quanto polémico, com defensores acérrimos dos dois lados da discussão.
Do lado esquerdo para o direito, o público podia observar Graça Varão, fundadora do movimento “STOP a Eutanásia”, Carlos Costa Gomes, investigador do Instituto de Bioética da UCP, Miguel Oliveira da Silva, Professor de Ética Médica da FMUL, António Jorge, jornalista da Antena 1 que iria moderar o debate, Eurico Reis, Juiz Desembargador, Álvaro Beleza, Médico e Gilberto Couto, Gastroenterologista e representante do Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida.
O jornalista da Antena 1, António Jorge abriu o debate lembrando todos que estavam em direto para todo o país, através da rádio e do Facebook. A sessão teve início com a definição do conceito de eutanásia: “Direito a uma morte sem dor, nem sofrimento para doentes incuráveis, praticada com o seu consentimento, de forma digna e medicamente assistida", definição esta aceite unanimemente por todos os presentes na mesa.
O Professor de Ética Médica da FMUL, Miguel Oliveira da Silva, foi o primeiro a intervir e colocou de imediato a questão de que 80 a 85% dos pacientes, que precisam, não têm direito a cuidados paliativos de excelência no SNS. Afirmou ainda que “não há liberdade sem equidade” e que, por isso, toda a população deve ter direito a este tipo de cuidados. O Prof. Miguel Oliveira da Silva acredita que deveria existir um referendo para dar espaço e voz a todos os portugueses que não estão representados no Parlamento.
Por sua vez, o Juiz Desembargador, Eurico Reis, lamentou a falta de cuidados paliativos, mas não deixou de salientar que a pena de prisão pode ir até 3 anos para um médico que dê assistência à morte e salvaguarda que “não quer que os médicos sejam considerados criminosos por ajudarem pessoas”.
Carlos Costa Gomes, investigador no Instituto de Bioética da Universidade Católica Portuguesa foi o terceiro a intervir e introduziu um novo conceito no debate: “dignidade humana”, enquanto uma qualidade intrínseca ao ser humano. Carlos Costa Gomes defende o referendo e ainda que, “os cuidados paliativos devem ser prestados em qualquer circunstância”.
O médico Álvaro Beleza, levantou imediatamente uma pergunta que apanhou todos os presentes de surpresa: “Quem sou eu para limitar o direito de alguém a morrer?”. Álvaro Beleza destacou o direito à liberdade e autonomia individual, na hora da partida: “A qualidade da democracia passa por não impedir a liberdade do outro”. Defendeu a despenalização da eutanásia porque acredita no “direito ao suicídio de uma pessoa consciente” e na descriminalização dos médicos que derem apoio nestes casos.
O movimento “Stop Eutanásia” esteve representado por Graça Varão, que se coloca do outro lado desta moeda. Afirma que, ao descriminalizar a prática da eutanásia, o papel dos médicos é revertido, para deixar de se apoiar e promover a saúde e o bem-estar. Ao justificar a sua posição, utiliza as expressões “cultura de descarte” e “banalização da morte”, enquanto consequências da aprovação de uma lei que não considere como criminosos, os profissionais de saúde que pratiquem a eutanásia.
A fechar estas primeiras intervenções, o gastroenterologista Gilberto Couto, e representante do Movimento Cívico para a Despenalização da Morte Assistida, reforçou a sua posição lembrando que, até na altura da morte, devemos ser livres nas nossas escolhas e que esta despenalização “estimula a liberdade individual e a reserva da vida privada”.
Ao longo do debate, a jornalista Marta Pacheco, filtrava as intervenções e comentários que os interlocutores colocavam na caixa de comentários da transmissão em direto no Facebook. Alguns dos presentes na Aula Magna tiveram ainda oportunidade de levantar questões aos elementos da mesa e interpolar as suas intervenções com novos pontos de vista.
O debate desenrolou-se e as palavras que mais se ouviram foram: referendo, liberdade individual, dignidade humana, respeito à vida, democracia ou informação.
O Prof. Miguel Oliveira da Silva questionou se “é saudável para a democracia tomar uma decisão destas sem mais debate?”. Do ponto de vista do professor da FMUL, “não há liberdade, sem informação” e que é necessário envolver mais os portugueses nesta discussão e oferecer-lhes ferramentas para tomarem uma posição.
Carlos Costa Gomes lembra que há um parecer negativo da parte da Ordem dos Médicos e Enfermeiros e questiona se esta decisão deverá então caber apenas aos políticos. Álvaro Beleza reitera, “o Bastonário é o guardião do código deontológico e tomou uma decisão muito equilibrada”.
Graça Varão, no seguimento desta ordem de ideias, apontou o papel da “solidariedade” como chave essencial para o desenvolvimento de qualquer sociedade. Considera a população portuguesa pouco solidária, referindo a necessidade de “humanizar Portugal e não promover uma cultura de descarte”.
Quando se levantou a questão da necessidade de um referendo, as opiniões voltaram a divergir. O juiz Eurico Reis interpolou os seus colegas de mesa: “Que pergunta é que se colocaria no referendo?”, as suas preocupações pendiam para o enviesamento das opiniões a propósito de um voto que apenas permitia selecionar “Sim” ou “Não”. Na sua opinião, não se deveria realizar um referendo uma vez que “um referendo campeia os falsos argumentos”.
Quando a discussão pendia para o âmbito político, Carlos Costa Gomes aproveitou a sua intervenção para lembrar que a eutanásia levanta questões sociais e filosóficas, que não podem ser discutidas recorrendo a doutrinas partidárias.
A dicotomia “favor/contra” foi apresentada, ao longo deste debate, com argumentos válidos de ambos os lados. Muitas questões ficaram por responder, mas alguns pontos de vista foram confirmados.
No passado dia 20 de fevereiro de 2020, as propostas de lei sobre a despenalização da eutanásia foram aprovadas no Parlamento. Novos desafios se colocam para o nosso país, para que não se deixe de promover compaixão, a tolerância e a solidariedade, aprofundando o conhecimento individual e valorizando a dignidade humana e o direito à qualidade de vida.
No fecho da emissão que marcou a primeira parceria entre a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e a Antena 1, o jornalista António Jorge lembrou que muito ainda há a discutir sobre este tema, procurando ouvir sempre os argumentos dos “dois lados de uma moeda complexa”.
Catarina Monteiro
Equipa Editorial