O tema amplamente estudado pela Ciência ganha especial protagonismo quando é apresentado por uma das cientistas cuja relação com a genética vem desde longe. O elixir que atrase ou reverta o envelhecimento ainda não foi totalmente descoberto. Mas vários passos foram já dados para que em breves décadas possamos falar de amortalidade, essa reversibilidade que nos fará viver muitos mais anos além dos previstos hoje em dia.
A cada mês a Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa tem lançado diversas talks, o objetivo é estar ligado num sistema em rede a partir de uma das salas da Faculdade, sala Paul Janssen, e apresentar um tema cuja atualidade e interesse desperte reações várias a quem assiste.
Numa edição onde refletimos entre fronteiras da mortalidade e da amortalidade, quais são as verdadeiras possibilidades de sabermos que aos 80 anos ainda estamos só a entrar na meia-idade?
Ficção? Não, análise científica.
Se no passado as doenças infeciosas eram a principal causa de morte precoce, combatida graças aos novos fármacos, agora o que sabemos é que ao aumentar a esperança média de vida, novas doenças nos assombram sobre o fim do prazo da vida humana. Uma dessas doenças é o cancro, que surge por causa genética e cujas características das células apresentam erros, ou por causas evitáveis, causadas por exposição ao meio ambiente. Diante de um novo paradigma de novas causas de morte, o que podemos esperar atualmente quando envelhecemos? “Se quisermos viver mais tempo temos que resolver o problema do cancro”, afirma a Professora de Oncobiologia. Tendo presente esta evidência, a outra é que todos temos um limite de validade, um prazo. “Os órgãos têm um período de vida porque as células entram em falência. O grande desafio da Ciência é sermos capazes de reverter ou atrasar este envelhecimento”, afirma.
Grande sonho para um vasto grupo de cientistas, este elixir da juventude pretende reeducar as células fazendo com que elas andem para trás, como um relógio que recua no tempo. A investigar uma molécula de ácido ribonucleico (RNA), molécula muito particular e que, quando manipulada não só interrompe o envelhecimento, como leva as células velhas a comportarem-se como novas, Carmo-Fonseca sabe que aquilo que se considerava ser impossível até 2006 mudou desde então. Essa mudança tem um grande responsável, Shinya Yamanaka, o médico e cientista japonês laureado com o Nobel de Fisiologia ou Medicina em 2012 e que “conseguiu descobrir um cocktail de moléculas que conseguem alterar o padrão de expressão genética de células diferenciadas e velhas e só manipular a expressão genética, conseguindo reverter estas células em embrionárias”. Conseguia-se então perceber que já era possível reverter células individuais. Mas e o que responder ao nível do corpo?
As primeiras experiências vieram em seguida de Madrid. Colocaram um grupo de substâncias num rato e fizeram essa mesma reversão do relógio. O que aconteceu foi que muitas células reverteram, mas rapidamente se degradaram dando origem a tumores. Ao andarem para trás tinham criado um novo problema, desregulavam agora o tipo de comunicação interna celular e os tumores acabavam por matar os animais.
Espanha mantinha-se presente com assinatura de novo estudo, desta vez pelas mãos de um cientista a viver nos EUA. Assumindo que se sabia como levar as substâncias químicas para o organismo, sabiam agora que não as queriam descontrolar. Então começaram a dar pequenas quantidades dessa substância, evitando o seu efeito nefasto, Este doseamento causou enorme sucesso. Os ratos velhos começavam a ter resposta e a ficar mais jovens. No entanto, estes tinham características especiais para que envelhecessem mais depressa.
Atualmente os ratos usados têm uma idade normal, ou seja, não manipulada e como tal a espera da observação exige muito mais tempo, fazendo com que todo o seu processo seja também mais lento.
Desde aí diversos grupos científicos começaram a focar-se em células específicas de órgãos concretos, ficando cada um destes a manipular geneticamente apenas uma parte do corpo e não o todo. Carmo-Fonseca faz precisamente isso no seu Laboratório do Instituto de Medicina Molecular, manipula genes e força-os a serem novos. O objetivo de todos estes trabalhos? Os grupos tentam reverter células-alvo e que perdem muitas das suas capacidades com a idade.
Pondo em contacto o sistema circulatório de animais velhos com os jovens, perceberam então que o sangue jovem que circulava num corpo velho, conseguia fazer que o velho recuperasse bastante.
Indicando 2014 como a data onde explodiram inúmeros papers consistentes sobre estas observações Carmo-Fonseca salienta que “o grande interesse era agora perceber quais as moléculas químicas do sangue mais novo que causavam precisamente este mesmo efeito. A ideia era ter esta substância química em comprimidos e poder tomá-los com normalidade”. Acrescentou ainda que só no Instituto do qual Preside há já dois investigadores a contactar com este campo.
Perante o cenário atual um vasto leque de esperanças se vislumbra no horizonte, um dos mais próximos poderá ter relação direta com as Doenças Neurodegenerativas. A questão foi levantada no debate por Joaquim Ferreira, o Professor de Farmacologia e especialista em Doenças do Movimento. Revertendo as células envelhecidas o cérebro deixaria assim de ser lesado por estas doenças que afetam não só a memória como as ações físicas. No entanto a oradora principal Maria do Carmo Fonseca deixou claro, “o Alzheimer ou o Parkinson podem ser explorados positivamente, mas só antes dos sintomas se instalarem e só aí, sim, se pode assumir um possível sucesso!”.
Teremos então resultados reais um dia?
As dúvidas parecem dissipar-se, contudo, faltam ainda algumas décadas como nos explica a cientista, “talvez daqui a uns 80 anos”. E então por certo alguns de nós possam ainda vir a confirmar que o seu tempo irá reverter.
Reveja aqui a Talk sobre Espreitar a Amortalidade.
Joana Sousa
Equipa Editorial