Para atravessar uma estrada, é-nos ensinado desde pequenos, “Primeiro, olhar para a direita. Segundo, para a esquerda, e só depois de nos certificarmos que não vem ninguém, podemos atravessar!”. Estava na segunda classe, e já era matéria dada nas aulas de Estudo do Meio. Ouvi, mas não aprendi!
Foi no dia 17 de setembro de 1991 e eu tinha 7 anos. Nesse dia não me lembrei da lição dada!
“Não atravesses que vem aí um carro!”, alguém gritou do outro lado da rua. Parei! Esperei que o carro passasse e atravessei! Atrás vinha outro carro… Bem-vindo ao coma!
Segundo o dicionário, coma é um estado de inconsciência do qual não se pode ser despertado. No meu caso o estado de inconsciência durou cerca de 5 dias.
Despertei, numa noite de tempestade, no Hospital de Santa Maria e segundo me foi dito, a primeira coisa que disse à equipa de plantão foi que tinha sofrido um atropelamento porque ia ter com os meus pais ao aeroporto.
Não sei de onde saiu esta ideia. Estávamos no verão, o que significa que era altura de trabalho no campo para os meus pais.
Quanto às tempestades, talvez seja por isso que hoje, aos 36 anos ainda as respeite!
Tenho, contudo, guardado na memória, dois momentos em que penso ter saído deste estado de “inconsciência profunda”, ainda que por breves momentos. Lembro-me de ver a minha irmã vestida com aquela camisola aos losangos cor-de-rosa e verdes e com as calças cor-de-rosa que compunham a fatiota. Lembro ainda, vagamente, de ver a tia Elvira que me dava um peluche e me perguntava aos ouvidos qual seria o nome dele, “Luís” respondi-lhe! Não sei, no entanto, se não serão apenas memórias condicionadas pelo facto de ter ouvido um sem fim de vezes falarem sobre estes dois momentos. Acho que nunca saberei!
Nos dias que se seguiram ao meu despertar, recordo-me que, quando não conseguia dormir, chamava as auxiliares que me davam pacotes de bolacha Maria e via as luzes da cidade, a que não estava habituada, e os aviões que descolavam e aterravam no Aeroporto.
Quando surgiu a proposta para fazer este texto foram-me enviadas 4 questões, a que passarei a responder:
A tua perspetiva de vida mudou?
- Hoje, se disser que não, provavelmente não será verdade. Mas aos 7 anos não pensei muito no assunto, chateava-me a perna partida e não poder brincar nos recreios.
Passaste a ter mais medo da morte ou menos?
- Talvez pela idade, talvez por ser saudável, mas a morte não me assusta muito. Na realidade não penso muito nela. Penso na vida, no que vivemos até que, entretanto, a morte chegue!
O que é a morte para ti?
- Um estado de inconsciência do qual não mais se despertará, nem em dias de tempestade.
Acreditas que vivemos para lá da morte física?
- Acredito que a energia que nos acompanha em vida fica por cá e nesse aspeto sim, acho que vivemos além da morte física. Mas num contexto metafísico, nunca religioso.
A pessoa que compôs este texto pediu para não ser identificada, pois a exposição desde seu momento sobre o qual mal fala, já foi exposição suficiente.
A equipa da news@FMUL jamais esquecerá a bondade deste gesto.
Muito obrigada.