São jovens, curiosos e inconformados. Dois dos vencedores dos Prémios AEFML - Dia da Investigação 2019 aceitaram o convite para uma curta entrevista e fomos conhecer um pouco mais sobre o que está na mira da sua curiosidade. Apresentamos o Francisco Alexandrino, estudante do 4º ano do MIM, e Guilherme Vilhais, do 5º ano.
São ambos estudantes de Medicina, investigadores e vencedores dos Prémios AEFML - Dia da Investigação. O que está na base da vossa inspiração?
Guilherme: Decidi que queria experimentar fazer investigação no fim do 3º ano. Tinha acabado de ter Oncobiologia, uma das áreas disciplinares que mais gostei durante o curso, e por isso decidi que queria fazer parte de um projeto nesta área. Falei com a Professora Sandra Casimiro, que tinha sido a minha professora das práticas de Oncobiologia e manifestei a minha vontade em submeter um Projeto de Investigação ao Programa “Educação pela Ciência” do GAPIC, com o objetivo de que o mesmo viesse também a ser o meu Trabalho Final de Mestrado. Falámos sobre os projetos que o Laboratório tinha em curso e alinhámo-nos neste tema. Era uma questão que precisava de ser esclarecida para tornar mais robusto um estudo mais abrangente que já estava em curso e a mim atraiu-me o facto de envolver conceitos e vias que já me eram familiares e da hipótese que formulámos inicialmente ser bastante intuitiva.
Francisco: As pessoas que mais me inspiram, no mundo da Ciência, são aquelas que no meio da sua humildade e simplicidade conseguiram grandes feitos através das suas descobertas. No entanto, neste contexto, tenho de referir, sem dúvida, Sidney Farber, pai da quimioterapia moderna, e uma das minhas grandes inspirações no mundo da Medicina e Ciência em geral. O Dr. Farber declarou guerra ao cancro em 1948, ao ter conseguido pela primeira vez, através m fármaco criado por si, o antifolato aminopterina, uma remissão clínica de um cancro. Robert Sandler, um menino de 2 anos com LLA (doença esta que é essencialmente pediátrica e que estudei), foi o primeiro doente a receber o fármaco “milagroso” do improvável Dr. Farber e a entrar para a história. Sidney Farber saiu da sombra da sua cave fria no Hospital de Boston onde trabalhava como patologista, iniciando uma luta incansável contra o cancro, procurando reunir esforços, pela primeira vez na história, em torno daquela que viria a ser a doença não do seu século dele, mas do nosso. É oportuno dar este contexto histórico precisamente por duas razões: primeiro, porque a doença que estudei foi aquela onde a luta contra o cancro começou, o que só por si é um motivo de orgulho; mas, por outro lado, porque Sidney Farber é a personificação da atitude que deveremos assumir no mundo da Ciência, um modelo de perseverança , pelo qual sempre me tentei orientar. Encarei este meu estudo, portanto, sempre com grande responsabilidade, mas também com grande entusiasmo, já que me encontrava pela primeira vez num meio onde poderia, quem sabe, fazer a diferença na vida de alguém, tal como o Dr. Faber fez pela primeira vez na vida do menino Robert.
À semelhança do Dr. Farber também vocês andaram desaparecidos nas “caves frias” hospitalares, onde deram continuidade à luta contra o cancro? Querem explicar melhor em que é que consistiu o trabalho de investigação de cada um e que sabemos que foi em laboratórios do iMM?
Guilherme: O meu estudo consistiu em estudar as implicações de uma via, a Via RANK-RANKL, em Cancro da Mama Luminal. Esta via já é conhecida há bastantes anos como sendo importante na fisiopatologia da Remodelação Óssea e das Metástases Ósseas de Cancro da Mama, mas o seu papel nos Tumores Primários ainda não é muito claro. O meu estudo focou-se em tentar responder a uma questão específica, colocada a partir da observação do grupo do Laboratório do Professor Luís Costa de que as células que sobre expressam este recetor, o RANK, apesar de terem características de maior agressividade, formam tumores pequenos quando injetadas nas glândulas mamárias de ratinhos. Estudámos estas células in vitro e in vivo e chegámos à conclusão de que as mesmas são muito pouco proliferativas, o que pode constituir um importante mecanismo de resistência à Quimioterapia. Adicionalmente, percebemos que esta via interfere também com a expressão dos recetores de estrogénios, um alvo muito utilizado em Cancro da Mama Luminal. Os Tumores da Mama são heterogéneos. Têm muitas células diferentes, incluindo células que sobre expressam o RANK. As nossas observações sugerem que esta subpopulação celular, ao apresentar estas caraterísticas que lhe conferem resistência às terapêuticas de que dispomos hoje em dia, podem ir persistindo, vindo mais tarde a ser responsáveis pela progressão ou pela recidiva do Cancro.
Francisco: O estudo, que desenvolvi ao longo de mais de um ano no Laboratório do Professor João Barata, baseou-se na caraterização de um gene peculiar, o CASZ1, em contexto de Leucemia Linfoblástica Aguda de células T (LLA-T). O CASZ1 estava descrito na literatura como tendo um comportamento dual em diferentes tumores, pois poderia comportar-se como supressor em alguns, mas também, como seu promotor noutros, algo invulgar. Não se encontrava descrito em LLA e não fui eu que tomei conhecimento dele por minha própria iniciativa, mas sim o meu tutor, Bruno Cardoso, no seguimento da sua tese de doutoramento. Iniciei, então, o meu trabalho no laboratório sob a tutoria do Bruno, que já se encontrava a estudar este gene. Fiquei responsável por estudar o mesmo em linhas celulares diferentes, procurando perceber se este gene contribuía ou não para um comportamento agressivo das células leucémicas e se poderia ou não induzir resistência a algumas terapêuticas. Acabámos por descobrir que, em contexto de LLA, o CASZ1 se pode comportar como um oncogene, induzindo nas células uma resistência ao stress, condição essa criada pela privação de soro fetal bovino, o meio que as nutre e possibilita a sua viabilidade e proliferação. Para além desta resistência ao stress, o CASZ1 também demonstrou aumentar a resistência das células à L-asparaginase, um fármaco que priva as células de asparagina, do mesmo modo que o fármaco aminopterina, criado por Farber em 1947, depletou de folatos as células das crianças com leucemia, matando as células leucémicas, induzindo remissões, que infelizmente foram de curta duração, mas que permitiram abrir as portas de todo um novo mundo – o da quimioterapia.
Relativamente a estas descobertas, qual é a aplicabilidade dos vossos estudos de investigação na prática clínica?
Guilherme: Este estudo, e o projeto mais abrangente em que está inserido, são um bocadinho o primeiro passo para estudar o potencial benefício de bloquear farmacologicamente a Via RANK-RANKL com o objetivo de melhorar o prognóstico do Cancro da Mama Luminal Primário. É verdade que temos imensas armas terapêuticas dirigidas ao Cancro da Mama Luminal, mas há ainda um longo caminho a percorrer. Temos que identificar as vias de resistência que o Cancro encontra para nos escapar e arranjar forma de as bloquear e quem sabe se esta não é uma delas.
Francisco: Será importante, no futuro, estudar se os doentes que têm maiores taxas de resistência à L-asparaginase são aqueles que têm maior expressão de CASZ1 nas suas células leucémicas. Com este projeto, conseguimos caraterizar um pouco melhor esta Leucemia, trabalho esse que tem vindo a ser desenvolvido de forma pioneira pelo laboratório onde estou integrado. De um modo geral, apesar desta leucemia apresentar taxas de remissão superiores a 80% em idade pediátrica, importa continuar a descobrir novos biomarcadores e alvos terapêuticos. A Ciência é feita de curiosos e inconformados e foi nesta perspetiva, sem saber o que esperar deste gene, que conseguimos fazer esta pequena descoberta, mas ao mesmo tempo tão relevante por tudo aquilo que me ensinou.
Pelo entusiasmo demonstrado, consigo compreender que o apoio do Programa Educação pela Ciência foi fundamental para o avanço dos vossos estudos. Como descrevem o apoio do GAPIC, bem como a AEFML, em termos práticos?
Guilherme: O Programa "Educação pela Ciência” do GAPIC facilita imenso a realização de um projeto de investigação durante o MIM e incentiva os alunos a fazê-lo. Acho que está muito bem conseguido a partir do momento em que associamos imediatamente o “gostava de fazer investigação” ao “vou fazer um GAPIC”. Em segundo lugar, o apoio monetário. Não sendo um valor muito elevado, face aos reais custos de fazer investigação nesta área, é uma ajuda e promove, de facto, que os Laboratórios recebam alunos pré-graduados.
Francisco: Este projeto, mais do que toda a experiência científica e laboratorial que me deu, possibilitou-me conhecer pessoas incríveis que me inspiraram a ser mais e melhor em prol da Ciência. Estas pessoas, nomeadamente, João Barata, Cláudia Faria, Bruno Cardoso, Teresa Serafim e Isabel Alcobia, possibilitaram que eu, um mero estudante de medicina, sem qualquer qualificação e experiência laboratorial, com apenas uma gigantesca curiosidade e ambição, pudesse integrar um laboratório de excelência, em busca de um novo mundo. Não posso deixar de mencionar a incrível equipa do João Barata Lab que me acolheu como se fosse um deles, aliás como se pode ver pela fotografia.
Esta nova realidade, tirou-me diariamente da minha zona de conforto, pois como alguém disse no Dia da Investigação – a Ciência ensina-nos a errar, enquanto que na Medicina somos ensinados a não falhar. Falhei muitas vezes claro e desengane-se aquele que pensa que o mundo da Ciência é fácil pois, muito, muito trabalho mesmo, é deitado fora, algo que não tinha noção e que por vezes me deixou frustrado, mas não menos motivado. Esta dicotomia transcende qualquer estudante que como eu teve a sorte de se encontrar neste meio. Por tudo isto que referi, acredito que um investimento como o que foi feito este ano pela AEFML, em parceria com o GAPIC, será crucial para continuar a impulsionar o saber médico e a atrair novos estudantes e potenciais para a bancada de laboratório, pois só assim é que Portugal conseguirá estar ao nível dos grandes da Ciência, dos quais ainda estamos distantes, não pela falta de potencial, nem pela falta de mentes brilhantes, nem muito menos pela falta de empenho e trabalho, mas sim pela falta de estratégia política para a Ciência, algo que creio que estará para mudar em breve.
Não posso também deixar de agradecer ao GAPIC pelo 22º Programa “Educação para a Ciência” que, com certeza, ao longo de anos de melhorias sucessivas, tem levado futuros médicos a quebrar barreiras, possibilitando, desde tenra idade, que as suas perguntas da clínica passem para a investigação, pois aqui é que reside a chave e só assim é que conseguimos melhorar a vida dos doentes em todas as suas vertentes.
Futuramente, têm interesse em continuar a vossa investigação na área do cancro?
Guilherme: Ainda não decidi o que é que quero fazer no futuro. Há algumas possibilidades em aberto, mas gostava de trabalhar em algo ligado à Oncologia. Acho que é uma área que se vai expandir imenso durante o nosso tempo de vida. Está a avançar bastante do ponto de vista científico e representa, ao mesmo tempo, um enorme desafio de sustentabilidade financeira e de capacidade de resposta a uma população com uma esperança média de vida cada vez maior. É uma área de que a investigação é verdadeiramente indissociável, seja na sua vertente básica, translacional ou clínica. Se tivesse que escolher uma especialidade hoje, escolhia Oncologia Médica e gostava seguramente de complementar a minha prática clínica com investigação em Oncologia.
Francisco: A partir do momento em que ingressei no mundo da Investigação percebi imediatamente que este iria ser um grande componente da minha vida académica e clínica, assim sendo, este prémio vai-me possibilitar continuar este percurso, cada vez com mais responsabilidade claro, mas também com uma forte motivação. Não sei ainda a que área do saber médico irei alocar estes mesmos recursos; porém, já tenho algumas ideias que pretendo colocar em prática em breve. Sem este prémio, provavelmente, estas ideias e ambições seriam mais difíceis de pôr em prática.
Podem partilhar connosco qual será o destino do prémio monetário?
Guilherme: Ainda não tenho 100% de certeza do destino do prémio monetário. Gostava de o utilizar para fazer algo no âmbito da formação na área da Oncologia, mas é algo que terá que ser melhor discutido com a AEFML, neste caso.
Francisco: Como referi anteriormente, ainda não tenho certezas, mas sem dúvida, que será para a Ciência e a Investigação.
Isabel Varela
Equipa Editorial