O Changemakers é um projeto de empreendedorismo social que surgiu no seio de uma ideia do Departamento de Responsabilidade e Ação Social da Associação de Estudantes da Faculdade de Medicina (AEFML). Foi criado para colmatar um vazio que ainda existia sobre este tema, foi lançado um desafio aos alunos do ensino superior, para que o empreendedorismo passasse a integrar a própria Medicina.
A explicação faz-nos todo o sentido, David Farinha é um dos impulsionadores do projeto. A frequentar o 4 º ano do MIM, entende que "por serem estudantes de Medicina, não significa que também não possam ser empreendedores". Do sonho inicial de criar algo novo, a ideia tornou-se matéria e passou a ganhar forma.
Para que o Changemakers fosse viável, o primeiro passo era dar a conhecer o conceito de empreendedorismo, dando formação e capacitando-os de criar projetos de cariz social e só depois incentivar a aplicabilidade das ideias. Em paralelo, era preciso estruturar e formalizar o Changemakers, regulamentando-o e estabelecendo parcerias com diversos formadores e escolas de empreendedorismo. Foi nessa fase de aprendizagem que conheceram o Gabinete de Inovação e Empreendedorismo da Faculdade, através de um dos seus elementos, a Sónia Teixeira.
Esta fusão entre Faculdade e estudantes levou-nos a juntar o David Farinha e a Sónia Teixeira e perceber em que medida se completam e que sinergias já nasceram daqui. Juntamo-nos na sala de reuniões onde tudo começou também entre gabinetes. Este encontro viria a ser um estímulo para o nosso próprio pensamento e a forma como se olha para as soluções do futuro.
Em que parte concreta do projeto é que vocês passaram a trabalhar juntos?
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David: Entrei em contacto com a Sónia em setembro, quando estava a estruturar o programa formativo. Já tínhamos ideia dos temas a abordar, mas eu próprio não tinha formação em empreendedorismo, precisei de me formar e capacitar para atingir os objetivos a que me propus e compreender os temas e formações adequadas. A Sónia ajudou-me a consolidar os aspetos mais fundamentais da formação, deu nomes de oradores, conselhos como estruturar tudo sobre o empreendedorismo. Esse apoio possibilitou-nos criar as nossas próprias formações e incentivar outros à criação de projetos. Tivemos 23 inscritos nas formações que foram divididas em 5 módulos e apenas uma candidatura de projeto a implementar. Foi por isso selecionado um único projeto e já estamos a envidar esforços para que seja implementado já no próximo ano (2020). Será muito interessante pois pretende combater a obesidade infantil. Mas é importante dizer que ter uma candidatura já foi muito bom, porque pode vir a inspirar outros a aventurarem-se no mundo do empreendedorismo social no futuro.
Sónia: Foi muito gratificante quando recebemos o mail do departamento. Eu gosto particularmente de empreendedorismo social, é uma área menos falada. Percebi que o projeto era não só interessante, como a lógica de formação para construir o projeto, baseado numa motivação, era uma grande ajuda. Ligar a Medicina e futuros médicos a uma área mais social é muito interessante. Acordámos que o GIE ia apoiar na formação de empreendedorismo social e de inovação, mais tarde demos formação sobre pitch, em conjunto com a Madalena Alexandre (Vice-Presidente da AEFML) e que participou na Global Change Makers, uma formação mundial de empreendedorismo. Uma das coisas que esta equipa geriu sempre muito bem foi ir colocando em prática aquilo que se aprendia na teoria. Isso é muito importante porque o que acontece muitas vezes é que no momento das formações acham muito interessante o conteúdo, mas depois, como não utilizam as ferramentas, torna-se tudo mais difícil. Também colaborámos no formulário de projeto, ele é muito útil porque ajuda a estruturar as ideias e a organizar todos os passos. Concluímos ainda que, mesmo quem não queria avançar depois para projeto, todos deveriam olhar para o formulário para ter uma ideia do desenvolvimento que se seguia. Por fim, eu, o David e a Madalena constituímos o júri do projeto apresentado.
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David: A ideia inicial era que o júri estivesse presente na avaliação das candidaturas de projeto, mas como este foi o ano embrionário, só tivemos uma candidatura. Fomos mais consultores do que avaliadores e isso tornou-se muito mais valioso para o candidato.
E quando conhecemos o vencedor que apresentou o projeto sobre obesidade?
David: O projeto vai ser submetido à fase final, para o júri dar o veredicto e ele poder avançar para a implementação. Em breve sairão mais informações.
Sei que o vencedor de cada edição do Changemakers ganha um prémio monetário. Neste ano foram atribuídos €500. O financiamento é da AEFML?
David: Sim. Estipulámos desde o início que era preciso um prémio financeiro, em primeiro lugar porque torna a oportunidade mais apelativa e por acréscimo sabia que como projeto piloto, em empreendedorismo social seria muito difícil de arrancar e de encontrar estabilidade a curto prazo.
Sónia: As pessoas esquecem-se muito da parte da sustentabilidade. Quando se fala em empreendedorismo social pensa-se sempre que há financiamentos exteriores e não que pode ser sustentável, só por si, e pode haver salários e não ser tudo feito por voluntários. Mas é possível criar uma dinâmica que, não tendo lucro, pode gerar a sustentabilidade orgânica.
Em que medida é importante que alguém que estude Medicina, e que não significa que queira obrigatoriamente ser médico, tenha esta nova skill do empreendedorismo?
David: Acho fundamental no sentido em que nos dá ferramentas para sairmos dos hospitais e dos centros de saúde. Se queremos atuar cada vez mais na prevenção da doença, não podemos ficar à espera que ela ocorra e chegue até nós já nos hospitais. Se ficarmos à espera dos doentes, já não vamos a tempo da prevenção e vamos atuar numa fase já muito tardia. Ter a capacidade de "sair fora da caixa" e aprender a pensar da forma como as pessoas pensam e vivem, permite-nos ajudar o próprio sistema de saúde, através de projetos e ideias empreendedoras e com impacto em saúde na comunidade. Hoje em dia já existem alguns projetos de empreendedorismo social na área da saúde muito inovadores. Por isso o empreendedorismo é uma ferramenta útil, também, para médicos.
Conseguem dar-me exemplos palpáveis de empreendedorismo social e aplicáveis ao meio onde estamos?
David: Há um projeto numa das escolas parceiras que aborda a questão da desidratação dos idosos e que é um problema sério, já que estes perdem o estímulo da sede, decorrente do processo de envelhecimento e deixam de beber água, desidratando. Então lembraram-se que os idosos são igualmente gulosos e criaram, por isso, umas gomas que são quase 90% feitas de água, mas que são doces. Juntaram a necessidade dos idosos de ter algo doce, a um problema real de saúde, a desidratação. Este exemplo resolve um problema real e é pensado por médicos. Há outro caso muito interessante: o Dr. Nuno Muralha, um dos nossos formadores e cirurgião em Famalicão, deu-nos um interessante testemunho. Ele já fez vários bootcamps de empreendedorismo e percebeu que no seu internato de cirurgia, um dos grandes problemas dos cirurgiões era a acumulação de horas de contacto com determinadas patologias em bloco. E no SNS, um cirurgião ter as horas suficientes de internato e experiência, é difícil, leva muito tempo e acaba por consumir muitos recursos. Então o que é que ele se lembrou? "Se há outros cirurgiões que já têm estas horas de contacto, eu tenho de criar uma ponte para eu próprio ter acesso a essas mesmas horas". Com isso consolidava a sua formação em cirurgia. Para tal criou uns óculos em que os cirurgiões quando estão a operar estavam, automaticamente, a gravar. Esses vídeos eram em seguida formatados e editados, apenas com as componentes essenciais da cirurgia e colocados numa plataforma online. Identificou assim um problema: o SNS gasta muito tempo e muito dinheiro com a formação dos cirurgiões porque tem que lhes dar tempo para que contactem com as várias condições clínicas. Ora, acelerando o processo, conseguia-se melhorar a formação e consolidá-la num espaço de tempo mais curto. Estes óculos tornaram-se uma excelente ferramenta de empreendedorismo na área da educação médica. Até os problemas mais corriqueiros têm soluções, basta sermos criativos.
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Sónia: Acho que os médicos são um elemento muito diferenciador nestas áreas, porque para além do conhecimento científico estão perto dos pacientes e muitas vezes só o facto de terem ideias pode ajudar muito outros. É curioso que muito do empreendedorismo que surge de resolução de problemas, vem da parte dos médicos, mas como não têm este mindset, muitas vezes, nem sabem que podem criar soluções globais e não só à sua escala. Tendo esta formação em empreendedorismo percebem que as suas ideias podem expandir.
Sónia, talvez valha a pena falar também um pouco deste nosso Gabinete da Faculdade cujo foco é precisamente a inovação e o empreendedorismo. Este Gabinete existe há quanto tempo?
Sónia: Ele foi criado oficialmente em novembro de 2016. Em março de 2017 começámos formalmente a trabalhar, quando a Professora Isabel Rocha e toda a equipa do Gabinete sentiram que era necessário uma pessoa só para prestar o apoio técnico. Foi nessa altura que vim. Começámos por definir a área da ação do Gabinete e ele foca-se muito na transferência de conhecimento, porque a investigação aqui feita precisava de ser transladada para a sociedade.
Para além disso achámos que só a transferência do conhecimento, em termos de propriedade intelectual, patentes, entre outras, seria limitativo, faltava a parte da formação, uma vez que as pessoas ainda não estão muito sensibilizadas para o empreendedorismo.
Definiram-se então três eixos estratégicos: a criação do conhecimento (com uma newsletter e a celebração de workshops), comunicando a invenção e depois a consultoria mais estratégica para quem tem projetos, por fim com o apoio no seu licenciamento com a própria indústria.
David o que é engraçado neste processo todo de um ano, é que mostrou ser um verdadeiro empreendedor ao criar o Changemakers. Este seu sonho já estará ligado a algo que planeie para o futuro?
David: Esta ideia só surgiu quando entrei para o Departamento de Responsabilidade e Ação Social. Eu sabia apenas que queria fazer algo diferente. E apesar de não ter nada planeado para o futuro, a minha grande satisfação foi ver na prática aquilo que era só uma ideia. O mais difícil do empreendedorismo é isso, colocar ideias na prática. Todos nós temos ideias, mas como é que as aplicamos? E com o Changemakers percebi que é possível fazer crescer ideias e sermos agendes de mudança no mundo.
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Após este primeiro ano de projeto do Changemakers, a equipa sabe que é pouco tempo para alcançar toda a comunidade académica. No entanto, tem presente que deixaram a primeira semente para aumentar a curiosidade. A verdade, é que apenas com um pequeno ano de existência, tudo correu bem e implementaram-se todos os passos até ao fim. Deixadas as primeiras ideias para inspirar outros, David deseja que agora se possa continuar, com novas pessoas, novas ideias e outros projetos, já que o seu mandato está prestes a terminar.
Quanto ao Gabinete de Inovação e Empreendedorismo promete, trazer para 2020, novas formações e workshops, os primeiros a começar em fevereiro.
No casamento entre alunos e o GIE estão agora a criar vídeos pedagógicos - o Medclip - um projeto feito por alunos e com professores a supervisionar, apoiado na estrutura da Faculdade e que faculta aos alunos, primordialmente os do 3º ano, ajuda em conteúdos verídicos que reforcem a teoria que aprenderam até aqui.
Mas, depois de conhecer o David e falar com a Sónia, sabemos que o mais importante de tudo é a noção de que um projeto pode resolver o problema de um só e vir a ser a solução para muitos. Excelente saída para a saúde e quem sabe para o próprio SNS.
Num futuro breve, conheceremos o primeiro vencedor deste pioneiro projeto e falaremos com ele, quem sabe para inspirar outros a traçar novos caminhos, fruto de sonhos que muitas vezes ficam apenas guardados na memória de quem os criou.
Que o Changemakers seja um bebé apenas a começar a sua longa vida de sonhos que celebram a realidade.
Joana Sousa
Equipa Editorial
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