Conheci o David no âmbito do projeto Job Talks, onde, através do GIE (Gabinete de Inovação e Empreendedorismo) fui convidada a participar pela segunda vez, dando o Workshop “Vende-te num minuto” sobre pitch. Deram a sugestão de o David dar o seu testemunho, isto porque, o aluno do 4º ano do Mestrado de Medicina da FMUL, ganhou este ano uma competição de pitch do iMED da Nova Medical School.
O David é um apaixonado pela comunicação. Nota-se em todas as partilhas que faz, nos exemplos engraçados que dá, no interesse e esforço em mostrar mais e acrescentar algo a quem fala. Encontramo-nos para que ele explique, um pouco, do seu percurso até ganhar a competição de pitch e porque gosta tanto de comunicar.
Como apareceu o teu gosto por comunicar, foste sempre bom comunicador?
David: Quando entrei na Faculdade, não era muito bom em apresentações…. Aliás, era muito mau a apresentar. Havia aquelas alturas, em que apresentava no secundário e os meus colegas gostavam tanto que pediam ao professor para sair da sala mais cedo. (Ri, irónico) E isso tudo mudou quando, no 2º ano, tive um workshop sobre “Como fazer apresentações”, organizado pela AEFML e onde treinamos linguagem paraverbal e corporal. Para mim foi o melhor workshop que tive até agora. Eu já tive dezenas de formações em apresentações, comunicação e pitch, e desde aí comecei a melhorar as minhas apresentações e a perceber que era disto que eu gostava. A querer fazer mais apresentações, a treinar melhor, os gestos, o tom de voz… percebi que é das coisas que mais gosto de fazer.
E como surgiu esta oportunidade de participar na competição do iMED?
David: No final do 3º ano, nas férias de verão, uma amiga minha que é da Nova convidou-me para uma competição do IMed, que tinha surgido nesse ano. Basicamente ganhávamos um estágio, tentando convencer o júri, que éramos a melhor pessoa para ter esse prémio através de um pitch. Eu pensei, “sim, isto é comunicação, eu gosto.”, então comecei a ver os prémios. Um deles era um estágio de investigação em neurociências, que era o que mais me interessava. Então, apliquei-me para isso. Tentei ver os critérios: as minhas motivações, porque é que eu devia ser escolhido para aquele estágio e que aplicações via no futuro. E há essa aplicabilidade, a nível da Psiquiatria, Oncologia, e até uma ligação com o resto do corpo, porque, hoje em dia, há uma ciência mais específica que se chama Psiconeuroimunologia, que sugere uma relação entre as emoções e alterações do sistema imunológico, permite relacionar o porquê de certas pessoas que estão mais em baixo terem mais infeções, e também, possivelmente, o porquê de alterações de estados mentais poderem levar a certas doenças autoimunes. E, isto é fantástico para mim, é das coisas que mais gosto. Também o facto de esse projeto estar relacionado com o sistema linfático, o que significa maior proximidade com a Psiconeuroimunologia. Foi desta aplicabilidade que falei no meu discurso, que poderá existir uma correlação entre doenças neurodegenerativas e a falta de sono. Já no critério de apontar as razões para me escolherem a mim, este foi mais difícil, mas eu já tinha feito um estágio de investigação, já tinha sido e sou monitor de Neurofarmacologia, e, o mais importante, era a motivação e o gosto pelo projeto, pelo estágio. Foi tudo isso que tentei mostrar, num vídeo com menos de 3 minutos. Eu não fazia ideia como ia conseguir dizer tudo em menos de 3 minutos, ainda por cima, porque como eu tenho mais background em comunicação informativa gosto muito de usar slides, e não os podia usar. E foi difícil, bati com a cabeça na mesa, dias e noites a pensar, "como vou fazer isto bem?". "Como fazer isto de forma a que me escolham?". Demorei muito tempo, esforcei-me bastante, mas depois compensou porque escolheram-me e fiquei nos três melhores. Na segunda fase, os três melhores tinham que fazer em palco o mesmo estilo de pitch para mais de 100 pessoas, com o júri atrás de nós. Nós não podíamos apresentar diretamente para o júri, não podíamos virar-nos para o júri, nem olhar para eles, só para a plateia. O que foi difícil.
Como foi essa experiência?
David: Foi aterradora e fantástica, um misto das duas: aterradora porque, sempre que se vai para um palco, estamos a expor-nos, fica-se vulnerável. Quando se faz uma apresentação, quer uma apresentação em aula ou do Solvin’It, ficas sempre com receio que algo corra mal, que as pessoas não gostem e fiquem desinteressadas e isso afeta. Mas, ao mesmo tempo, é fantástico porque é uma coisa que eu gosto, que me dá imenso gozo. Poder tentar usar as técnicas, e através de histórias, mas sobretudo com paixão, conseguir captar a atenção do outro, conseguir entusiasmar o público com o meu discurso, adequar de forma a que seja adequado para eles, e eles gostarem disso, dá-me uma satisfação enorme.
E o que sentes que melhoraste, que mudou do primeiro para o segundo pitch?
David: Tinha mais definido o que queria fazer… No primeiro, não tinha formação nenhuma de pitch, estava completamente à toa, não sabia bem o que fazer… tentei usar técnicas de comunicação informativa que já tinha, mas não se adequavam muito, eram mais para informação e não para persuasão. Do primeiro pitch para o segundo, tive formação em comunicação persuasiva no âmbito de uma parceria entre o iMed e a “speak and lead”, um projeto startup que se foca mesmo em comunicação e em pitch. A partir dai consegui afunilar melhor certas técnicas, a minha linguagem corporal, a maneira como devia receber as pessoas, como devia falar sobre os meus assuntos de forma entusiasmante, encadear as informações, passar da motivação e daquilo que me fazia escolher este estágio para os meus pontos fortes de forma subtil. Por fim, é importante acabar com uma conclusão que os faça ficar de boca aberta. Foi precisamente o que tentei fazer. Também fui ver os pitchs dos outros concorrentes, durante as formações com a startup, tínhamos que fazer os nossos pitchs para nos ajudarem, como numa formação mais prática, e por isso eu observava outros concorrentes, especialmente os que estavam a competir para o mesmo estágio que eu. Percebi que havia muitas coisas em que eram bons. Um deles contou a história de que a avó dele tinha tido Alzheimer, e por isso tentou investigar mais sobre a doença desde criança e entusiasmou-se com o estágio por causa disso. Como este estágio de investigação estava relacionada com o Alzheimer, esta história era um ponto forte a favor dele, e, ao mesmo tempo, era uma forma de estabelecer empatia. Percebi isso, que o facto de conseguir estabelecer relação com o público e contar essa motivação ao mesmo tempo, como um "dois em um" era algo muito forte e foi uma das coisas que eu também usei.
Como estabeleceste então empatia?
David: Disse a verdade: que, desde criança, era uma coisa que eu gostava de fazer, de investigar Neurociências, perceber como é que o cérebro faz com que uma certa coisa, como é que uma massa biológica, composta por carbono, hidrogénio e oxigénio tem pensamento critico, capaz de fazer cálculo, pensamento abstrato, resolver equações, criar arte, fazer coisas fantásticas que máquinas não conseguem fazer. Desde criança que me interrogava, "como é que conseguimos fazer isto?", "como podemos aprender ou memorizar certos momentos?". Há tanta coisa que conseguimos fazer e que eu não consigo explicar. Até o facto de eu conseguir mover este músculo de forma consciente me espanta por vezes como é que se faz. Consigo perceber que há um certo impulso que sai do meu cérebro e que vai comunicar com os músculos da minha mão e por isso é que a minha mão se move. Agora, como é que o cérebro consegue, de certa forma, gerar o impulso, “dizer” que quer que este músculo se mova, isso é o que me fascina. Já para não falar de mais complexas, como falar, escrever, ou até poder pensar em tudo e mais alguma coisa.
E achas que isso influenciou o júri?
David: Acho que sim. O facto de eu contar uma história de quando eu era criança, algo que muitas das pessoas se identificam, permitiu-me conseguir estabelecer empatia e falar das minhas motivações ao mesmo tempo, e isso foi importante, das coisas melhores que fiz naquele discurso.
Houve mais alguma coisa que achas que desenvolveste?
David: Acho que consegui, de maneira subtil, passar das minhas motivações para os meus pontos fortes, o que precisa de algum "jogo de cintura".... É muito difícil mesmo, porque quando falamos dos nossos pontos fortes (eu senti e acho que os outros concorrentes também sentiram), tentamos não falar sobre isso de forma direta para não parecermos arrogantes, para não parecermos convencidos. Mas disseram-nos nas formações, “tentem fazer de maneira subtil”. Por isso, eu tentei referir as minhas motivações, que sempre gostei e gosto de Neurologia desde criança, mas, neste momento, em vez de ser por uma questão de curiosidade, estou mais motivado para uma parte humana, de querer poder tratar pessoas no âmbito da Psiquiatria, Neuropsicologia, ou simplesmente poder ajudar e melhorar a vida as pessoas. Assumi que foi por essa razão que queria o estágio. Depois, a partir daí, disse que sabia que podia contribuir para o estágio por várias razões: o facto de ser monitor de Neurociências, de já ter feito investigação, e de ter soft skills, como capacidades de comunicação ou resolução de problemas, e que as obtive em comissões organizadoras ou projetos de voluntariado. Sobre esta última parte, tenho amigos que trabalham em projetos de investigação, que me contam muitas vezes histórias em que estas soft skills são muitas vezes necessárias.
Como é que achas que se pode desenvolver estas soft skills em comunicação?
David: Eu sinto que as pessoas que vão para workshops de comunicação fazem para tentar melhorar. E isso obviamente que é bom, mas a verdade é que, para se ser bom em comunicação, para estar melhor treinado em pitch ou apresentações, não basta só um workshop, só uma formação. É um trabalho continuo, tem que haver um investimento a longo prazo. Eu passei muitas horas a treinar as minhas apresentações, a estudá-las, a ver vídeos sobre comunicação, a ver como melhorar a minha linguagem corporal e paraverbal, certas técnicas que poderia usar, dicas que aprendi na net e consegui aplicar, ou até mesmo a ler livros sobre como lidar com pessoas e que me deram mais conhecimento. Em suma, é um investimento enorme. E depois a prática… muita prática. Nós temos muitas apresentações nesta Faculdade e é uma boa oportunidade para treinar este tipo de comunicação, onde pomos à prova a nossa linguagem verbal, paraverbal e corporal.
Entretanto também estiveste presente no Workshop de Pitch onde deste o teu testemunho, no âmbito das Job Talks. Como foi?
David: Tive alguma dificuldade. Temos sempre dificuldade em falar de nós próprios e, ao mesmo tempo, tentar interessar o público. Um dos grandes desafios, é transpor algo que nos emocione e entusiasme para um público que não sabemos se tem o mesmo entusiasmo e paixão que nós. Por isso, tentei ver se conseguia falar da minha experiência de forma entusiasmante, mas, ao mesmo tempo, referir dicas ou truques que eles pudessem usar. Esta última parte foi tentar, de certa forma, dar-lhes o que eu achava que eles queriam, o que acaba por ser o caminho mais fácil para captar a atenção . Porque, se não fosse desta forma, era difícil. Só dizer isto como aparte: somos nós que devemos melhorar como apresentadores. Esta foi sempre a minha filosofa que me fez melhorar em apresentações. Sempre que faço uma apresentação, e se vejo que o público não esteve interessado, penso no que podia fazer melhor, questiono se podia ter isso mais dinâmico e é com estas coisas que nós vamos ganhando. Depois do workshop, eu perguntei às pessoas o que tinham achado, e disseram-me que gostaram. Algumas disseram-me que fui demasiado dinâmico. "Eu fui dinâmico?", pensei. Mas para mim isso não é uma crítica! Um outro aparte: acho que a definição do que é uma boa apresentação varia de pessoa para pessoa. Senti isso com o Solvin'It. Onde comecei como monitor no ano passado, e coloquei memes e vídeos engraçados, porque sei que é isto que vai captar a atenção de grande parte dos alunos, apesar de algumas pessoas não concordarem com isso. Até pus os alunos a dançar, e, felizmente, eles gostaram (foi arriscado, mas o que importa é que gostaram, e acho que me deram melhor feedback por isso)! Independentemente da pessoa que nós somos, ou do que nós achamos que é uma boa apresentação, temos que adequá-la ao nosso público. Algumas vezes que não adequei e depois falhei. Alguns professores, por exemplo, não gostaram de apresentações tão informais como algumas que fiz, mas, quando é para alunos, geralmente é o contrário. O segredo é sempre adequar a nossa apresentação ao público. Se tiver de ser mais formal, então será mais formal, se tiver de ser mais informal, então mais informal. Mas, seja qual for o estilo necessário, devemos também tentar mostrar entusiasmo e paixão pelo que estamos a falar, porque se nós mostrarmos paixão e entusiasmo, mais dificilmente conseguimos entusiasmar o público.
Que dicas podes dar para ser um bom comunicador?
David: Antes de mais, como eu já dei a entender, as pessoas têm que ter atenção que isto é uma coisa que não é só para elas, mas também para os outros. E, quando digo isto, é porque, se queremos transmitir uma mensagem e queremos que a pessoa receba, temos que direcionar a nossa mensagem para quem está à nossa frente. Numa apresentação, isto significa que temos que dar ao público aquilo que ele quer ou gosta. Se queremos que eles retenham o que estou a contar, tenho que transpor ou estruturar a minha mensagem de forma a que gostem e que se sintam confortáveis de receber. E a maneira como o público gosta de ser tratado, também conta. A melhor maneira é ter sempre em consideração o ponto de vista do outro, as opiniões do outro: a maneira como os outros gostam de apresentações. Se adequarmos a nossa apresentação ao público que nós temos, é também uma maneira de respeitarmos o ponto de vista deles. Outra dica é praticar, e muito. No entanto, experiência pessoal, treino só não basta. É necessário uma certa aprendizagem no tema. As pessoas têm que ser guiadas, ajuda ter alguém que nos direcione e que nos diga o que devemos fazer melhor. Se formos sem consciência, o treino pode correr mal. É isto que acontece na nossa Faculdade: temos pouca formação, e, das poucas formações que temos, há muitos que não se inscrevem porque não percebem a importância desta competência. Em alternativa, podem sempre pesquisar na internet fontes conhecidas, TED-Talks, ou até mesmo empresas ou blogs de comunicação feitos por pessoas reconhecidas na área.
Sentiste que ao longo da vida tiveste uma aprendizagem e uma evolução na tua maneira de comunicar?
David: Eu tive um background mais religioso, e ouvi todas as semanas sermões de pastores. Estes sermões usavam muita comunicação persuasiva, e eu, sem saber, estava a ser influenciado por estes sermões. Olhando para trás, eu usava este tipo de comunicação nas minhas apresentações, que não corria bem porque não tinha formação suficiente. Eu ouvia em miúdo os sermões e dizia "uau, quero fazer isto!", mas depois falhava redondamente quando usava o mesmo estilo de comunicação em apresentações de escola, porque um sermão é comunicação persuasiva e uma apresentação é comunicação informativa. Tem fatores em comum, mas os objetivos são diferentes. Em comunicação informativa, eu quero dizer o conteúdo e as respetivas características de um tema, muitas vezes sobre história ou ciência. Na comunicação persuasiva, queremos mostrar que um produto, um estilo de vida, ou o que quer que seja, é o melhor. Não faz sentido neste último tipo de comunicação só debitar características: que faz isto e aquilo. Temos que tentar convencer as pessoas. Depois, outra coisa na qual eu falhava era em adequar o meu discurso ao público. Quando era miúdo, não percebia isso. Em apresentações feitas para a minha turma, eu não fazia para os meus colegas, eu fazia para mim próprio, e eu achava que tinha que fazer daquela forma porque era como eu preferia. Achava que era desta forma que as pessoas iriam gostar porque eu gostava, ou como achava que o professor também ia gostar. Mas não, quando fazemos uma apresentação, tem que ser para os outros, não é para nós.
Muito obrigada pelo teu testemunho David.
Sónia Teixeira
Equipa Editorial