Escrever sobre o Professor Egas Moniz é relembrar passados já 64 anos após o seu falecimento, o primeiro e até este momento o único português que recebeu o Prémio Nobel em Medicina. Possuidor de uma pluralidade de aptidões, espirito de missão e empenho, foi uma figura impar e incontornável da Neurologia e Neurocirurgia portuguesa.
O Professor António Egas Moniz foi um notável médico, neurologista, cientista, professor catedrático, orador, conferencista, político e estadista de renome mundial, para além de biógrafo, escritor e colecionador de arte, que legou grande parte do seu valiosíssimo património ao nosso país.
António Caetano de Abreu Freire de Resende nasceu na “Casa do Marinheiro” (designada posteriormente de Casa Museu Egas Moniz) em Avanca, freguesia do concelho de Estarreja, em 29 de novembro de 1874, no seio de uma família da aristocracia rural e faleceu repentinamente aos 81 anos na sua casa em Lisboa a 13 de dezembro de 1955, tendo sido sepultado na sua terra natal.
Foi-lhe adotado o apelido Egas Moniz por insistência do eclesiástico Caetano de Pina Resende Abreu e Sá Freire, seu tio paterno e padrinho, que muito se interessava por genealogias e por estar convicto que a família descenderia de Egas Moniz, o aio e educador do nosso primeiro rei que segundo a História de Portugal dirigiu-se ao rei de Leão e Castela acompanhado da família, de cordas ao pescoço, pedindo perdão pela incumprimento do seu pupilo. E com este apelido ficou mundialmente conhecido.
Depois de ter estudado sob a orientação do seu tio na escola primária do Padre José Ramos em Pardilhó, concelho de Estarreja, frequentou o Curso Liceal no Colégio de S. Fiel, dos Jesuítas em Louriçal do Campo, terminando os últimos anos no liceu de Viseu.
Iniciou então o seu percurso académico na Universidade de Coimbra no ano de 1891 com os Cursos Preparatórios a par dos seus primeiros estudos sobre Neurologia na Universidade de Coimbra sob a orientação do seu Mestre Augusto Rocha que futuramente seriam consolidados através dos vários estágios por si efetuados em clínicas neurológicas como em Bordéus onde privou com Pitras e com Régis na área da Psiquiatria. Mais tarde em Paris, aprendeu também com grandes neurologistas do seu tempo como Pierre Marie e Degérine.
Formou-se em Medicina em 1899 e doutorou-se na mesma Faculdade em 1901 com a tese intitulada “A Vida Sexual-Fisiologia”. Em 1902 apresentou “A Vida Sexual-Patologia”, trabalho destinado a provas de concurso para lente da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra. Estas duas obras bastante ousadas para a época, foram posteriormente anexadas e publicadas onze anos depois sob forte polémica e ao mesmo tempo muito procuradas. Mais tarde, e de acordo com o governo de Salazar esta obra só podia ser adquirida mediante receita médica.
Em 1903, ainda na Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra foi Professor Catedrático onde lecionou as cadeiras de Anatomia, Fisiologia e mais tarde Patologia Geral, tendo sido transferido para Lisboa em 1911, após a fundação da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, assumiu aqui a regência de Neurologia, com o cargo de Professor Catedrático, cadeira então recém-criada na qual foi o primeiro Professor e aqui foi jubilado em 1944.
Em simultâneo à sua vida estudantil em Coimbra iniciou a sua atividade política que se constatou ter sido intensa. Apoiante do liberalismo e íntegro democrata, repugnava a ditadura. Confrontou algumas situações que lhe causaram vários dissabores tendo sido inclusivamente preso. Foi deputado em várias legislaturas na pré e pós implantação da República e os seus discursos eram qualificados de “enérgicos, convincentes e até por vezes empolgantes”.
Fundou o Partido Republicano Centrista que pouco depois foi integrado no Partido de Sidónio Pais. Colaborou com este partido tendo sido embaixador de Portugal em Espanha, par além de ter sido Ministro dos Negócios Estrangeiros e em 1928 foi nomeado delegado de Portugal na Conferência de Paz, em Versailles.
A Angiografia Cerebral
Deve-se inquestionavelmente a Egas Moniz a sua contribuição no desenvolvimento e visibilidade mundial da Medicina, mas destacou-se sobretudo nas áreas da Neurologia e da Neurocirurgia, ao ser responsável pela invenção da arteriografia ou angiografia cerebral.
Esta prática, que descobriu depois de inúmeras experiências com raios X, que de início só foi efetuada em canídeos, foi realizada pela 1ª vez com êxito em seres humanos vivos em 1927 e consistia através da injeção intravascular de determinadas substâncias químicas. Estas substâncias provocavam opacidade o que permitiam obter um contraste, possibilitando pela primeira vez a visualização das artérias do cérebro com o objetivo de diagnosticar e localizar neoplasias, aneurismas, hemorragias, lesões vasculares e outras malformações cerebrais no ser humano facilitando o seu posterior tratamento. Esta invenção importantíssima para o diagnóstico de lesões cerebrais deu origem a uma muito melhor compreensão sobre as ligações entre o cérebro e o comportamento humano, e aos primórdios da cirurgia cerebral.
As suas descobertas foram divulgadas, reconhecidas e admiradas pelos maiores neurologistas da época, dando-lhe um enorme prestígio internacional, o que lhe granjeou o Prémio Oslo, em 1945.
Leucotomia pré-frontal
Anos depois, a partir de 1935 e numa época em que os conhecimentos científicos eram ainda muito deficientes e ainda não existiam os psicofármacos, Egas Moniz dedicou-se ao tratamento de diversas doenças mentais como a esquizofrenia ou a ansiedade, a que chamou leucotomia pré-frontal e que proporcionou o surgimento da psicocirurgia. Este tratamento que inicialmente era realizado com a introdução de álcool puro foi substituído por um instrumento especial, a que chamou leucótomo e com o qual eram feitos “cortes nos feixes de fibras nervosas que ligam o lombo frontal a outras regiões do cérebro através de orifícios feitos no crânio”.
Esta descoberta originou grande interesse por todo o mundo. O neurologista norte-americano Walter Freeman, que mais tarde designou a leucotomia por lobotomia, influenciado pelos resultados obtidos por Egas Moniz, realizou várias cirurgias nos Estados Unidos.
Apesar da Angiografia Cerebral, numa perspetiva científica, ser considerada muito mais importante do que a leucotomia e após Egas Moniz ter sido proposto por cinco vezes ao Prémio Nobel da Medicina e Fisiologia, foi através da lobotomia que em 27 de Outubro de 1949 que por decisão da Academia Sueca foi-lhe atribuído o tão desejado e merecido Prémio Nobel juntamente com o fisiologista suíço Walter Rudolf Hess.
Posteriormente este tipo de intervenções foram muito contestadas devido aos efeitos secundários graves apresentados nos doentes que tinham sido submetidos ao tratamento, causando-lhes alterações comportamentais, tornando-os mais apáticos e indolentes, apesar da diminuição dos sintomas da doença. Perante tais fatos, os familiares dos referidos doentes intervieram exigindo que o Prémio Nobel fosse anulado.
O galardoado português foi informado do Prémio via telegrama. Portugal, o pequeno país mais ocidental da Europa, que vivia tempos agitados, ficou surpreendido e simultaneamente orgulhoso de tal feito.
No entanto, Egas Moniz ou por estar doente ou por ter sido mesmo impedido pelo governo da época de se deslocar a Oslo para receber o diploma e a medalha do prémio, estes foram-lhe entregues em Lisboa, “pelo ministro da Suécia, Gustav Veidel, no dia 3 de Janeiro de 1950, durante uma cerimónia efetuada na casa do Mestre”.
Foram inúmeras as sessões de homenagem realizadas em todo o país ao Prof. Egas Moniz pelo recebimento do Prémio Nobel quer por parte dos municípios, das Sociedades portuguesas de medicina ou mesmo pela imprensa nacional.
Também chegaram notícias de felicitações e da realização de homenagens de vários países de todos os continentes.
Conhecedor das críticas a esta técnica, um ano antes à sua morte, Egas Moniz proferiu uma lição de defesa sob o título “A leucotomia está em causa”.
Atualmente continuam-se ainda a aplicar técnicas psicocirúrgicas, mas muito mais sofisticadas do que na altura e só empregues em casos muito especiais.
O Prof. Egas Moniz muito conceituado tanto em Portugal como internacionalmente, foi galardoado com inúmeros títulos:
Distinções honoríficas
Doutor “Honoris-Causa” pela Universidade de Lyon
Doutor “Honoris-Causa” pela Universidade de Bordéus
Gran Cruz de Isabel a Católica em Espanha
Gran Cruz de Instrução e Benemerência A 5 de Outubro de 1928
Gran Cruz de Santiago e Espada 3 de Março de 1945
Comendador da União de Honra de França
Medalha Honorifica Cruz Vermelha da Alemanha
Grande Oficial da Ordem da Coroa de Itália
Prémio de Oslo – 1945
Prémio Nobel – 1949
Como politico Prof. Egas Moniz representou Portugal em vários cargos :
Deputado em várias legislaturas (1903-1917)
Ministro de Portugal em Madrid (1917)
Ministro dos Negócios Estrangeiros (1917-1918)
Primeiro Presidente da Delegação Portuguesa da Conferência da Paz em Paris (1918)
Foi ainda Presidente de várias sociedades:
Academia das Ciências
Presidente Honorário da Sociedade Peninsular de Neurologia
Membro Honorário da New York Neurological Society
Diretor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa de 1929 a 1931
Dos seus vários pacientes, os mais famosos, constam-se Fernando Pessoa que recorreu ao Prof. Egas Moniz, em 1907, queixando-se de neurastenia e de medo de enlouquecer ao que o Prof. não lhe encontrando nada de anormal, recomendou-lhe aulas de ginástica sueca.
Também Mário de Sá-Carneiro foi consultado por Egas Moniz, queixando-se de sofrer de desdobramento físico e psicológico.
Sempre reservado quanto às suas enfermidades, em Março de 1939, com 64 anos, foi vítima de agressão a tiro no seu consultório, por um seu paciente, doente mental que após uma crise de paranoia, alvejou-o com 8 tiros deixando-o em estado grave, tendo mais tarde Egas Moniz recuperado totalmente. No entanto, demonstrando as elevadas qualidades do nosso Prémio Nobel, como homem naturalmente bondoso, compreensivo e humaníssimo como médico, como refere um artigo do J. do Médico em 1955, em relação a este episódio “… preocupou-se, mais do que com a sua própria segurança, com o receio de que tomassem o doente por um criminoso. E repetidas vezes declarou a quantos o rodeavam que o autor do atentado era um irresponsável e só assim poderia ser considerado”.
Nos últimos anos da sua vida profissional e devido à doença (reumatismo e gota) de que padecia, desde a adolescência, que por vezes o deixava incapacitado, a Neurocirurgia da Faculdade de Medicina de Lisboa ficou a cargo do notável cirurgião e seu colaborador, o Prof. Almeida Lima.
Publicou mais de três centenas de trabalhos científicos, em inúmeras publicações nacionais e estrangeiras, na sua grande maioria em língua francesa. É autor de vasta e notável obra literária, nomeadamente “A nossa casa” e “Confidências de um investigador científico”, para além de várias obras acerca de escritores seus contemporâneos como Júlio Dinis, Guerra Junqueiro ou José Malhoa, assim como as obras históricas sobre o Abade de Faria e sobre Pedro Hispano, o único português ordenado papa com o nome de João XXI.
Em 1950, foi fundado no Hospital Júlio de Matos o Centro de Estudos Egas Moniz (CEEM) que em 1957 foi transferido para o serviço de Neurologia do Hospital de Santa Maria, onde ainda se mantém até hoje. Este Centro para além de integrar vários serviços referentes a esta área, inclui ainda o Museu Egas Moniz onde estão expostos vários manuscritos, peças originais e pessoais do Prémio Nobel, assim como uma reconstituição do seu gabinete e uma pintura a pastel representando Egas Moniz envergando traje de Catedrático da Universidade de Coimbra, de José Malhoa, seu amigo pessoal, datada de 1932.
Também a casa onde Egas Moniz nasceu, em Avanca, já existente desde o séc. XVIII, foi reconstruída no primeiro quartel do séc. XX e em 2003 transformada em Casa-Museu Egas Moniz. De extraordinária beleza arquitetónica, com um mobiliário muito rico de vários estilos, possui ainda uma vasta coleção de pinturas de autores de renome, vidros, desenhos, porcelanas e objetos em prata onde está incluído também um faqueiro que pertenceu ao Marquês de Pombal, demonstrando o fino bom gosto do seu proprietário.
Em vários momentos e ao longo do tempo o nosso país tem homenageado o Prof. Egas Moniz, o primeiro português a receber o Prémio Nobel, atribuindo o seu nome:
– Hospital Egas Moniz
– Instituto Superior de Ciências da Saúde Egas Moniz
– A várias ruas, praças, largos por todo o país, incluindo a avenida onde está situado o Hospital de Santa Maria
– Edifício Egas Moniz – O edifício pertencente à Faculdade de Medicina de Lisboa e ao iMM, inaugurado em 2004
– De modo a fomentar o gosto “pelas neurociências e a produção científica o Município de Estarreja e a Sociedade Portuguesa de Neurorradiologia com a chancela da Ordem dos Médicos”, criaram em 2015 o Prémio Bienal Egas Moniz, relembrando um dos vultos máximos da cultura científica nacional.
– Impressão de nota de 10.000$00, assim como alguns selos portugueses, com o seu retrato.
Norman Dott (1897-1973) célebre neurocirurgião escocês, retrata assim Egas Moniz: «Ele era um gentleman português amável, culto, com um feitio sereno, mas com um instinto para a liderança ativa, um historiador, um político e um gourmet, um médico, e, principalmente, um terapeuta clínico, que via o sofrimento dos pacientes com intolerância, que desejava ardentemente ajudar os doentes.»
Como referiu Norman Dott, o Professor Egas Moniz era um requintado gourmet, todas as sextas-feiras convidava os seus amigos mais chegados para auspiciosos jantares que eram seguidos por jogos de cartas, um dos seus hobbies preferidos.
Após a sua morte foram várias as homenagens e sentimentos de pesar, efetuadas ao Prof. Egas Moniz, tanto em Portugal como do estrangeiro. No ano seguinte a este acontecimento, em Março de 1956, realizou-se no salão nobre do Hospital dos Capuchos uma sessão de homenagem promovida pela Sociedade de Medicina Interna, onde discursaram vários oradores entre os quais, os Profs. Mário Moreira ou Miller Guerra.
Nesta sessão, o Prof. Barahona Fernandes, amigo desde a infância, finalizou o seu discurso dizendo: “Egas Moniz sofreu doenças, campanhas, atentados, conflitos e duelos. De tudo triunfava com ela, confiante em si e na vida que sabia talhar, em grandeza, com bom gosto, singeleza e humanidade. Egas Moniz bem merece a homenagem que lhe é prestada, harmonizando a riqueza autêntica do humano que o irmanava com os outros homens, com o refúgio do génio, que o situou entre os grandes forjadores do progresso”.
Bibliografia:
Faleceu o Prof. Egas Moniz. J. Médico, 1955, 28 : 1028-1029
Homenagem da Imprensa Médica e das Sociedades Portuguesas de Medicina ao Prof. Egas Moniz. J. Médico, 1950, 15 : 241-272
Na sessão de homenagem ao Prof. Egas Moniz. J. Médico, 1956, 29 : 624-627
Número especial comemorativo do jubileu do Professor Egas Moniz. Imprensa Médica, A. X, n. 21-22, 1944
Queirós, Mário Viana de, SEDA, Hilton. História da gota e de gotosos famosos. Lisboa : Lidel, 2010
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ant%C3%B3nio_Egas_Moniz
https://www.snpcultura.org/egas_moniz_que_existe_para_alem_da_morte.html
http://www.casamuseuegasmoniz.com/newstext.php?id=7729
https://pt.slideshare.net/l.arruda/egas-moniz-e-a-leucotomia-pr-frontal-e-a-angiografia-cerebral
https://toponimialisboa.wordpress.com/2014/11/28/avenida-prof-egas-moniz/
http://www.casamuseuegasmoniz.com/seccao.php?s=cronologia
http://memoria.ul.pt/index.php/Moniz,_Ant%C3%B3nio_Caetano_de_Abreu_Freire_Egas
http://www.apcm.pt/wp-content/uploads/2015/01/Conferencia-AS-EM-Estarreja.pdf
Lurdes Barata
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