Do passado ao presente
O Ensino da Medicina (I Parte)
O ensino da medicina é tão antigo quanto ela própria, ainda que tenha sido praticado e entendido de modo muito diferente nas várias sociedades e ao longo dos milhares de anos da permanência do Homem sobre a Terra.
A palavra Medicina deriva do termo latino mederi que significa curar, cuidar ou medicar e têm sido estas as preocupações do homem no combate às enfermidades de que tem padecido desde o início da sua existência.
Apesar do homem povoar o nosso planeta há apenas um milhão de anos, sabe-se que as bactérias, causadoras das principais doenças, habitam a Terra há já 3,8 bilhões de anos, muito provavelmente desde que há vida na Terra.
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O ensino da Medicina na Pré História
As enfermidades no Homem primitivo surgiam principalmente de acordo com as atividades por ele efetuadas. Se no Período do Paleolítico as doenças eram de ordem genética ou por traumatismo resultantes das atividades realizadas pelo homem nómada que tinham como base, a pesca, a caça ou na recolha de frutos e raízes, no período Neolítico com a origem do sedentarismo, da agricultura e devido ao aglomerado populacional surgem entre outras, as doenças contagiosas.
Apesar do conhecimento que temos atualmente acerca da medicina primitiva ser ainda muito diminuto, é através das experiências realizadas pela Paleopatologia, muitas das vezes difíceis de serem efectuadas, em fósseis, múmias (fontes muito ricas para estes estudos, principalmente as egípcias) e outros objetos arqueológicos como esculturas e pinturas conservadas nos túmulos, constatam-se que doenças como artrites, traumas, tuberculose óssea, pneumonia, cálculos renais ou lesões cutâneas como algumas das doenças de que o Homem primitivo já sofria.
Segundo estudos realizados pela Paleontologia e Antropologia indicam que o homem primitivo atribuía às enfermidades como consequências de fenómenos sobrenaturais, religiosos, astrológicos, por demónios ou punição devido a uma falta cometida pelo enfermo e só assim era compreendido dado que num ser aparentemente saudável surgiam alterações dolorosas e limitantes para o doente.
Como tratamento eram realizadas magias, rituais, encantamentos de toda a ordem, a utilização de plantas, substâncias de origem animal e minerais de acordo com experiências empíricas tradicionais.
Os primeiros praticantes da medicina foram os feiticeiros-médicos, sacerdotes ou curandeiros que para tratarem os seus doentes atribuíam palavras mágicas, preces e encantos a par de uma simbologia especial.
Se por questão de sorte estes procedimentos tinham êxito e quando isto acontecia, os homens encarregues de administrar a medicina passavam a informação à geração seguinte de curadores ou sacerdotes.
O uso de matérias vegetais como elementos curativos foi o início da medicina experimental e muitos medicamentos contemporâneos como o quinino foram passados até nós a partir dos costumes de nossos ancestrais pré-históricos.
Na Antiguidade Clássica, a partir do século V a.C. e com o surgimento na Grécia da medicina hipocrática, o ensino da medicina deixa de ser meramente informal, desassocia-se da religião, do sobrenatural, das crenças irracionais como causas das doenças, deixa-se de fazer de mestre para aluno e consequentemente através das gerações, como refere o juramento de Hipócrates.
Não existiam estabelecimentos públicos para a formação, o conhecimento da medicina era transmitido no seio familiar e somente aos membros masculinos. Mais tarde, os alunos que não tinham qualquer vínculo familiar começaram também a poder usufruir deste tipo de formação especializada. Esta formação era remunerada e compreendia um elevado comprometimento moral e pessoal do aluno para com o seu mestre.
Assim aconteceu com Hipócrates (460-377 a.C.), considerado o pai da medicina ocidental, o seu pai, Heraclides e o avô, Hipócrates I, eram ambos médicos da Ilha de Cós.
Hipócrates foi educado de acordo com o meio aristocrático em que nasceu, tendo recebido logo de início a educação formal grega e posteriormente a formação médica. Ensinou medicina em várias cidades a troco de pagamento. Originou, desenvolveu e divulgou conceitos inovadores de medicina, o seu nome foi reconhecido e lançou as bases para uma abordagem racional para a medicina.
O aprendiz de medicina, sendo filho ou simplesmente um aluno sem vínculo familiar, devia seguir o seu professor e frequentar a sua escola. Esta, era simplesmente um centro localizado numa cidade onde o mestre fornecia ensinamentos.
Não se tem conhecimento acerca do currículo ou do conteúdo das lições médicas. No entanto, sabemos que o conhecimento era transmitido oralmente e não se baseava apenas em questões sobre medicina, mas também eram ensinadas algumas noções de filosofia, retórica, anatomia ou farmacologia.
A medicina grega era um saber teórico virado para a prática e itinerante, sendo fundamental que o médico visitasse vários lugares para que conhecesse outras doenças, novos medicamentos e que se fixasse nesses lugares, elaborando anotações e manuais que funcionavam como material didático que futuramente iriam contribuir para que existissem excelentes escritos (alguns dos quais chegaram até nós – Tratados Hipocráticos), pois naquela época, ainda não havia bibliotecas especializadas fora dos grandes centros culturais e de ensino.
Nessa época, apesar de algumas práticas de cirurgia terem sido realizadas por médicos, estas atividades eram desempenhadas principalmente pelos cirurgiões-barbeiros, profissionais sem qualificação.
A medicina hipocrática teve grande influência no pensamento médico ocidental, pois as suas obras foram compiladas e comentadas pelos eruditos da biblioteca de Alexandria, entre os quais Galeno.
No Antigo Egito a magia entrelaçava-se inevitavelmente com a medicina. Acreditavam que as doenças eram enviadas pelos deuses como castigos ou que os espíritos maus habitavam no ser humano e os espíritos só o abandonavam através de rituais, amuletos e feitiços. A medicina egípcia, considerada o berço da medicina moderna, era essencialmente prática e muitos dos seus métodos foram evoluindo e aperfeiçoados durante séculos tendo muitos dos conhecimentos sobrevivido até aos nossos dias.
O ensino médico no Antigo Egipto, funcionava em instituições conhecidas como Casas da Vida, acessíveis somente a escribas e a sacerdotes, era tão avançado que atraia estudiosos de diferentes partes do mundo, funcionavam ainda como biblioteca, arquivo e oficina de cópia de manuscritos.
Nas Casas da Vida, os escribas que aqui trabalhavam eram considerados “Seguidores de Rá”, o deus do Sol, apontado como o maior médico e o mais conceituado na manipulação de medicamentos. Estas instituições encontravam-se também relacionadas com o deus do renascimento, Osíris. O ato de copiar textos ajudaria o deus a renascer todos os anos no seu festival.
Ao contrário do que acontecia no ensino médico noutras sociedades, onde o estudante de Medicina numa primeira fase adquiria um conhecimento geral acerca dos organismos vivos e só depois optava por uma especialidade, no ensino egípcio o médico especializava-se logo de início, numa área particular do corpo humano, segundo um currículo específico. Para além da medicina eram ainda lecionadas outras áreas do conhecimento como a doutrina religiosa, a astronomia, a matemática e ainda línguas estrangeiras.
A profissão médica no Antigo Egipto funcionava em local fixo e estava perfeitamente organizada, o que não acontecia na Grécia Antiga, onde o médico ia de cidade em cidade demonstrando os seus conhecimentos em praça pública.
Por acreditarem na vida após a morte, na medicina egípcia era praticada a mumificação, atos que contribuíram para tivessem desenvolvido um enorme conhecimento acerca da anatomia humana, de muitas das técnicas de preservação do corpo, analisar partes do mesmo, relacionando-as com as doenças e o tratamento das mesmas que a pessoa teve em vida e ainda o aperfeiçoamento dos instrumentos utilizados nas cirurgias.
Apesar de muitos já terem desaparecido ao longo dos séculos existem ainda alguns vestígios da riquíssima e avançada cultura egípcia, que decorreu durante mais de três mil anos a.C., são os Papiros médicos. Para além do Papiro de Berlim, chegou até nós O Papiro de Ebers, um dos mais antigos e conhecidos que reúne várias receitas de preenchimentos, registo de doenças, tratamentos e bálsamos.
Imhotep, polímata, é considerado o primeiro médico, engenheiro e arquiteto do Antigo Egipto.
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Lurdes Barata
Área de Biblioteca e Informação
Equipa Editorial
A palavra Medicina deriva do termo latino mederi que significa curar, cuidar ou medicar e têm sido estas as preocupações do homem no combate às enfermidades de que tem padecido desde o início da sua existência.
Apesar do homem povoar o nosso planeta há apenas um milhão de anos, sabe-se que as bactérias, causadoras das principais doenças, habitam a Terra há já 3,8 bilhões de anos, muito provavelmente desde que há vida na Terra.
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O ensino da Medicina na Pré História
As enfermidades no Homem primitivo surgiam principalmente de acordo com as atividades por ele efetuadas. Se no Período do Paleolítico as doenças eram de ordem genética ou por traumatismo resultantes das atividades realizadas pelo homem nómada que tinham como base, a pesca, a caça ou na recolha de frutos e raízes, no período Neolítico com a origem do sedentarismo, da agricultura e devido ao aglomerado populacional surgem entre outras, as doenças contagiosas.
Apesar do conhecimento que temos atualmente acerca da medicina primitiva ser ainda muito diminuto, é através das experiências realizadas pela Paleopatologia, muitas das vezes difíceis de serem efectuadas, em fósseis, múmias (fontes muito ricas para estes estudos, principalmente as egípcias) e outros objetos arqueológicos como esculturas e pinturas conservadas nos túmulos, constatam-se que doenças como artrites, traumas, tuberculose óssea, pneumonia, cálculos renais ou lesões cutâneas como algumas das doenças de que o Homem primitivo já sofria.
Segundo estudos realizados pela Paleontologia e Antropologia indicam que o homem primitivo atribuía às enfermidades como consequências de fenómenos sobrenaturais, religiosos, astrológicos, por demónios ou punição devido a uma falta cometida pelo enfermo e só assim era compreendido dado que num ser aparentemente saudável surgiam alterações dolorosas e limitantes para o doente.
Como tratamento eram realizadas magias, rituais, encantamentos de toda a ordem, a utilização de plantas, substâncias de origem animal e minerais de acordo com experiências empíricas tradicionais.
Os primeiros praticantes da medicina foram os feiticeiros-médicos, sacerdotes ou curandeiros que para tratarem os seus doentes atribuíam palavras mágicas, preces e encantos a par de uma simbologia especial.
Se por questão de sorte estes procedimentos tinham êxito e quando isto acontecia, os homens encarregues de administrar a medicina passavam a informação à geração seguinte de curadores ou sacerdotes.
O uso de matérias vegetais como elementos curativos foi o início da medicina experimental e muitos medicamentos contemporâneos como o quinino foram passados até nós a partir dos costumes de nossos ancestrais pré-históricos.
Na Antiguidade Clássica, a partir do século V a.C. e com o surgimento na Grécia da medicina hipocrática, o ensino da medicina deixa de ser meramente informal, desassocia-se da religião, do sobrenatural, das crenças irracionais como causas das doenças, deixa-se de fazer de mestre para aluno e consequentemente através das gerações, como refere o juramento de Hipócrates.
Não existiam estabelecimentos públicos para a formação, o conhecimento da medicina era transmitido no seio familiar e somente aos membros masculinos. Mais tarde, os alunos que não tinham qualquer vínculo familiar começaram também a poder usufruir deste tipo de formação especializada. Esta formação era remunerada e compreendia um elevado comprometimento moral e pessoal do aluno para com o seu mestre.
Assim aconteceu com Hipócrates (460-377 a.C.), considerado o pai da medicina ocidental, o seu pai, Heraclides e o avô, Hipócrates I, eram ambos médicos da Ilha de Cós.
Hipócrates foi educado de acordo com o meio aristocrático em que nasceu, tendo recebido logo de início a educação formal grega e posteriormente a formação médica. Ensinou medicina em várias cidades a troco de pagamento. Originou, desenvolveu e divulgou conceitos inovadores de medicina, o seu nome foi reconhecido e lançou as bases para uma abordagem racional para a medicina.
O aprendiz de medicina, sendo filho ou simplesmente um aluno sem vínculo familiar, devia seguir o seu professor e frequentar a sua escola. Esta, era simplesmente um centro localizado numa cidade onde o mestre fornecia ensinamentos.
Não se tem conhecimento acerca do currículo ou do conteúdo das lições médicas. No entanto, sabemos que o conhecimento era transmitido oralmente e não se baseava apenas em questões sobre medicina, mas também eram ensinadas algumas noções de filosofia, retórica, anatomia ou farmacologia.
A medicina grega era um saber teórico virado para a prática e itinerante, sendo fundamental que o médico visitasse vários lugares para que conhecesse outras doenças, novos medicamentos e que se fixasse nesses lugares, elaborando anotações e manuais que funcionavam como material didático que futuramente iriam contribuir para que existissem excelentes escritos (alguns dos quais chegaram até nós – Tratados Hipocráticos), pois naquela época, ainda não havia bibliotecas especializadas fora dos grandes centros culturais e de ensino.
Nessa época, apesar de algumas práticas de cirurgia terem sido realizadas por médicos, estas atividades eram desempenhadas principalmente pelos cirurgiões-barbeiros, profissionais sem qualificação.
A medicina hipocrática teve grande influência no pensamento médico ocidental, pois as suas obras foram compiladas e comentadas pelos eruditos da biblioteca de Alexandria, entre os quais Galeno.
No Antigo Egito a magia entrelaçava-se inevitavelmente com a medicina. Acreditavam que as doenças eram enviadas pelos deuses como castigos ou que os espíritos maus habitavam no ser humano e os espíritos só o abandonavam através de rituais, amuletos e feitiços. A medicina egípcia, considerada o berço da medicina moderna, era essencialmente prática e muitos dos seus métodos foram evoluindo e aperfeiçoados durante séculos tendo muitos dos conhecimentos sobrevivido até aos nossos dias.
O ensino médico no Antigo Egipto, funcionava em instituições conhecidas como Casas da Vida, acessíveis somente a escribas e a sacerdotes, era tão avançado que atraia estudiosos de diferentes partes do mundo, funcionavam ainda como biblioteca, arquivo e oficina de cópia de manuscritos.
Nas Casas da Vida, os escribas que aqui trabalhavam eram considerados “Seguidores de Rá”, o deus do Sol, apontado como o maior médico e o mais conceituado na manipulação de medicamentos. Estas instituições encontravam-se também relacionadas com o deus do renascimento, Osíris. O ato de copiar textos ajudaria o deus a renascer todos os anos no seu festival.
Ao contrário do que acontecia no ensino médico noutras sociedades, onde o estudante de Medicina numa primeira fase adquiria um conhecimento geral acerca dos organismos vivos e só depois optava por uma especialidade, no ensino egípcio o médico especializava-se logo de início, numa área particular do corpo humano, segundo um currículo específico. Para além da medicina eram ainda lecionadas outras áreas do conhecimento como a doutrina religiosa, a astronomia, a matemática e ainda línguas estrangeiras.
A profissão médica no Antigo Egipto funcionava em local fixo e estava perfeitamente organizada, o que não acontecia na Grécia Antiga, onde o médico ia de cidade em cidade demonstrando os seus conhecimentos em praça pública.
Por acreditarem na vida após a morte, na medicina egípcia era praticada a mumificação, atos que contribuíram para tivessem desenvolvido um enorme conhecimento acerca da anatomia humana, de muitas das técnicas de preservação do corpo, analisar partes do mesmo, relacionando-as com as doenças e o tratamento das mesmas que a pessoa teve em vida e ainda o aperfeiçoamento dos instrumentos utilizados nas cirurgias.
Apesar de muitos já terem desaparecido ao longo dos séculos existem ainda alguns vestígios da riquíssima e avançada cultura egípcia, que decorreu durante mais de três mil anos a.C., são os Papiros médicos. Para além do Papiro de Berlim, chegou até nós O Papiro de Ebers, um dos mais antigos e conhecidos que reúne várias receitas de preenchimentos, registo de doenças, tratamentos e bálsamos.
Imhotep, polímata, é considerado o primeiro médico, engenheiro e arquiteto do Antigo Egipto.
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Lurdes Barata
Área de Biblioteca e Informação
Equipa Editorial