Reportagem / Perfil
A docente que quebra o gelo com os alunos – Prof.ª Maria José Diógenes
A Professora Maria José Diógenes para além de docente da nossa casa, foi também a responsável pela organização e concretização do Dia do Candidato, que se realizou no dia 30 de Abril. Aproveitamos assim, o tema deste mês da News, bem como a proximidade a este evento para conversar com ela sobre o que é ser docente, explorar a relação que estabelece com os estudantes e a importância do Dia do Candidato. Conversar com a Professora Maria José Diógenes não é de todo um momento de trabalho. Foi, antes, um momento enriquecedor, de aprendizagem e de muitos sorrisos à mistura. Revela-se uma pessoa exigente, mas sobretudo, empática, pretendendo sempre oferecer o melhor do ensino aos nossos estudantes.
size="20"
- Gostaríamos de saber um pouco como são as suas aulas e a relação que tem com os alunos.
- Eu adoro dar aulas! Nas disciplinas de farmacologia e neurofarmacologia temos duas tipologias de aulas, as teóricas e as teórico-práticas, vulgo TPs. Nas aulas teóricas não existe a possibilidade de estabelecer uma interação muito próxima com os alunos. Contudo, nas TPs, como lecionamos para pequenos grupos e passamos muitas horas em contacto direto, são momentos que aproveito para interagir, trocar impressões e para os conhecer.
Tenho alguma dificuldade em memorizar nomes mas, se o nome vier associado a um conjunto de características torna-se, para mim, mais fácil reconhecer os alunos, estabelecer uma relação de proximidade e até de os avaliar. Por isso, no início do ano apresento-me, partilho com eles algumas informações pessoais: o meu percurso, os meus hobbies, os meus gostos, e depois deixo que eles sigam o mesmo exemplo. Este exercício facilita a interação entre alunos e entre alunos e professor. Eu fico a conhece-los melhor e isso ajuda-me a entender o contexto de cada aluno, permitindo-me compreender as dificuldades/necessidades de cada um. Por outro lado, a minha visão destas aulas é de que estas devem de ser dinâmicas. Deve existir algum à-vontade nas salas de aula para que estes momentos se tornem produtivos. É importante que todos se sintam num ambiente de tranquilidade e não de hostilidade - com medo da avaliação. Na minha opinião só se aprende quando nos esquecemos de que estamos a ser avaliados. É necessário avaliar os alunos, mas o mais importante é garantir que eles aprendem. Este momento é muito engraçado, conheço-os um bocadinho melhor e eles conhecem-me um bocadinho melhor e muitas vezes, no fim da aula até falamos de outras coisas e vamos criando uma relação de proximidade. E assim adaptamo-nos uns aos outros.
- Que tipo de quebra gelos usa? Jogos?
- Sim. Um dos jogos que faço é com cartões artesanais. Para cada temática, tenho dois conjuntos de cartões, cada um tem uma cor diferente mas em ambos existem escritos os mesmos conceitos de farmacologia. É um jogo ao género do Tabu. Os cartões são distribuídos, metade dos alunos recebe cartões de uma cor e a outra metade da outra cor. Cada aluno fica com um cartão e dependendo da cor pode ter de explicar o conceito que tem no seu cartão ou pode ter de adivinhar o conceito que está a ser explicado. É permitido que façam gráficos, esquemas e que expliquem o conceito, mas sem lerem o que está escrito no cartão. Durante este exercício consigo rapidamente perceber quais os alunos que estão a acompanhar as matérias e quais estão com mais dificuldades. Os alunos gostam muito deste jogo, fazemos a revisão da matéria e não se sentem tão avaliados. Claro que estou a avaliar, mas é uma experiência diferente. Consigo perceber onde têm mais dificuldades e eles vão absorvendo uns com os outros. Momentos desta natureza estreitam a relação aluno/docente porque são atividades que se fazem em conjunto, eu também participo, ajudo e vou dando dicas. Eu acho engraçado e eles gostam. Valorizam muito estes momentos.
- Sente que é algo que foi evoluindo a relação professor aluno?
- Sim, acho que sim. Do que posso ir observando, parecem-me que os docentes têm, em geral, uma boa relação com os alunos e os alunos com os docentes. Claro está, que quem está com mais tempo dedicado à docência tem outra disponibilidade para pensar sobre atividades que permitem maior proximidade com os alunos.
- Na sua altura era diferente?
- Muito diferente. Algumas aulas eram muito pouco apelativas. Contudo, eu fiz o curso de Ciências Farmacêuticas na Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, que tinha e julgo ainda ter, uma componente laboratorial muito significativa permitindo uma proximidade muito grande com os docentes. Por outro lado, o número de alunos que entrava por ano era reduzido o que facilitava a interação.
- Como surgiu, esta iniciativa para organizar o dia do candidato? Como é que aconteceu?
- O Dr. Luis Pereira, a pedido do Sr. Diretor, convidou-me para participar neste evento como coordenadora. Claro que aceitei. Apesar de ser a coordenadora, sinto que fui eu quem mais aprendeu junto da equipa organizadora, experiente e já anteriormente formada. Confesso que inicialmente não fazia a mais pálida ideia do que seria necessário fazer. No início, quando recebi o convite, comecei imediatamente a ter ideias para o evento, mas depois de refletir, pareceu-me mais sensato manter o formato das edições anteriores para entender os contornos do evento. Nunca tinha organizado “o dia do candidato”. Não sabia como era a logística, não conhecia as pessoas que estavam na equipa e por isso, deixei que fosse a equipa a conduzir-me. Ainda assim, fizemos algumas alterações, nomeadamente, aumentámos o número de alunos participantes, recolhemos o testemunho de estudantes da nossa escola e ainda, fizemos um refresh à imagem de marca do evento (Logo). Esta edição foi igualmente Importante por termos estendido a participação aos candidatos da Licenciatura em Ciências da Nutrição. No próximo o ano, se for outra vez convidada, já com outro entendimento, proporei outras atividades.
- Qual a Importância que vê neste evento, o Dia do Candidato para os alunos?
- É muito importante. A menos que sejam filhos de docentes, ou de ex-alunos, ou tenham irmãos ou amigos na Faculdade, os candidatos não têm bem noção do que os espera na FMUL e por vezes têm uma ideia errada. E, pelo que vou ouvindo, os alunos pensam que somos muito rígidos, muito velhos, muito fechados (risos). Os profissionais da casa têm boa qualidade, os docentes são fantásticos, médicos e investigadores extraordinários. Não somos quadrados, nem somos fechados e acho que isso é importante ser desmistificado para que não se alimentem ideias pré-concebidas. “Bom, vou para medicina mas não vou para Santa Maria porque Santa Maria é tudo muito fechado, estanque e clássico”. E nesse aspeto acho que é importante para os alunos perceberem que temos aqui equipas dinâmicas, que os docentes são acessíveis e que o ensino é de excelente qualidade. Note-se o empenho de todos: o Professor António Vaz Carneiro esteve sempre descontraído. Mesmo antes das intervenções, começou imediatamente a brincar com os alunos e a interagir com todos. O Professor Fausto Pinto, Diretor da Faculdade, disponibilizou o seu tempo para estar com os alunos, isto é espetacular! Mais, o Presidente do Conselho Pedagógico, o Professor Joaquim Ferreira, apesar dos tantos afazeres, disponibilizou-se a acompanhar os alunos. Já para não falar, da Coordenadora do curso de nutrição, Professora Catarina Guerreiro, a Professora Emília Valadas e Professora Susana Fernandes. Estas pessoas prescindiram do seu tempo para estarem ali e apresentarem aos alunos a nossa Faculdade. Algo que me impressionou bastante foi a alegria com que os estudantes da FMUL aceitaram participar no evento. Os seus testemunhos foram espetaculares. Recordo que uma das estudantes tocou num aspeto que se ouve muito “fora de portas”: que os alunos aqui dentro são muito competitivos e maus uns para os outros. Não é verdade. São alunos com os quais é fácil de se trabalhar e que se ajudam mutuamente, mas que são exigentes e desafiadores, como qualquer bom estudante deve ser.
Por outro lado, o “dia do candidato” deve ser um dia motivante para os alunos do 12º ano, que estão numa fase difícil, de grande tensão. Creio que alguns deles têm dúvidas se são capazes de chegar ao fim do percurso com sucesso e quando são recebidos na FMUL, recebem uma injeção de energia. Parece-me que os alunos estão cada vez mais interessados em conhecer as características das faculdades para onde vão. São mais exigentes. Na minha altura, não me lembro de escolhermos a faculdade pela estrutura do curso ou pelos professores. Havia menos opções, escolhíamos o curso que queríamos. Hoje em dia não, os alunos sabem como os cursos estão estruturados, conhecem os docentes, conhecem os trabalhos de investigação desenvolvidos nas instituições. Por exemplo, alguns dos candidatos sabiam que o Mestrado Integrado em Medicina é composto por módulos. São estes pormenores que me levam a crer que os futuros alunos procuram qualidade no ensino.
- Que outro tipo de atividades são importantes fazer com os alunos?
Há uma atividade que vai acontecer dia 23 de Outubro, o BeyondMed que é muito interessante e deveria ter um maior envolvimento tanto dos docentes como dos alunos. Consistirá num momento de reflexão sobre a educação médica, que pretende englobar todos os profissionais envolvidos no processo: alunos, docentes (pré-clínicos e clínicos), médicos e investigadores. A equipa envolvida na organização é das várias vertentes e os destinatários são os mesmos. É organizado por todos e para todos. É muito interessante. Cada ano tem um tema diferente e existem várias atividades à volta desse tema de forma a melhorar a educação médica. Este ano queremos estreitar ainda mais as relações entre os vários intervenientes, principalmente entre docentes. Esta interação é fundamental para responder às exigências de integração do conhecimento e de qualidade do ensino.
- Aonde vai buscar inspiração para estas ideias de jogos/abordagens?
A inspiração vem colocando-me no lugar deles, pensado sobre a forma que eu gostaria que me ensinassem e vem das reflexões sobre o meu desempenho. Ainda que, por vezes, me pergunte se estou a fazer atividades muito infantilizadas para os alunos, acabo sempre por realiza-las, porque acredito serem momentos descontraídos e estimulantes. O mais importante é o feedback, que é sempre positivo, como podem comprovar os questionários que tenho feito ao longo dos anos: “Pontos positivos – dinâmica das aulas”, outro, “Aulas bastantes interessantes modelo a replicar a outros docentes, excelente metodologia”, “Aulas dinâmicas e nada monótonas, as diferentes maneiras como as aulas são lecionadas que permitem melhorar a aprendizagem nos alunos.” Normalmente tocam sempre nos jogos, porque acham graça e aprendem de uma forma diferente. “Jogos- consolidação da matéria”.
- Esta metodologia é, na sua opinião, a melhor forma de consolidar conhecimentos?
Quando os alunos chegam às aulas TPs, já passaram pelas aulas teóricas onde os conceitos foram lecionados. Geralmente, têm a ideia de que a farmacologia é muito difícil por terem de memorizar muita coisa. Nós, docentes, temos de ter a capacidade de mostrar que não é bem assim, que o fundamental é compreender, essa é a nossa função. A verdade é que estas atividades funcionam muito bem, principalmente, nas aulas de TPs, pena não termos aulas TPs de todas as temáticas. Mas cada docente terá as suas estratégias.
- Que tipo de características tem o aluno a quem gosta de dar aulas? O que é para si um bom aluno?
Dá-me gosto dar aulas a todos, mas os que me dão mais prazer, são os alunos que estão interessados e que se esforçam. Por exemplo, os alunos trabalhadores estudantes, que nós muitas vezes pensamos que se vão empenhar menos… Eu tenho imensa admiração por esses alunos. Ao contrário do que se possa pensar, são geralmente muito focados, organizam-se muito bem, vêm com a matéria pensada. Mas, de um modo geral, os nossos estudantes são muito bons e correspondem às expectativas. Na minha opinião, um bom aluno, é aquele que sabe aproveitar as oportunidades que lhe são dadas, nos diferentes momentos letivos. É aquele capaz de fazer perguntas, e ate defender um ponto de vista diferente. São esses os bons alunos.
- Como encara a sua responsabilidade como docente?
Enquanto docente, estudo muito e preocupo-me bastante com cada aula que leciono. Todos os anos revisito os livros e os artigos mais recentes. É necessária uma constante atualização.
Reflito muito na fase de preparação de uma aula. Formar pessoas para uma atividade profissional é de estrema responsabilidade, não podemos ser negligentes. Isto preocupa-me bastante. Estamos a formar futuros médicos.
Uma das coisas que mais me preocupava inicialmente, quando vim para a Faculdade de Medicina, era o facto de não ser médica numa escola médica. Nós docentes estamos muito expostos. Numa aula teórica, estamos de alguma forma protegidos, mas se a aula for bem lecionada estamos numa situação de exposição, em que o aluno, pode e deve fazer todas as perguntas que pretenda. Quando comecei a dar aulas, bastante nova, tinha muito medo de não saber responder adequadamente às perguntas. Nessa altura, acho que estudava mais do que os alunos em época de exame (risos), e provavelmente ficava mais nervosa do que eles. Mas sempre me senti bem apetrechada dos conhecimentos necessários para lecionar farmacologia. Com o passar dos anos, a experiência e troca de vivências com outros docentes foi-me ajudando a crescer enquanto professora. Tive sorte com a equipa onde fui integrada, na farmacologia temos reuniões mensais em que discutimos várias temáticas inclusivamente os conteúdos lecionados, os problemas e casos clínicos das aulas TPs. Em suma, somos formadores uns dos outros, tanto nas vertentes clinicas como pré-clínicas, por forma a estarmos todos bem preparados para lecionar cada aula.
size="10"
Agora, após 15 anos ao serviço da docência, na nossa escola, não tenho problema em responder “não sei”. É impossível sabemos tudo. Dizer “não sei” é uma atitude responsável e abre a porta para a interação, porque quando esta resposta surge, usualmente procuramos em conjunto a resposta o que fomenta a interação aluno-docente.
size="30"
Sónia Teixeira
Equipa Editorial