Espaço Aberto
Contrastantes Estágios de Verão
Do Reino Unido à Turquia
Fiquei muito contente quando soube que tinha sido colocada no Reino Unido, Nottingham, para fazer um intercâmbio clínico, estava eu em Paris a fazer Erasmus. A oportunidade de efectuar um estágio num país tão prestigiado, e de conhecer outros estudantes de vários pontos do globo, afigurava-se prometedora. E correspondeu às minhas expectativas.
Nottingham é uma cidade pequena cheia de encanto, ou não fosse conhecida por ser o berço de Robin Hood. Apesar de ter uma rede de transportes impecável, não era necessário utilizá-la porque as distâncias entre o centro, alojamento e hospital eram facilmente feitas a pé, o que constituía um grande benefício.
Éramos um grupo de 15 estudantes vindos de Portugal, Espanha, França, Eslovénia e Canadá, orientados por cinco estudantes locais que nos organizaram algum programa social que nos permitiu conhecermo-nos melhor e trocar experiências, o que foi bastante positivo. Além de organizarmos viagens juntos nos fins-de-semana, quando tive oportunidade de visitar Manchester, Liverpool, Cardiff, Lincoln, Edimburgh e no final do intercâmbio, Londres, o programa social foi também rico em actividades, como por exemplo patinagem no gelo, bowling e uma noite internacional onde provámos comida e bebidas típicas de cada um dos países.
O facto de ter ficado alojada em casa de estudantes de medicina ingleses permitiu-me integrar-me melhor e perceber como funcionava o sistema de ensino nas escolas médicas, o tipo de exames, os estágios hospitalares, os livros que utilizam e ainda como se processa o acesso ao exame de especialidade e os anos de internato, sem esquecer obviamente o intercâmbio cultural entre nós e todo o apoio que me deram durante toda a minha estadia.
Fiquei muito surpreendida com o facto de as minhas companheiras de casa e os estudantes em geral que fui conhecendo serem bastante acessíveis, amigáveis e prestáveis, e a maior parte deles bastante simpáticos, o que contrasta com a ideia pré-concebida que temos dos ingleses. No entanto, notam-se rapidamente algumas diferenças, como por exemplo deitarem-se bastante cedo e apenas saírem até tarde nos fins-de-semana, jantarem cedo, entre outros pequenos pormenores aos quais é mais difícil adaptarmo-nos.
Nottingham possui dois hospitais, o Queen’s Medical Centre (o maior da Europa), e o City Hospital, mais pequeno. Fiquei colocada no City Hopital, que é um pouco mais longe do centro, implicando cerca de meia hora de autocarro desde o Queen’s, sendo gratuito para toda a comunidade. O meu estágio foi desenvolvido no serviço de Cuidados Intensivos, que tinha sido a minha primeira escolha, por duas razões principais: a área interessa-me bastante e há pouca formação em Portugal para os estudantes. Os médicos receberam-nos muito bem e integraram-nos de imediato no serviço, deixando-nos efectuar, após algum tempo, algumas tarefas (exame de doentes, preenchimento do processo, apresentação de doentes na visita). Quando as visitas acabavam, não raras vezes os professores se disponibilizaram a dar-nos uma aula (e apenas éramos três alunas no serviço), em que nos explicavam em pormenor um assunto que julgavam de interesse, sempre com muita paciência e dedicação. Adquiri imensos conhecimentos que tenho a certeza que serão úteis no futuro.
Sou de opinião que é extremamente importante experienciar novas realidades enquanto estudantes de medicina, e isso em todos os aspectos: linguístico, prático e teórico. A creditação dos intercâmbios, recentemente introduzida, irá sem dúvida promover a mobilidade dos estudantes, o que me parece bastante positivo, mesmo sendo de curta duração.
Por todas estas razões, recomendo esta experiência aos alunos, tenho a certeza que não se irão arrepender.
Ambivalente Constantinopla - Vivências no outro extremo do continente
Ricardo Racha Pacheco
Estudante da Medicina da FMUL (6ºano), ricardorachapacheco@gmail.com
Foi no passado mês de Agosto que, no âmbito do programa de intercâmbios da IFMSA (International Federation of Medical Students' Associations), deixei a ocidental praia Lusitana, rumo a Istambul, cidade de proporções históricas imponentes e marco fulcral na história civilizacional desde a sua fundação, em 667 a.C..
Sabendo-me alguém de horizontes bastante largos no que toca à diversidade cultural que povoa os vários cantos do nosso planeta, rapidamente se dissiparam as pequenas reticências surgidas em relação à convicção da ida, não negando, porém, a moderada apreensão sentida nas primeiras horas da estadia em tão, numa primeira abordagem, caótico e desordeiro alvoroço. Não seria livre de evolução e adequação a inicial perspectiva de um local que se veio a revelar tão extraordinariamente interessante, no decorrer do processo de esbatimento de dogmas e de real entendimento regional, social, religioso e cultural que veio a ter lugar.
As inquietudes sentidas em relação à cidade e a vários dos aspectos que a caracterizam foram, de diferentes formas, partilhadas pelas duas dezenas de colegas (oriundos de África, Europa e Ásia) presentes e estendidas à prática médica com que contactámos. Entre estes aspectos contou-se a forma de estar e de interagir dos clínicos e doentes, a perspectivação da vincada “hierarquia médica” por ambos, bem como as próprias condições físicas dos hospitais da cidade (extremamente diferentes caso se tratasse de uma instituição pública ou privada). Nos estágios que realizámos fomos, normalmente, bem recebidos, tendo tido oportunidade de compreender a forma de funcionamento do sistema de saúde turco e a dinâmica existente no seu seio. Em traços gerais, foi notória, como em tantos outros aspectos observados, a tendência para a ocidentalização, no caso, da abordagem a patologias e doentes. Esta corrente é, no entanto, não livre da vigente perspectiva sociocultural do médico (como entidade intrinsecamente superior/inalcançável) ou da forma como este se encara e se (in)disponibiliza. O relacionamento que estabelecemos com os estudantes locais, alguns bastante disponíveis e interessados, permitiu-nos conhecer não só a riquíssima herança cultural, religiosa e patrimonial da cidade, mas também a forma como decorre o ensino médico, a realidade perspectivada da profissão e os seus objectivos e angústias. Globalmente, percepciona-se, com diferentes matizes e subtilezas, e também condicionados por diferentes personalidades e estratos de literacia, uma interessante coexistência nacional de falta de confiança e insegurança com convicções e orgulho marcados.
Num país e cidade de contrastes, foi também uma inegável mais-valia a troca de impressões com os pares de intercâmbio. Depois de várias experiências educacionais no estrangeiro, terá esta sido para mim uma estreia em termos de contacto exclusivo com estudantes de Medicina, daí decorrendo um substancial ganho pessoal e profissional. Este, decorrente da coexistência de colegas de dezoito diferentes nacionalidades e contextos, em patamares de formação médica diversos, teve também implicações na convivência cultural e social variada que se proporcionou ao longo da estadia, bem como na compreensão de uma forma de estar e viver que, entre mais de dez milhões de habitantes, se estende da loucura de um bazar à tranquilidade de um banho turco, dos milhares de passageiros de um ferry à serenidade de uma vista do Mar de Mármara, da degradação de alguns subúrbios a majestosos e imponentes palácios e mesquitas.
A inicial imagem de desordem e confusão converteu-se, enfim, numa concepção mais adequada e abrangente da cidade. Foi com este metamorfoseado juízo, mais fundado e fundamentado que regressei, interpretando presentemente o “desassossego cultural”, parte da riqueza cultural do povo de uma cidade reinventada ao longo dos séculos, desde a longamente ida Bizâncio, à renovada Constantinopla que hoje é a tumultuosa e religiosa mas moderna e cosmopolita Istambul.
«O mundo é um livro de que aqueles que não viajam lêem apenas uma página.» (Santo Agostinho)
Nottingham
Sofia Ribeiro
Estudante de Medicina da FMUL (5º ano), sofy_ribeiro@hotmail.com
Fiquei muito contente quando soube que tinha sido colocada no Reino Unido, Nottingham, para fazer um intercâmbio clínico, estava eu em Paris a fazer Erasmus. A oportunidade de efectuar um estágio num país tão prestigiado, e de conhecer outros estudantes de vários pontos do globo, afigurava-se prometedora. E correspondeu às minhas expectativas.
Nottingham é uma cidade pequena cheia de encanto, ou não fosse conhecida por ser o berço de Robin Hood. Apesar de ter uma rede de transportes impecável, não era necessário utilizá-la porque as distâncias entre o centro, alojamento e hospital eram facilmente feitas a pé, o que constituía um grande benefício.
Éramos um grupo de 15 estudantes vindos de Portugal, Espanha, França, Eslovénia e Canadá, orientados por cinco estudantes locais que nos organizaram algum programa social que nos permitiu conhecermo-nos melhor e trocar experiências, o que foi bastante positivo. Além de organizarmos viagens juntos nos fins-de-semana, quando tive oportunidade de visitar Manchester, Liverpool, Cardiff, Lincoln, Edimburgh e no final do intercâmbio, Londres, o programa social foi também rico em actividades, como por exemplo patinagem no gelo, bowling e uma noite internacional onde provámos comida e bebidas típicas de cada um dos países.
O facto de ter ficado alojada em casa de estudantes de medicina ingleses permitiu-me integrar-me melhor e perceber como funcionava o sistema de ensino nas escolas médicas, o tipo de exames, os estágios hospitalares, os livros que utilizam e ainda como se processa o acesso ao exame de especialidade e os anos de internato, sem esquecer obviamente o intercâmbio cultural entre nós e todo o apoio que me deram durante toda a minha estadia.
Fiquei muito surpreendida com o facto de as minhas companheiras de casa e os estudantes em geral que fui conhecendo serem bastante acessíveis, amigáveis e prestáveis, e a maior parte deles bastante simpáticos, o que contrasta com a ideia pré-concebida que temos dos ingleses. No entanto, notam-se rapidamente algumas diferenças, como por exemplo deitarem-se bastante cedo e apenas saírem até tarde nos fins-de-semana, jantarem cedo, entre outros pequenos pormenores aos quais é mais difícil adaptarmo-nos.
Nottingham possui dois hospitais, o Queen’s Medical Centre (o maior da Europa), e o City Hospital, mais pequeno. Fiquei colocada no City Hopital, que é um pouco mais longe do centro, implicando cerca de meia hora de autocarro desde o Queen’s, sendo gratuito para toda a comunidade. O meu estágio foi desenvolvido no serviço de Cuidados Intensivos, que tinha sido a minha primeira escolha, por duas razões principais: a área interessa-me bastante e há pouca formação em Portugal para os estudantes. Os médicos receberam-nos muito bem e integraram-nos de imediato no serviço, deixando-nos efectuar, após algum tempo, algumas tarefas (exame de doentes, preenchimento do processo, apresentação de doentes na visita). Quando as visitas acabavam, não raras vezes os professores se disponibilizaram a dar-nos uma aula (e apenas éramos três alunas no serviço), em que nos explicavam em pormenor um assunto que julgavam de interesse, sempre com muita paciência e dedicação. Adquiri imensos conhecimentos que tenho a certeza que serão úteis no futuro.
Sou de opinião que é extremamente importante experienciar novas realidades enquanto estudantes de medicina, e isso em todos os aspectos: linguístico, prático e teórico. A creditação dos intercâmbios, recentemente introduzida, irá sem dúvida promover a mobilidade dos estudantes, o que me parece bastante positivo, mesmo sendo de curta duração.
Por todas estas razões, recomendo esta experiência aos alunos, tenho a certeza que não se irão arrepender.
Ambivalente Constantinopla - Vivências no outro extremo do continente
Ricardo Racha Pacheco
Estudante da Medicina da FMUL (6ºano), ricardorachapacheco@gmail.com
Foi no passado mês de Agosto que, no âmbito do programa de intercâmbios da IFMSA (International Federation of Medical Students' Associations), deixei a ocidental praia Lusitana, rumo a Istambul, cidade de proporções históricas imponentes e marco fulcral na história civilizacional desde a sua fundação, em 667 a.C..
Sabendo-me alguém de horizontes bastante largos no que toca à diversidade cultural que povoa os vários cantos do nosso planeta, rapidamente se dissiparam as pequenas reticências surgidas em relação à convicção da ida, não negando, porém, a moderada apreensão sentida nas primeiras horas da estadia em tão, numa primeira abordagem, caótico e desordeiro alvoroço. Não seria livre de evolução e adequação a inicial perspectiva de um local que se veio a revelar tão extraordinariamente interessante, no decorrer do processo de esbatimento de dogmas e de real entendimento regional, social, religioso e cultural que veio a ter lugar.
As inquietudes sentidas em relação à cidade e a vários dos aspectos que a caracterizam foram, de diferentes formas, partilhadas pelas duas dezenas de colegas (oriundos de África, Europa e Ásia) presentes e estendidas à prática médica com que contactámos. Entre estes aspectos contou-se a forma de estar e de interagir dos clínicos e doentes, a perspectivação da vincada “hierarquia médica” por ambos, bem como as próprias condições físicas dos hospitais da cidade (extremamente diferentes caso se tratasse de uma instituição pública ou privada). Nos estágios que realizámos fomos, normalmente, bem recebidos, tendo tido oportunidade de compreender a forma de funcionamento do sistema de saúde turco e a dinâmica existente no seu seio. Em traços gerais, foi notória, como em tantos outros aspectos observados, a tendência para a ocidentalização, no caso, da abordagem a patologias e doentes. Esta corrente é, no entanto, não livre da vigente perspectiva sociocultural do médico (como entidade intrinsecamente superior/inalcançável) ou da forma como este se encara e se (in)disponibiliza. O relacionamento que estabelecemos com os estudantes locais, alguns bastante disponíveis e interessados, permitiu-nos conhecer não só a riquíssima herança cultural, religiosa e patrimonial da cidade, mas também a forma como decorre o ensino médico, a realidade perspectivada da profissão e os seus objectivos e angústias. Globalmente, percepciona-se, com diferentes matizes e subtilezas, e também condicionados por diferentes personalidades e estratos de literacia, uma interessante coexistência nacional de falta de confiança e insegurança com convicções e orgulho marcados.
Num país e cidade de contrastes, foi também uma inegável mais-valia a troca de impressões com os pares de intercâmbio. Depois de várias experiências educacionais no estrangeiro, terá esta sido para mim uma estreia em termos de contacto exclusivo com estudantes de Medicina, daí decorrendo um substancial ganho pessoal e profissional. Este, decorrente da coexistência de colegas de dezoito diferentes nacionalidades e contextos, em patamares de formação médica diversos, teve também implicações na convivência cultural e social variada que se proporcionou ao longo da estadia, bem como na compreensão de uma forma de estar e viver que, entre mais de dez milhões de habitantes, se estende da loucura de um bazar à tranquilidade de um banho turco, dos milhares de passageiros de um ferry à serenidade de uma vista do Mar de Mármara, da degradação de alguns subúrbios a majestosos e imponentes palácios e mesquitas.
A inicial imagem de desordem e confusão converteu-se, enfim, numa concepção mais adequada e abrangente da cidade. Foi com este metamorfoseado juízo, mais fundado e fundamentado que regressei, interpretando presentemente o “desassossego cultural”, parte da riqueza cultural do povo de uma cidade reinventada ao longo dos séculos, desde a longamente ida Bizâncio, à renovada Constantinopla que hoje é a tumultuosa e religiosa mas moderna e cosmopolita Istambul.
«O mundo é um livro de que aqueles que não viajam lêem apenas uma página.» (Santo Agostinho)
Nottingham
Sofia Ribeiro
Estudante de Medicina da FMUL (5º ano), sofy_ribeiro@hotmail.com