Momentos
No dia em que a Aula Magna ardeu – o relato de Isabel Aguiar
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Era dia 8 de novembro e algumas pessoas da Faculdade juntavam-se num jantar para seguirem depois juntas para a Noite da Medicina, espetáculo habitual todos anos, organizado pelos estudantes da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.
Quem a conhece sabe que não é habitual fazer uma refeição com o telefone em cima da mesa, mas esperava por uma chamada de uma amiga de trabalho que se juntaria àquele mesmo jantar.
Às 20h15 quando o telefone tocou, percebeu que não era a chamada que esperava. Do lado de lá do telefone o segurança dizia em aflição, "temos a Aula Magna a arder".
Diz que não se recorda bem do seu primeiro ímpeto, mas quem a rodeava conta que saltou da cadeira e disse que se ia embora porque tinha a Aula Magna a arder. Nesse dia tinha convidado o marido e o Engenheiro do Hospital de Santa Maria, Nuno Jorge, para a acompanharem num momento que pretendia que fosse de festa.
Chegaram os três em poucos minutos ao Hospital.
A primeira imagem que descreve foi de muito fumo a sair pelo edifício. Poucos minutos mais à frente juntavam-se a Isabel Aguiar a equipa de informática, o João Godinho, responsável pela equipa de Audiovisuais e o Sr. Costa, o seu braço direito para todas as questões que implicam a logística. Mais tarde chegariam outros elementos da sua equipa e que não deixa de mencionar, Rui Gomes, responsável pelos Recursos Humanos e Carine Pires, que na altura a assessorava nas questões administrativas. Alguns Professores, Mamede de Carvalho, António Vaz Carneiro e Melo Cristino, juntavam-se também preocupados, abandonando a Noite da Medicina. Quando se lembra de toda a sua equipa e da solidariedade que sentiu, emociona-se e trava o relato.
Fica e silêncio e pede desculpa.
Quem a conhece sabe que não chora por qualquer coisa.
Só depois retoma o relato. Para recordar os bombeiros e a proteção civil, depois a polícia. Conseguiu espreitar o corredor administrativo e o conselho para garantir que não havia danos. Preocupava-a o património, o excesso de água que fora usado para apagar o fogo e os processos de desenfumagem.
Dos obstáculos que a obrigaram a superar-se, retira como forte sinal a coordenação de uma equipa que se mobilizou em tempo recorde.
Rapidamente e pouco tempo depois a equipa da limpeza limpava o corredor de passagem que levava à Aula Magna. Depois chegaram outras empresas para reforçar a limpeza, na tentativa de eliminar de vez o cheiro a fumo. Na tentativa de eliminar de vez a lembrança do dia 8 de novembro.
“O projeto da Aula Magna estava já a ser trabalhado, mesmo antes do incêndio”, explica. Em cima da mesa havia duas grandes preocupações, melhorar as condições de segurança, precavendo todas as questões de evacuação, sinalética e meios de extinção, mas também dar resposta a um novo sistema multimédia. “Recordo-me que o Professor Fausto se mostrou muito desagradado com uma ligação que ele fez da Aula Magna ao bloco operatório e que não correu bem. Na altura ele perguntou o porquê e o facto é que havia um desinvestimento do espaço, desde que abrira o Grande Auditório João Lobo Antunes”. Aparentemente esquecida, a Aula Magna entrava numa decadência fortalecida pelos anos, “apenas utilizada pelos históricos da Faculdade e nos atos académicos”. Era preciso alterar a mentalidade e voltar a colocar a sala no centro dos eventos. Reuniu com João Godinho e desafiou-o para pensarem em conjunto na melhor solução multimédia. “Tínhamos a possibilidade de modernizar a sala e o resto surgiria naturalmente”, diz de cor cada processo como se lesse apontamentos de uma agenda ainda não fechada.
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Do seu lado tinham as questões de acústica que apesar de precisarem de melhorias e modernização, tinham um bom berço. "Apesar de serem instalações antigas, a arquitetura e estrutura técnicas estavam muito bem pensadas. Ainda hoje os auditórios que temos têm uma acústica muito boa graças aos materiais de construção mais simples”.
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O tempo é aqui um elemento interessante. Deflagra um incêndio em novembro de 2017 e reabre-se uma sala totalmente remodelada em fevereiro de 2019. Foi praticamente só um ano de reação e execução. Foi tempo recorde.
Isabel Aguiar: Sim, porque parte já estava a ser desenvolvido. O grosso da intervenção que as pessoas conseguem ver é o material que forra as paredes superiores e que se chama decustik (paredes acústicas) e que foi também trabalhado no teto. Consultámos um engenheiro de som e que era um profissional muito experiente e assim se melhorou a qualidade tecnológica.
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A remodelação das cadeiras também era algo urgente. As que existiam não foram bem pensadas para aquele espaço, eram muito confortáveis, mas não as adequadas. Então o que é que fizemos? Embalámos cerca de 280 cadeiras e guardámo-las devidamente. A minha ideia é depois usá-las no novo Edifício Reynaldo dos Santos. No incêndio perdemos apenas 20 a 30 cadeiras. As restantes que aproveitámos, foram limpas e ficaram a arejar este tempo todo, até serem embaladas. Estas cadeiras tiveram um comportamento excelente ao fogo, já que elas já são antifogo (adquiridas na renovação em 1997). Lembro-me do senhor da empresa de limpeza de estofos, quando entrou e tocou numa cadeira e lhe fez um teste, disse-me "temos cadeiras!".
Todo o resto veio do carinho e do que se foi planeando para dar à Aula Magna um traço mais leve. Foi um verdadeiro projeto de modernização para que ela voltasse a ser a nossa Aula Máxima.
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Gostava de recuar ao momento em que entra na sala depois do incêndio. E do que viveu então.
Isabel Aguiar: Foi um choque muito grande. Um choque... Era o fumo... Havia um grupo de cadeiras ardidas no centro da sala porque caiu em cima delas o projetor de vídeo, os ares condicionados, que eram novos, estavam derretidos.
Foi muito complicado…
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Nessa manhã às 09h eu, a Carine e a Ana Silva, que está com a Gestão de espaços, juntámo-nos para pedir solidariedade às outras Escolas, para acolherem os nossos eventos. E conseguimos! Naquela manhã resolvemos tudo. Perante a adversidade a união foi fantástica.
Eu posso dizer que durante vários meses me emocionava cada vez que olhava para o meu casaco daquele dia e que cheirava imenso a fumo. O meu carro durante imenso tempo ficou a cheirar também a fumo.
Depois do choque foi a alegria de ver o que se tinha salvo. Muito material dos audiovisuais, que o João limpou com toda a sua paciência. A zona pior, apesar de não ardida, mas que estava preta pelo fumo, foi a régie. Por outro lado as madeiras foram verdadeiras portas corta-fogo.
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Sabe-se hoje o que terá acontecido?
Isabel Aguiar: Não, a Policia Judiciária foi inconclusiva. Disseram-nos que estas situações também acontecem nas estruturas novas. Pode ter sido por curto-circuito. Foi um acaso infeliz e que devido à carga térmica deflagrou em incêndio.
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Depois de um vasto trabalho de equipa, de ver inaugurada uma obra onde se envolveu com toda a alma, como é que se sente agora?
Isabel Aguiar: Muito feliz por termos conseguido e agradado às pessoas. Porque nós não trabalhamos para nós, trabalhamos para as pessoas. Depois estou muito feliz por ver que uma equipa inteira conseguiu responder à Direção da Faculdade. Tínhamos uma grande responsabilidade em cima de nós e tivemos que fazer uma gestão muito rigorosa do orçamento. Fomos bem-sucedidos, chegámos a um final feliz. Nem tudo foi perfeito, perdi muitas horas de sono e houve muitos contratempos, mas valeu o esforço!
Que agora a Aula Magna sirva para muitos e bons eventos e que é isso que se espera dela!
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Isabel Aguiar é a Diretora de Serviços da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa. Completa que está esta obra, olha já para novos desafios, ou não fosse ela a impulsionadora de tantos acontecimentos. ”O próximo sonho é poder recuperar dignamente o Auditório António José Serrano, o mais difícil de trabalhar e por isso o desafio maior”. E nós não temos dúvidas que o vai conseguir!
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Joana Sousa
Equipa Editorial
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