Investigação e Formação Avançada
Oriente e Ocidente de mãos dadas em nome da Ciência – um relato de Bruno Silva-Santos
Seis Group leaders do iMM visitaram a Universidade de Guangzhou’s Jinan (Cantão, China) a convite de Zhinan Yin, Professor e Investigador de Imunologia. Além da sua presença num Simpósio, o encontro serviu ainda para estabelecer programas de cooperação académica entre equipas e futuros projetos.
Este encontro a Oriente veio na sequência de uma visita feita há um ano atrás pelo anfitrião chinês Zhinan Yin e pelo reitor da Universidade de Jinan. Depois de percorridos vários países europeus, à procura de parceiros para cooperação académica, chegaram ao iMM.
Especialista em Imunologia, tal como Bruno Silva-Santos, Zhinan Yin resolveu contactá-lo e desafiar os responsáveis chineses a conhecer o iMM, a casa profissional do investigador português. O desafio era claro, fazer com que Portugal e China entrassem num acordo entre institutos. O desejo cumpriu-se e após a primeira visita ao iMM, o convite para conhecerem a China surgiu de imediato. “Nós queríamos muito conhecer os nossos congéneres cientistas de lá, levámos 6 Group leaders do iMM ao Instituto de Biomedicina e fomos conhecer a elite dos cientistas deles, representada por 11 Group leaders. Durante dois dias ouvimo-nos uns aos outros e depois passámos para um brainstorm sobre o que poderia ser esta nossa colaboração”.
E há boas notícias para este grupo de cientistas, já que o governo chinês tem querido investir na Ciência, tentando com isso internacionalizá-la, contrariando anos de políticas fechadas para um mundo mais global. O outro ponto de vantagem é que Guangzhou’s Jinan é desde sempre a Universidade chinesa mais aberta ao mundo ocidental. Fundada há 112 anos esta universidade foi criada com o propósito de receber os estudantes chineses vindos do estrangeiro ou das antigas colónias que não eram chinesas. Com ligações próximas ao governo, Guangzhou’s Jinan tem ainda uma porta direta para pedir financiamentos e propor budgets que se encaixem no âmbito das suas investigações. Com os institutos chineses maioritariamente focados no cancro e na imunologia, as ligações a Portugal e ao iMM tornavam-se evidentes, excluindo, no entanto, áreas como a neurologia que só existem no iMM. “Dos 32 laboratórios que são do iMM eu diria que 20 se podem encaixar em projetos com a China”.
Bruno Silva-Santos e Luis Graça, da Imunologia; João Barata, da Leucemia; Carmo Fonseca, da Biologia Molecular, com Sérgio de Almeida e Sérgio Dias também com a ligação à área do Cancro, foram os 6 investigadores, todos eles igualmente Professores da FMUL, que foram os escolhidos para o primeiro encontro oficial.
Mas está claro que estes foram apenas os primeiros passos de um movimento que será maior.
É inevitável perguntar-lhe se a Ciência é um conceito global, ou se, ainda assim, ela se divide entre a realidade do Ocidente e a do Oriente.
Bruno Silva-Santos: Notam-se as diferenças em pequenas coisas. Mesmo nos projetos de investigação, os investigadores chineses têm muito interesse na Medicina Tradicional Chinesa e tentam dar uma base científica, ao que houver de científico, à Medicina Tradicional Chinesa. Ou seja, testam muitos compostos e concluem que uns não têm base científica, como a Homeopatia, mas outros sim, como a Acupunctura, e conseguem explicar o mecanismo biológico, fazendo a ponte entre a Medicina Tradicional e a convencional.
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E para vocês cientistas europeus faz sentido essa abordagem?
Bruno Silva-Santos: Faz e ela é exequível, desde que seja bem controlada e feita com método científico e isso nós verificámos. Mas há sempre um ou outro elemento mais “excêntrico”. Eles acham muito interessante comparar a dieta oriental com a ocidental, porque há a conceção que a internacionalização levou à China os maus hábitos alimentares ocidentais. Então, fizeram um estudo sob os efeitos da Coca-Cola e da Pepsi, com e sem açúcar, com cafeína e sem, e relacionaram-na com o desenvolvimento da esclerose múltipla em ratinho. Com este estudo nos ratinhos chegaram à conclusão que o açúcar, contido na Coca-Cola, promove o desenvolvimento da esclerose múltipla, aumentando a gravidade da doença. Por sua vez concluíram que a cafeína é protetora. Ora, este estudo vai na direção de um já apresentado pela Luísa Lopes, investigadora do iMM e Professora da Faculdade, e que mostrou que a cafeína é protetora contra a neurodegeneração. Mas o açúcar como promotor da gravidade da doença autoimune, que é a esclerose múltipla, foi algo que lhes interessou neste paradoxo entre Oriente e Ocidente. É curioso porque nós Ocidente não olhamos tanto para o Oriente.
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Será que “absorvendo” algumas características do Oriente estamos também a abrir uma nova linha de horizonte e perspetiva da própria Ciência?
Bruno Silva-Santos: Acho que sim e que vamos tomar mais atenção a mais investigações. Agora, claro que é necessário distinguir “o trigo do joio”. Mas há, sem dúvida, coisas importantes que nos escapam. Há coisas que estamos a testar no Ocidente, concretamente aqui no iMM, e que a China pode trazer como uma porta de entrada, com novas combinações terapêuticas. Dou-lhe um exemplo, hoje em dia estamos muito interessados em entender o microbioma, ou seja, as bactérias do nosso intestino. Importa-nos entender como estas bactérias condicionam muitas doenças diferentes, não só as mais óbvias, mas algumas que levam até ao autismo. E o facto de a China ter um microbioma muito diferente do nosso, não só geográfico, mas alimentar, faz com que os nossos modelos animais ratinhos tenham bactérias muito diferentes. Ora isso permite-nos comparar resultados do modelo da doença, entre uma colónia de ratinhos estabelecida no iMM e outra estabelecida em Cantão e ver se temos o mesmo efeito, ou não. Sem dúvida que isso pode ter um impacto grande na nossa interpretação do modelo, só que com o ponto de partida de ser um rato com microbioma diferente. Estes cientistas chineses já nos enviaram a lista de todas as colónias de ratinhos mutantes e modelos de doença que eles têm, alguns modelos nós nem temos. Então, no contexto desta nossa colaboração nós transferirmos modelos de ratinhos da China para cá, para podermos testar nos modelos de doença em que estamos interessados. E vai permitir outra coisa, caso seja um modelo que eles lá já estejam a usar, vamos comparar os nossos resultados e ver se há diferenças entre eles.
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Qual será o próximo passo deste encontro de mundos?
Bruno Silva-Santos: Agora terei a responsabilidade de receber no final deste ano uma comitiva chinesa do instituto de lá. O objetivo é fazermos um follow up com apresentações do iMM. Como disse, fomos só 6, mas podem entrar mais 14, em termos de grupos. A ideia é reunir todos no Convento da Arrábida, local onde, graças à Fundação Oriente, uma das fundadoras do iMM, dá-nos acesso privilegiado a este espaço. Já realizámos lá vários retiros e vamos tentar marcar também lá este encontro. Mas até lá, temos trabalho para fazer, através dos ratinhos, vamos trocando impressões e ideias de projetos individuais.
Posso afirmar que este próximo simpósio vai ser crítico para definir com mais solidez esta colaboração.
Mas há mais, na China estão a apostar muito na formação pós-doutoral e com bolsas com um investimento bem mais alargado que na Europa. E eles neste instituto chinês estão muito disponíveis para partilhar os seus cientistas em pós-doutoramento. Isso permitiria uma possibilidade concreta de um intercâmbio, com financiamento já garantido pelo estado chinês. Só é preciso ver a lógica do projeto que beneficie ambas as partes.
Vamos a números que explicam melhor a dimensão das coisas. Se o congresso da Sociedade Portuguesa de Imunologia reúne 300 pessoas, já o da China chega às 3 000. Ainda assim a proporção portuguesa para a chinesa mostra a qualidade do que é feito no nosso país.
Enquanto Cantão agrega 12 milhões de habitantes, Portugal inteiro não alcança sequer os 11. E quanto ao ensino há muito mais para apresentar. No total a China apresenta aproximadamente 600 universidades. Com 216 institutos de investigação, 74 programas doutorais e 189 programas de mestrado, 37 escolas diferentes e com 19 hospitais associados, a Universidade de Guangzhou’s Jinan distribui-se por 5 campus diferentes, tendo mais de 100 mil alunos e 2 200 professores. Dentro deste quadro têm ainda 10 programas de ensino já lecionados todos em inglês, um deles de Medicina Clínica, abrindo a porta para a internacionalização.
Só o investigador Zhinan Yin recebe, em números brutos, 10 vezes mais daquilo que Bruno Silva-Santos possa ter acesso dentro de Portugal.
E se a China é a segunda potência mundial, Portugal não compete para esse ranking, mas no que toca ao investigador e Professor português, está seguramente no ranking dos mais conceituados internacionalmente. Não foi por isso em vão que, no fecho do 1º Simpósio em Cantão, Zhinan Yin afirmou que estes portugueses de elite serviriam de inspiração para se elevar o nível da Ciência chinesa.
O 1º Simpósio em Cantão marca assim o início de novas pontes entre mundos, importa agora avaliar que investimentos europeus e chineses se mobilizam para que da vontade, se passe à prática. Em nome da Ciência. Em nome de um só mundo.
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Joana Sousa
Equipa Editorial